Calor recorde nos oceanos passa do ponto de não retorno
Continuamos em rota suicida, e sem tomar as providências que seriam adequadas para a situação de perigo iminente em que vive a sociedade do século 21. A prova foram as muitas dúvidas deixadas pela COP 26, ao final de 2021. O resultado não deixou por esperar. Pouco meses depois da última reunião sobre o clima, a revista científica Advances in Atmospheric Sciences publica um novo estudo de 23 autores, e 14 instituições, afirmando que pela sexta vez consecutiva as temperaturas dos oceanos batem novo recorde. Os autores ainda frisam que isto acontece ao final do primeiro ano da Década dos Oceanos, da ONU. Pior: outro estudo, publicado na Plos Climate diz que o ‘calor nos oceanos passou do ponto de não retorno’. Calor recorde nos oceanos passa do ponto de não retorno.
O excesso de calor nos mares do planeta
O relatório publicado na Advances in Atmospheric Sciences resume dois conjuntos de dados internacionais: um deles, o Instituto de Física Atmosférica (IAP) da Academia Chinesa de Ciências (CAS); o outro, do Centro Nacional de Informação Ambiental da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA). Ambos analisam observações do calor do oceano e seu impacto.
Para Kevin Trenberth, estudioso do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica no Colorado, “o conteúdo de calor oceânico está aumentando implacavelmente, globalmente, e este é um indicador primário da mudança climática induzida pelo homem. Neste relatório recente, atualizamos as observações do oceano até 2021, além de revisitar e reprocessar dados anteriores.”
Segundo o site eurekalert.org ‘ no ano passado, os pesquisadores descobriram que os 2.000 metros superiores em todos os oceanos absorveram 14 Zettajoules a mais do que em 2020, o equivalente a 145 vezes a geração mundial de eletricidade em 2020. Para contextualizar, toda a energia que os humanos usam no mundo em um único ano é cerca de metade de um Zettajoule. [Zettajoule é 1 mais 21 zeros joules ou 240.000.000.000.000.000.000 calorias].
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O site iflscience.com explica o que isto quer dizer: ‘é como 1 por cento da energia liberada pelo impacto do asteroide que levou à extinção dos dinossauros. Ou igual a 30 bombas nucleares de Hiroshima sendo lançadas a cada segundo durante um ano.
Aumento da acidificação
O principal autor do artigo Lijing Cheng, declarou ao eurekalert.org: “Além de absorver calor, atualmente, o oceano absorve de 20 a 30% das emissões humanas de dióxido de carbono. Isso leva à acidificação dos oceanos; para piorar, o aquecimento reduz a eficiência da absorção de carbono oceânico e deixa mais dióxido de carbono no ar.”
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Ou seja, não é apenas a Amazônia que está próxima ao ponto de não retorno, conforme asseveram os cientistas; os oceanos, e os muitos serviços que prestam à humanidade, também parecem próximos de um esgotamento.
El Niño, La Niña
Os pesquisadores também avaliaram o papel de algumas variações naturais, como as fases de aquecimento e resfriamento conhecidas como El Niño e La Niña, que afetam muito as mudanças regionais de temperatura.
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Tundra do Ártico emite mais carbono do que absorveVanuatu leva falha global em emissões à HaiaO plâncton ‘não sobreviverá às mudanças do clima’Segundo Cheng, as análises regionais mostram que o robusto e significativo calor nos oceanos, desde o final da década de 1950, ocorre em todos os lugares. No entanto, as ondas de calor marinhas regionais são uma consequência, com enormes impactos na vida marinha.
Não só na vida marinha, mas no sistema de chuvas em várias partes do globo, como na América do Sul, por exemplo.
Neste ano, a La Niña já mostrou sua força destruindo a infraestrutura do sul da Bahia, matando, e deixando milhares de pessoas desabrigadas, gerando prejuízos bilionários nas despreparadas (para o aquecimento global e eventos extremos) cidades brasileiras. E agora produzindo o mesmo efeito deletério em Minas Gerais.
