Batalha de Salamina, parte importante da História da humanidade; foi a primeira batalha naval de que se tem notícia relatada a cada lance
Imagine uma batalha naval 480 anos antes de Cristo. A primeira de que se tem notícia, e uma das mais importantes da história da humanidade. E tudo num cenário paradisíaco. De um lado, 1.200 navios atacantes, do outro, apenas 300 navios defensores. Em terra as tropas atacantes contavam com cerca de um milhão e setecentos mil homens vigiados de perto por seu rei. A Batalha de Salamina foi das primeiras escaramuças que colocariam o Ocidente representado pela “Grécia europeia, síntese do pensamento progressista da antiguidade”, em rota de colisão com o Oriente; a Pérsia, pomposa, lúbrica e primitiva”.
Seu desfecho, consideram a maioria dos historiadores, mudou o destino da humanidade. Apesar da idade avançada, a batalha naval foi minuciosamente narrada por uma testemunha. Presente legado pelo primeiro historiador da humanidade: Heródoto.
Duas palavras sobre o narrador
Heródoto nasceu em Halicarnasso, capital da Caria, em 484 a.C.”A família deveria ser abastada. O jovem Heródoto teve tempo e longos recursos à sua disposição. Viajou pelo mundo então conhecido. Percorreu primeiro o Egito. Subiu o curso do Nilo até Elefantina. Perambulou pela Líbia e Fenícia, chegou até Babilônia. A própria Pérsia não deve ter sido estranha ao seu longo itinerário. Nas viagens recolhia materiais para a grande história que tinha em projeto, com suas importantes consequências…”
“Não se pode negar que tenha conhecido a Macedônia, a Trácia, a Cítia. As terras além do Daníbio e do Borístenis. Compreende-se que percorreu as regiões do Oriente, as colônias da Ásia e as extremidades setentrionais do mundo helênico, não tenha deixado de informar-se a respeito de todas as localidades da Grécia européia, de suas cidades, templos, campos de batalha do continente e ilhas.”
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“Uma espécie de história universal. Orientada para o conflito entre Gregos e a Ásia. Heródoto (490 a.C.–425 a.C.), um dos principais historiadores da Grécia Antiga, deu suporte ideológico à guerra contra os persas. Para ele, tratou-se de uma “guerra de sistemas”. De um lado, estava a Europa da “liberdade e democracia” – afinal de contas foi fundada nessa época a democracia ática, considerada até hoje o berço da Europa democrática.
No lado persa-asiático, Heródoto localizou o “despotismo”, o sistema da tirania. Dessa forma, o historiador dividiu o mundo até então conhecido num par de opostos: Ásia contra Europa e “liberdade contra servidão”.
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Divisão do livro
E, acrescenta o Mar Sem Fim, uma obra de fácil leitura, narrada em estilo direto, apesar de minuciosa. O livro é dividido em capítulos, e estes em diversos tópicos titulados, e numerados. Deste modo é fácil achar o tópico que se quer. Eles geralmente são curtos, fáceis de ler, cheios de descrições interessantes para quem vive 2.500 anos depois.
A leitura linear não é necessária como num romance, por exemplo. É possível curtir um trecho do fim, seguido por outro do meio, e encerrar com um do começo. E gostar de cada um ao mesmo tempo.
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Os persas armaram a maior força de combate da Antiguidade. “A força naval era 1.207 navios tripulados por 241 mil e 400 homens.” Para um transporte mais rápido das tropas, o rei Xerxes 1° (519 a.C.–465 a.C.) construiu um canal através da península de Atos, uma ponte sobre o Helesponto (hoje, Estreito de Dardanelos) e outra sobre o rio Estrímon (ambas construídas com navios amarrados lado a lado).
