Às vésperas da COP30 Brasil acorda para os manguezais, será mesmo?
Em janeiro de 2023 Marina Silva assumiu pela segunda vez o ministério de Meio Ambiente. Nestes quase três anos de gestão a ministra pouco falou publicamente sobre o bioma marinho muito menos sobre a zona costeira que, em nossa opinião, segue ao deus-dará, ao sabor dos caprichos da especulação imobiliária. Durante estes dois anos e meio não vimos nenhuma ação do MMA para frear o contínuo desmatamento de manguezais imposto pela especulação. Temos cobrado, igualmente, um plano nacional para mitigar a erosão costeira acirrada pelo aumento do nível do mar e dos eventos extremos, nada. Contudo, às vésperas da ameaçada COP30, começamos a ver na mídia um esforço de divulgação sobre a posição brasileira em relação aos manguezais. Em junho o site oficial da COP30 publicou ‘Brasil reforça protagonismo na proteção dos oceanos e manguezais em conferência da ONU’.

‘Brasil assume compromisso para proteger e restaurar manguezais até 2030’
O título da matéria já merece reparos. Afinal, que protagonismo na proteção dos oceanos e manguezais é este? Trata-se de um desejo, no máximo. Tanto é assim que em sua mais recente Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), equivale à nova meta climática do Brasil para 2035, e apresentada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o Brasil ignorou solenemente o mar.

Especialistas apontam que o documento da nova NDC carece de ações específicas voltadas para a conservação e gestão dos ecossistemas marinhos e costeiros, que são cruciais para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A nova NDC do País, que Marina Silva considerou “um paradigma para o desenvolvimento do País”, simplesmente não toca no assunto mar e zona costeira.
Recentemente a Ocean Conservancy publicou uma grande matéria sobre as soluções para o clima baseadas nos oceanos. E elencou quase uma centena de países, mostrando o que cada um está fazendo em suas respectivas NDCs. O Brasil não aparece em nenhuma delas.
Mais lidos
Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaA necessidade de uma abordagem integrada
Especialistas defendem que o Brasil deve integrar a conservação dos ecossistemas marinhos e costeiros em suas estratégias climáticas. Isso inclui a criação de novas áreas marinhas protegidas, o fortalecimento da governança costeira, investimento em pesquisas sobre a biodiversidade marinha, e um plano nacional de replantio de manguezais, decepados no País pela carcinicultura e a especulação imobiliária. Sem essas medidas, podemos comprometer a capacidade de atingir as metas climáticas estabelecidas. E, rigorosamente, nada disso aconteceu.
A ministra está no terceiro ano de mandato, mas até agora não apresentou publicamente nenhum plano consistente para o mar brasileiro e a zona costeira. Sua atuação no tema se resume à visita ao litoral norte de São Paulo durante a tragédia do carnaval de 2023 e à abertura das consultas públicas para a criação do Parque Nacional Marinho do Albardão— cujo processo, vale lembrar, já estava pronto, restando apenas essa etapa final.
PUBLICIDADE
“O Brasil abriga a maior faixa contínua de manguezais do planeta. Proteger esses ecossistemas é proteger vidas, biodiversidade e o equilíbrio climático”
Marina Silva disse isso em junho, na França. Lá fora, ela parece outra pessoa. Sempre falante, ousada, disposta. Mas aqui, onde a especulação avança, a ministra se cala. Não levanta a voz para defender publicamente os manguezais.
De todo modo, a matéria do site oficial da COP30 informa: ‘a iniciativa Mangrove Breakthrough nasceu na COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito. O objetivo é frear a perda de manguezais, restaurar metade das áreas degradadas e garantir a sustentabilidade financeira de 15 milhões de hectares até 2030. A meta global prevê mobilizar 4 bilhões de dólares até o fim da década’.
Leia também
A luta em prol do mangue do Araçá em São SebastiãoDesastre ecológico no Ribeira de Iguape pressiona o LagamarAlto índice de degradação em restingas de Pontal do Paraná
Ao contrário do que diz o texto oficial, o Mangrove Breakthrough não nasceu em 2022 na COP27. O site do projeto mostra que ele foi lançado em 2018. Só isso já basta para mostrar que o Brasil não exerceu liderança alguma. O País esperou sete anos para aderir e só o fez agora, às vésperas da COP de Belém.
Além disso, trata-se até agora de uma adesão meramente ‘formal’. Não se sabe de nenhum plano para colocá-lo em prática.
Programa ProManguezais, junho de 2024
Além da adesão tardia ao Mangrove Breakthrough, o MMA anunciou outra iniciativa para os manguezais. Trata-se do ProManguezais, lançado em junho de 2024. Só tomamos conhecimento agora, ao escrever esta matéria, porque quase não houve divulgação na época.
Segundo o site do programa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta quarta-feira (5/6), Dia Mundial do Meio Ambiente, decreto que cria o Programa Nacional de Conservação e o Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (ProManguezal). A iniciativa define diretrizes, eixos de implementação e linhas de ação para conservação, recuperação e uso sustentável dos manguezais.
E o site do programa não traz muito mais do que isso. Repete as mesmas obviedades: o Brasil tem 1,4 milhão de hectares de manguezais, do Oiapoque (AP) a Laguna (SC). Ressalta que são ambientes essenciais para a captura de carbono. Informa que mais de 500 mil brasileiros, entre pescadores artesanais e marisqueiras, dependem diretamente deles. Lembra ainda que funcionam como berçários da biodiversidade marinha e costeira. E para por aí. Não há planos, metas, ou ações anunciadas.
Em resumo, quando se trata da zona costeira e do bioma marinho, o Ministério do Meio Ambiente segue dormindo em berço esplêndido. No máximo, repete um blá-blá-blá vazio e inócuo.