Melhor conscientização e compreensão dos oceanos
Michael Mann, professor de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual da Pensilvânia, foi ouvido pelo eurekalert.org:
“Os oceanos estão absorvendo a maior parte do aquecimento das emissões humanas de carbono. Até chegarmos a zero emissões líquidas, esse aquecimento persistirá e continuaremos quebrando recordes de calor oceânico, como neste ano. Uma melhor conscientização e compreensão dos oceanos são a base para as ações de combate às mudanças climáticas.”
2021 foi o mais quente da história
A NASA e a NOAA também divulgaram dados em 13 de janeiro demonstrando que o ano de 2021 foi o sexto mais quente da história.
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Segundo a Folha de S. Paulo (14/1/2021), na mesma semana ‘a medição publicada pelo Copérnico, o serviço de mudança climática da União Europeia, apontou 2021 como o quinto ano mais quente desde o início dos registros’. E o jornal explicou: ‘As agências usam diferentes modelos e linhas de base, o que resulta em números distintos’.
Números distintos mas que se equivalem, acrescentamos. Como a matéria da Folha reconhece em seguida, ‘apesar das diferenças, os três órgãos confirmam a tendência de aquecimento global observado nesta década’.
De realmente novo nestas informações, é a triste e perigosa confirmação de que o Ártico esquenta numa velocidade ainda maior.
O drama do Ártico, ou o ‘nosso drama’
Em 2019 este site repercutiu um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, cujo título era Greenland’s Melting Ice Nears a ‘Tipping Point,’ Scientists Say, em tradução livre, O derretimento do gelo na Groenlândia se aproxima de um ‘ponto crítico’.
2019: o Ártico esquenta ao dobro da taxa média da Terra
O texto de abertura dizia… “O Ártico está esquentando ao dobro da taxa média do resto do planeta, e a nova pesquisa acrescenta evidências de que a perda de gelo na Groenlândia está se acelerando conforme o aquecimento aumenta. Cientistas especulavam se havia chegado o ‘ponto de inflexão’.
2021: ‘o Ártico estes perdendo sua alma’
De 2019 para 2021, a resposta parecia ser, sim, atingimos o ponto de inflexão. Matéria do Atlas Obscura de agosto de 2021, escrita por Gemma Tarlach, já dizia no título: Ghostly Satellite Image Captures the Arctic ‘Losing Its Soul’, ou, Imagem fantasmagórica de satélite captura o Ártico ‘perdendo sua alma.’
Calor recorde nos oceanos passa do ponto de não retorno
O estudo da Plos Climate, publicado em 1º de fevereiro de 2022, é ainda mais dramático. “As alterações climáticas expõem cada vez mais os ecossistemas marinhos a condições extremas. Aproveitando a reconstrução global dos registros de temperatura da superfície do mar (SST) de 1870 até o presente, apresentamos um índice de escala centenária de calor marinho extremo dentro de uma estrutura estatística coerente e comparável.”
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A pesquisa é de autoria de Kyle Van Houtan, da Duke University, em Durham, Carolina do Norte, e Kisei Tanaka, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA.
O Guardian, repercutiu o estudo. “O calor recorde nos oceanos do mundo passou do “ponto sem retorno” em 2014 e se tornou o novo normal, de acordo com a pesquisa.”
“Os cientistas analisaram as temperaturas da superfície do mar nos últimos 150 anos, que aumentaram devido ao aquecimento global. Eles descobriram que temperaturas extremas que ocorrem apenas 2% do tempo há um século ocorreram pelo menos 50% do tempo em todo o oceano global desde 2014.”
“Em alguns hotspots, temperaturas extremas ocorrem 90% do tempo, afetando severamente a vida selvagem. Mais de 90% do calor retido pelos gases de efeito estufa é absorvido pelo oceano, que desempenha um papel crítico na manutenção de um clima estável.”