Uma surra no mar
“A ponte, como uma demonstração de poder, teria aproximadamente 1.600 metros de comprimento. Suas fundações encontravam equilíbrio sobre barcos. Xerxes, todavia, teve seus planos frustrados quando uma tempestade destruiu a edificação completamente. Transtornado, o déspota persa mandou chicotear as “traiçoeiras” águas.
Xerxes, indignado com a destruição da ponte que ligaria a Ásia à Europa, além de ordenar a morte dos engenheiros, mandou açoitar as águas com 300 chibatadas, ocasião em que teria dito:
Oh vil curso d’água! Xerxes ordenou sua punição porque você o ofendeu. O grande rei irá cruzá-lo mesmo sem sua permissão, porque você é um traiçoeiro e estúpido rio!”.
Salamina, batalha decisiva
Foi a batalha decisiva duma guerra que apontava a vitória, até então, aos persas. Atenas já havia capitulado. Enquanto a batalha se desenrolava, Xerxes assistia sentado em seu trono colocado no alto de uma montanha. Pelo lado persa participaram várias nações, entre elas a Fenícia, a Síria, Egito, Cilíaca, Medas, Dória, etc.
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Artemisa, princesa guerreira
Entre os comandantes de navios (frota persa) estava Artemisa, além de Rainha de Caria (sul da Turquia), uma valorosa combatente. Assim a descreveu Heródoto: ” Esta princesa me parece tanto mais digna de admiração quanto, apesar de seu sexo, quis tomar parte na expedição.”
“Como o filho se encontrava ainda em tenra idade quando o marido morreu, ela tomou as rédeas do governo, e sua grandeza d’alma e coragem levaram-na a seguir os Persas, embora não fosse a isso compelida por nenhuma necessidade.”
Ela veio ao encontro de Xerxes com cinco navios, os mais bem equipados de toda a frota. Finalmente, os navios que se engalfinharam em Salamina eram os trirremes. No caso da frota grega, o chefe supremo era Temístocles.
Segundo Heródoto “a batalha que os bárbaros travaram com os Gregos durou desde o romper da aurora até anoitecer.”
Já imaginou uma batalha deste porte, 2.500 anos atrás, sem as facilidades da tecnologia? Como comandar uma frota com 1.200 navios?
Uma tempestade ajuda os gregos
Houve de tudo na grande batalha. Tanto em terra, como no mar. No primeiro caso, Heródoto conta que “quando Xerxes se achava em marcha, um grupo de leões atacou os camelos que transportavam os víveres. As feras, deixando suas cavernas, atiravam-se vorazmente sobre os camelos, sem tocar nos outros animais de carne e nos homens. Qual a razão por que assim agiram, quando nunca haviam visto camelos e nem experimentado sua carne, é o que não saberei dizê-lo, confessando-me espantado pelo fato.”
É assim, sempre em linguagem direta, que Heródoto nos põe a par de inúmeros detalhes. Penso, entre outras, no pânico da soldadesca. Além dos inimigos, eles ainda corriam risco de virar almoço para bandos de leões…Enquanto isso, no mar “…pelo menos 400 navios Persas foram destruídos pela tempestade, perecendo também um grande número de guerreiros bárbaros e perdendo-se imensas riquezas.”
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Os trirremes na batalha de Salamina
“O trirreme deriva seu nome de suas três fileiras de remos, tripulados com um homem por remo. O trirreme inicial era um desenvolvimento do pentecontro, um antigo navio de guerra com uma única fileira de 25 remos de cada lado, e do birreme, um navio de guerra com dois bancos de remos, de origem fenícia.”
“Os galpões eram ca. 40 m de comprimento. Apenas 6 m de largura. O espaço individual alocado a cada remador era de 2 côvados. Com o cúbico dórico de 0,49 m, isso resulta em um comprimento total do navio de pouco menos de 37 m.’
“A altura do interior dos galpões foi estabelecida como 4.026 metros. Estimativas de que a altura do casco acima da superfície da água era ca. 2,15 metros. Seu calado era relativamente raso, cerca de 1 metro, o que, além da quilha relativamente plana e do baixo peso, permitia que fosse facilmente encalhado.”
