Um porta-aviões fantasma a vagar em alto-mar

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Porta-aviões São Paulo é o novo navio fantasma em alto-mar

Ele parece ter uma sina maldita ao menos no Brasil. Construído na França, entre 1957 e 1960, recebeu o nome de FS Foch. O modelo, da Classe Clemenceau, tinha capacidade para transportar até 40 aeronaves de asas fixas e helicópteros. O nome original foi uma homenagem a Ferdinand Foch, comandante das tropas aliadas durante a Primeira Guerra Mundial. Sua carreira na Marinha Francesa foi de 37 anos. Contudo, se na França ainda teve uma vida digna, nestas plagas foi um desastre que agora mais uma vez se confirma. O porta-aviões  fantasma a vagar pelo alto-mar é o ex-porta-aviões São Paulo.

porta aviões São Paulo ou navio fantasma
Ele também era uma máquina de poluição atmosférica. Imagem, Wikimedia Commons.

A curta carreira no Brasil

Ele chegou ao País no ano de 2001 para substituir o glorioso Minas Gerais que serviu por 50 anos. Foi comprado na época por US$ 12 milhões.

Para começar, o Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais (A-11) serviu em três marinhas de guerra ao longo de cinquenta e seis anos e, além disso,  foi o primeiro porta-aviões da Armada brasileira.

Para substituí-lo, em 2001 a Marinha do Brasil comprou o São Paulo. Entretanto, operou por pouco tempo em águas brasileiras. Já em 2004 um duto da rede de vapor do A-12 explodiu, matando três tripulantes e ferindo outros sete. Começava uma sinistra carreira no hemisfério Sul que ainda não acabou.

Sem condições para ser reformado, a solução foi transformá-lo em sucata, e encerrar sua breve estada no País no mais famoso cemitério de navios: Aliaga, na Turquia.  Por R$ 10,5 milhões o estaleiro Sök Denizcilik e Ticaret Limited o arrematou. Mas, ainda assim, o São Paulo foi barrado no baile e recusado pela Turquia onde seria desmantelado.

Um show de incompetência

A vinda do São Paulo para estas plagas, os acidentes que protagonizou, a sua curtíssima carreira, a revenda para uma empresa turca – estaleiro Sök Denizcilik e Ticaret Limited – por R$ 10,5 milhões e sua ida do Brasil para a entrada do Mediterrâneo, e volta ao País, parecem escrever uma história indigna para esta belonave.

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Vexame internacional

Todo mundo sabia que o São Paulo carregava em seu bojo amianto, um material cancerígeno e proibido em vários países, inclusive no Brasil.

O comprador brasileiro, Jorge Wilson de Azevedo Cormack escreveu para este site quando contou sua saga:

Eu fui o arrematante deste Casco aos 12 de Março de 2021, por procuração, pela Sok – TURQUIA, porém, por desmerecerem os meus conselhos e inúmeras dores-de-cabeça as quais tive desde 2019 quando a MSK procurou-me para começar os preparativos para participar do leilão.

Azevedo Cormack diz que alertou a empresa turca:

Após vencer o leilão, solicitei à SOK para fazer com uma empresa internacional uma vistoria adequada e minuciosa sobre o amianto que poderia ter a bordo, mas, a SOK nunca quis ouvir-me e quando neguei-me em seguida ser o exportador do casco por não cumprirem com o meu conselho de fazerem a tal inspecção, fui obrigado a colocar um advogado especialista em questões marítima e ambiental, e não um qualquer advogado.

Como se vê, a negligência foi dos dois lados: do Brasil e da Turquia.

4 de agosto de 2022, o início da saga do navio fantasma

Seja como for, em 4 de agosto, rebocado (pelo rebocador holandês ALP CENTER), o São Paulo iniciou o que viria a ser sua última jornada, uma longa viagem de seis mil milhas até a Turquia. Acontece que a sucata cancerígena foi monitorada pelo Greenpeace que sabia que o Brasil estava vendendo veneno para os turcos. E avisou o governo daquele país.

Assim, em 26 de agosto, às portas do Estreito de Gibraltar, o governo turco informou que não o receberia. Sem outra solução, o rebocador deu uma volta de 180º e iniciou o retorno ao Brasil.

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O vexame internacional

Por causa disso, a consultora e Engenheira de segurança do trabalho, Fernanda Giannasi, declarou ao site redebrasilatual.com.br ser este um “vexame internacional em que estamos metidos com a proibição do governo turco do porta-aviões São Paulo, exportado de forma irregular para desmanche.”

Segundo a ONG shipbreakingplatform.org, ‘o São Paulo tinha 760 toneladas de amianto. Enquanto isso, o relatório encomendado pelo governo brasileiro à empresa Grieg Green (cujo site apregoa serviços genuinamente verdes para a indústria marítima) estimou em pouco menos de 10 toneladas’. 

E Fernanda Giannasi acrescentou: “Atestado da mais alta incompetência e irresponsabilidade dos órgãos ambientais do (DES)governo brasileiro.” (Grafia original da engenheira).

Todo mundo sabia disso. Menos, aparentemente, o Ibama atual. O órgão deu autorização à venda da sucata cancerígena para, 6 mil milhas depois, voltar atrás.

Envolvidos na pantomima se calam

De acordo com matéria de Lucas Altino, em O Globo (9/9/2022) ‘Após um mês de reviravoltas judiciais, protestos, e proibições internacionais, o porta-aviões São Paulo está, enfim, a caminho de volta ao Rio.’