Kyle Van Houtan, do Monterey Bay Aquarium, EUA, foi enfático: “Ao usar essa medida de extremos, mostramos que a mudança climática não é algo incerto e pode acontecer em um futuro distante – é algo que é um fato histórico e já ocorreu.As mudanças climáticas extremas estão aqui, estão no oceano, e o oceano sustenta toda a vida na Terra.”
Os cinco mais afetados
A proporção do oceano que experimenta calor extremo em alguns grandes ecossistemas é agora de 80% a 90%, com os cinco mais afetados, incluindo áreas nas costas nordeste dos EUA e Canadá, na Somália e na Indonésia e no Mar da Noruega.
John Abraham, da Universidade de St Thomas, em Minnesota, também foi ouvido: “Os oceanos são fundamentais para entender as mudanças climáticas. Eles cobrem cerca de 70% da superfície do planeta e absorvem mais de 90% do calor do aquecimento global. O novo estudo é útil porque os pesquisadores analisam as temperaturas da superfície. Ele descobre que houve um grande aumento no calor extremo na superfície do oceano e que os extremos estão aumentando ao longo do tempo”.
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Pior que o aquecimento, é o negacionismo
Mas isso, na opinião do Mar Sem Fim, não é a pior notícia. A pior é que parte do público ainda não leva a sério estas informações fruto da terrível época em que vivemos em que, como disse o visionário Umberto Eco, “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis.”
Trata-se de massa de manobra que, levada pelo negacionismo hoje em moda no mundo globalizado e especialmente neste País, acreditam em qualquer publicação de ignorantes como nosso chefe de governo que negam, da mortal epidemia da Covid-19, até o aquecimento do planeta, contribuindo para a paralização e a pouca atenção aos alertas da ciência. A bem da verdade, o aquecimento não foi levado a sério por sucessivas gestões em Pindorama, mas é agora agravado por campanha pública contra a ciência.
Recomendamos, a propósito, a leitura de Marcelo Leite, jornalista de ciência e ambiente, que publicou na Folha o artigo ‘Tsunami de dados sobre o clima mal consegue varrer propaganda‘, em que comenta que ‘Oito anos com recordes planetários de calor foram até aqui incapazes de desfazer dúvidas plantadas por negacionistas’.
Triste, desanimador, e sobretudo muito perigoso.
Imagem de abertura: carbonbrief.org
Fontes: https://www.eurekalert.org/news-releases/939503; https://phys.org/news/2022-01-accumulated-upper-ocean.html; https://www.iflscience.com/environment/worlds-oceans-smash-heat-record-for-sixth-year-straight/; https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/01/2021-foi-o-6o-ano-mais-quente-ja-registrado-afirmam-agencias-dos-eua.shtml; https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/01/extreme-heat-oceans-passed-point-of-no-return-high-temperatures-wildlife-seas#:~:text=Extreme%20heat%20in%20the%20world’s,new%20normal%2C%20according%20to%20research.&text=They%20found%20that%20extreme%20temperatures,the%20global%20ocean%20since%202014.
Civilizações prósperas do passado sucumbiram a crises ambientais, Sumérios e Maias como exemplo, e algo não diferente está acontecendo agora, mas a nível mundial, em grande parte pelo sucesso que levaram ao crescimento populacional, como no passado. O maior problema é excesso de humanos no planeta, contudo nos tornamos escravos de nossa própria tecnologia, e o problema não é apenas o consumo de combustíveis fósseis e a perda de florestas. peguemos o ferro de que tantos necessitamos. Para produzir 1.000 Kg de ferro gusa são necessários cerca de 1.700 Kg de minério de ferro (a depender da pureza) e serão produzidos cerca de 1.800 Kg de gás carbônico. Somente em 2020 o Brasil, segundo fornecedor mundial, produziu 400 bilhões de Kg de minério de ferro, e adivinhe em que foi transformado esse minério? A Austrália maior fornecedor mundial produziu, em 2020, 900 bilhões de Kg.