Distância percorrida pelos trirremes
“A distância que uma trirreme poderia cobrir em um determinado dia dependia muito do clima. Em um bom dia, os remadores, remando por 6-8 horas, poderiam impulsionar o navio entre 80-100 quilômetros. Houve casos raros, no entanto, quando equipes experientes e novos navios conseguiram cobrir quase o dobro dessa distância (Tucídides menciona um trirreme viajando 300 quilômetros em um dia).”
Batalha de Salamina e a façanha de Artemisa
Heródoto: “Quando era grande a desordem entre os navios de Xerxes, esta princesa, vendo que não poderia escapar à perseguição de um navio ateniense, porque tinha pela frente vários navios amigos e o seu era o que mais próximo se achava das embarcações inimigas, tomou uma decisão arrojada, conduzindo-se de maneira feliz.”
“Acossada pelo navio ateniense, lançou-se sobre um navio amigo, tripulado pelos Calíndios e no qual se achava Damastino, soberano destes últimos. Artemisa atacou e fê-lo soçobrar. O resultado foi que o comandante do trirreme ateniense, vendo-a atacar um navio bárbaro e imaginando que seu navio era grego, fez-se bordo para juntar-se ao resto da tropa.”
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A vitória de 300 navios gregos, contra 800 navios persas
Para Dr. Mark Damen, Professor de Drama e História Antigas, e Língua Latina e Grega, da Utah State University, “Xerxes estava ansioso para resolver o conflito rapidamente. Assim, os gregos podiam escolher a hora e o local do confronto final. Numa vitória da estratégia, decidiram reunir todas as forças do mar perto da ilha de Salamina, perto de Atenas, e enfrentar a marinha persa nos estreitos entre a ilha e o continente.
A estratégia grega para vencer o inimigo mais poderoso
“Qualquer entrada para a Baía de Salamina é estreita, o que forçaria os navios persas a romperem a formação quando entrassem. Isso daria aos gregos uma melhor chance de derrotar a frota persa, já que não teriam que enfrentar tudo de uma vez.”
Batalha de Salamina: os gregos os pegaram aos pouquinhos
Ainda segundo Mark Damen, “Xerxes, de seu trono nos penhascos, ordenou que sua marinha avançasse para os estreitos. Começava a Batalha de Salamina.”
“Navio após navio, a armada passou dos estreitos para a baía, entrando apenas alguns de cada vez, porque era isso o que caberia. Os gregos os pegaram aos pouquinhos.”
“Pior para os persas, os navios que perceberam a armadilha tentaram se virar e fugir. E correram de cabeça para as galeras que entravam. Mais de um navio persa foi abalroado e afundado por um dos seus próprios companheiros naquele dia.”
Navios menores combatendo desordenadamente
Para o especialista Matthias von Hellfeld, “Provavelmente, o fato de os navios gregos serem menores e mais facilmente manobráveis foi decisivo para derrotar a esquadra de Xerxes.”
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Já o ‘Pai da História’ considera que “Os bárbaros combatendo desordenadamente, sem tática alguma, contra forças que se batiam em boa ordem e obedecendo a um método de luta, estavam mesmo fadados a esse revés.”
De qualquer modo, frotas gigantescas como estas só vieram a aparecer séculos mais tarde, com a Invencível Armada, no século 16.
Moral da história
Já sabemos a importância do mar e oceanos, a maior fonte de proteínas do mundo, para a biodiversidade do planeta. Também conhecemos os variados e importantes serviços prestados pelos oceanos. Ou sua importância para a riqueza das nações.
Agora, apresentamos mais uma característica dos oceanos, a geopolítica. Seja qual for a nação que queira ser dominante ela precisa, antes de mais nada, dominar o mar. Sem isso, não se vai a lugar nenhum como aprenderam os persas.