‘No final de agosto, o governo da Turquia, que seria o destino da embarcação, vendida pela Marinha por R$10,6 milhões, cancelou a autorização para a importação, por causa da preocupação com a quantidade de amianto, material tóxico e cancerígeno, a bordo.’

‘Com isso, o Ibama também suspendeu sua autorização de exportação e comunicou que o porta-aviões deveria retornar ao Brasil.’

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‘Procurados, diz a matéria, a Marinha, a Capitania dos Portos e o Ibama ainda não se manifestaram. Mas advogados que acompanham o imbróglio afirmam que a Ocean Prime, empresa contratada pela Sok para fazer a exportação, solicitou à Capitania dos Portos a autorização para o atracamento na Baía de Guanabara no dia 2 de outubro. A Ocean Prime também não respondeu à reportagem, mas há duas semanas ela informou que estava ciente da ordem do retorno.’

Por que será que agora ninguém fala, vergonha?

Novo retorno do navio fantasma

Enquanto a burocracia dava voltas, o comboio também foi obrigado a fazê-lo. Quando o navio estava na altura do Espírito Santo, em direção ao Rio de Janeiro, recebeu uma ordem para dar nova meia volta, e rumar para o porto de Suape, em Pernambuco.

Segundo o Uol, em matéria de Jorge de Souza, a Marinha do Brasil teria proibido a atracação do navio no Rio de Janeiro onde sempre esteve durante os anos de férias no País: ‘Quando o lento comboio já estava quase chegando de volta ao Rio de Janeiro, uma ordem do órgão máximo da navegação brasileira determinou que ele desse novamente meia volta, e subisse, uma vez mais, a costa brasileira, até o porto de Suape, no litoral de Pernambuco, a mais de 1.500 quilômetros de distância.’

O navio chegou a Suape em 5 de outubro. E foi recusada a sua atracação pela Agência Estadual de Meio Ambiente do Estado. Durante estes dois meses vagou de um lado para outro do Atlântico como uma espécie de ser pestilento de que ninguém quer chegar perto. O São Paulo está ancorado, quer dizer, o rebocador e sua presa, ao largo, à espera de uma solução.

Ao que parece, o motivo de sua parada em Pernambuco deve-se à necessidade de uma vistoria pela MB para se certificar das condições de navegabilidade (?!).

Segundo o shipbreakingplatform.org ‘A oposição contra a exportação também se manifestou em grandes protestos de rua em Aliağa, Izmir e em outros lugares da Turquia. Além disso, o território britânico de Gibraltar havia declarado que proibiria a passagem do navio por suas águas territoriais antes da decisão da Turquia.’

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Marinha do Brasil se manifesta em 6 de outubro

Enquanto isso, a Marinha do Brasil finalmente se manifestou. Em nota publicada em 6 de outubro, diz: ‘Outra medida adotada pela MB foi fazer constar em Edital exigências que obrigam o atual proprietário do casco a cumprir normas internacionais, dentre as quais: o cumprimento da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989); e a apresentação de Inventário de Materiais Perigosos (IHM), auditado por testes de laboratório credenciado e aprovado por Sociedade Classificadora independente, com base nas Resoluções da Organização Marítima Internacional (IMO).’

A MB diz ainda que ‘enquanto pertencia à Marinha Nacional Francesa (MNF), realizou, na década de 1990, uma ampla desamiantação dos compartimentos da propulsão, catapulta, máquinas-auxiliares e diesel geradores, culminando com a retirada de aproximadamente 55 toneladas de amianto. Adicionalmente, é relevante mencionar, que o amianto atualmente existente no ex-NAe São Paulo não oferece riscos à saúde, no estado em que se encontra.

Enquanto prossegue a pantomima leia aqui a íntegra da nota da MB.

Vasili Arkhipov, o submarinista que salvou o mundo

Comentários

12 COMENTÁRIOS

  1. O amianto só representa risco a saúde ser houver INALAÇÃO das fibras geradas pela quebra do material (caso contrário teríamos uma epidemia de cancer devido ao uso de caixas-d’água fabricadas com este material)… com isso, fazer a descontaminação de resíduos de óleo e afundar essa joça pode ser a solução mais inteligente… seria criado um berçário para peixes e corais, além de encerrar a gastança de dinheiro público…

  2. Que loucura !!!
    Me fez lembrar a fábula do mestre Gabriel Garcia Marques.
    Na narração final, de “O amor nos tempos do cólera”, o capitão do navio levantou a bandeira (se não me engano, era amarela) de emergência sanitária e se viu num impasse: não seria barrado, mas também não poderia atracar em Porto nenhum.

  3. Conhecendo a realidade do Brasil, não me admiro se esse navio vier a pique quando o Greenpeace e outros órgãos de fiscalização baixarem a guarda e esse assunto cair no esquecimento.

    • Muito provavelmente como componente da isolação térmica de tubulações e equipamentos de vapor. Era o material que se utilizava na época da construção

  4. Pois é prezado João…
    Esse imbróglio pode se tornar uma tremenda dor de cabeça para um grupo de autoridades aqui no Brasil. Essa embarcação que agora é categorizada como um casco para desmantelamento, está vagando sem uma destinação. E pelas informações já divulgadas, o custo diário com seu transporte já superou o valor pago no leilão. Existe o sério risco dessa embarcação ser abandonada. A questão jurídica e a condição de descontaminação pelo amianto restante vai complicar a solução deste problemão!

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