E não é só o ferro, todos os outros metais, e semi-metais se encontram na natureza em formas oxidadas, uma parte por conta de nossa atmosfera oxidante que a própria vida transformou, Alumínio, Manganês, cobre, silício e etc.
E não podemos esquecer do cimento também, afinal precisamos construir nossas cavernas habitacionais.
Com certeza a humanidade irá passar por uma grande crise ambiental, e verá de uma forma ou de outra a população diminuída.
Contudo acredito na resiliência do planeta, com grande auxílio dos oceanos, o problema é que os ciclos oceânicos se medem em milhares de anos e as alterações humanos em séculos (Pense nas grande correntes oceânicas que envolvem todo o planeta com ciclo de mais de 3.000 anos).
Enquanto o planeta esquenta e o clima se radicaliza, em função de toda uma “civilização” baseada em tecnologias poluentes e valores antinaturais, e os cientistas tentam alertar para os desastres cada vez maiores que já começam a acontecer, os povos e seus “líderes” ignoram ou negam a gravidade do problema, seguem religiões que falam em seres de fantasia que sempre estão para chegar e nos “salvar”, e por cúmulo, os governos das maiores potências da Terra ainda se preparam para novas guerras motivados por alucinações coletivas a que chama de ideologias e fronteiras.
Não conseguimos enxergar a realidade da existência, não conseguimos superar a ignorância nem nos unirmos em nível planetário.
Ao optar por vivermos imersos em nossas alucinações nacionalistas e religiosas, mostramos que não estamos à altura dos desafios que a evolução nos coloca, e pagaremos um preço altíssimo por isso.
De minha parte, não tenho mais qualquer dúvidas que a maior parte da raça humana é louca de hospício.
Excelente matéria . Esclarecedora . Isso só mudará quando esses “probleminhas” afetarem o mundo financeiro, vulgo “mercado”. Enquanto isso nós enfiam goela abaixo a postura ESG das empresas para atraírem o consumidor…
Comentário perfeito. Infelizmente.
Prezado João.
Bela matéria, porém o foco disso tudo e inclusive o porquê de nenhum país tomar qualquer atitude, inclusive o Bolsonaro, é que o problema á um só. Excesso populacional !! E ninguém quer enfrentar esse problema, afinal já sabemos quem sofrerá as consequências e quem terá que pagar a conta disso tudo. São os milhões de pobres e miseráveis, logo os chefes das nações cruzam os braços e quando, invariavelmente, as pragas, inundações e outros fatores diminuírem a população, talvez alguma atitude seja tomada, para a preservação dos ricos e afortunados…
Não é bem assim, João Alexandre: há muitos países que levam a sério o aquecimento, e preparam suas cidades para mitigar o impacto. Mas, no Brasil, é raro. Muito raro. Santos, por exemplo, é das poucas que conhecemos que leva a sério, um exemplo a ser seguido. Veja post publicado hoje sobre a cidade.
O artigo é interssante, porem o comentario politico final, tentando ligar aos males do mundo ao chefe de plantão, conspurca e inadequa o artigo. Comentario desnecessario, forçado, e profundamente inadequado, incompativel a um artigo que se pretende cientifico.
O artigo ‘não se pretende científico’, Luigi. Apenas repercute alertas da ciência. A mesma ciência desacreditada todo dia nestas plagas. Não à toa, há quem acredite que a Terra é plana como uma folha de cartolina. Não à tona, pouquíssimas cidades brasileiras se preparam para a realidade do aquecimento da Terra. Não à toa ainda, pessoas morrem em São Paulo, Minas, Bahia, ou onde quer que caia um pé d’água. Porque, em Pindorama, não se acredita no próprio aquecimento do planeta.