Já as nações que conseguiram este domínio foram, ao seu tempo, nações dominantes. São muitos os exemplos, desde os portugueses, até os ingleses ou, atualmente e desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos.
Oceanos: está na hora de conhecermos mais, para respeitarmos mais.
Assista à animação e saiba mais sobre a batalha de Salamina
Assista a este vídeo no YouTube
Fontes: Heródoto, História, Ed.Tecnoprint S.A, e https://www.thevintagenews.com/2018/03/13/athenian-trireme/; https://brewminate.com/herodotus-and-the-persian-wars-the-first-historians-first-history/; https://www.britannica.com/event/Battle-of-Salamis; https://en.wikipedia.org/wiki/Trireme; https://www.dw.com/pt-br/batalha-de-salamina-decidiu-destino-da-europa-em-480-ac/a-4200910.
Salamina foi o propósito do Eterno cumprido, para a ascensão da rainha Ester, judia que impediria o extermínio da sua raça ( povo de Deus)
Oi, João.
Muito boa sua narração sobre a batalha de Salamina. Mas permita-me uma observação. Heródoto não foi testemunha ocular da batalha. Escreveu a partir de relatos de terceiros. Quem lutou em Salamina e escreveu depois sobre a batalha foi Esquilo,autor da tragedia “Os Persas”. Abr/Celso
Em razao da vitoria a marinha persa ficou prejudicada, na logistica de viveres, para o pessoal de terra que avançava, motivando a retirada da grecia.
Muito interessante, depois desta reportagem vou ler a obra de Heródoto …
Imaginem quantas árvores foram cortadas a 2.500 anos atrás para que se construíssem 1.500 navios … e posteriormente, até 100 anos atrás …. 01 galeão espanhol precisava de 8.000 árvores para ser construido … somente na guerra contra Elizabeth I, Felipe II da Espanha lançou em batalha 130 navios, contra cêrca de 150 da Inglaterra …. fora outras batalhas ocorridas na Europa e no Oriente Médio …. prá quem conhece, a Grécia hoje é praticamente pedras …. e o Líbano, com seu cedros, hoje só prá turista ver ….
E aí, os europeus têm a cara-de-pau de quererem responsabilizar o Brasil pelo efeito estufa …
Chega a ser ridícula essa postura, não fôsse a má intenção de políticos e empresários estrangeiros, escorados por uma claque de ignorantes desinformados.
Esquece que antes não sabia do efeito estufa. O conhecimento faz toda a diferença no julgamento.
Muito boa matéria.
Análise muito interessante da obra de Heródoto.
Muito boa matéria
Tem um livro muito bom de Javier Negrete “Salamina”
A questão não são as besteiras que o Presidente fala. O saco sem fim é a enormidade diária das besteiras proferidas pelo dito Presidente.
Coluna espetacular, texto maravilhoso, assunto interessantíssimo. Como sempre, Mar sem Fim e Estadão provando que já jornalismo de altíssima qualidade e alto nível cultural. Nesses tristes tempos em que temos como comandantes da nação pseudo-líderes mal intencionados, inconsequentes e propagadores de soluções fáceis para a parcela ignara da nossa sofrida população, ler um texto como esse é alentador. Parabéns e obrigado. Vamos estudar, pessoal. Estudar para não desaparecer.
Enquanto o Joao L. Mesquita escreve materia super interessante, a outra metade do conteudo so’ fala das besteiras do Bolsonaro, haja saco
Carlo: críticas são parte indissociável da democracia. Curiosamente, só não as aceitam os bolsominions. Por que tanto medo? Criticar é positivo, discutir opiniões diferentes, mais ainda. Jamais deixarei de criticar a política ambiental seja o presidente de extrema direita, do centro, ou da extrema esquerda.
Concordo
Muito bem dito. É esse o espírito.
Esse é o papel do jornalismo profissional.
Parabéns pelo texto João Lara.
Perfeito.