Ontem deveriam ter sido instaladas a segunda e terceira faixas sob o casco do Mar Sem Fim. Era esta a expectativa. Mas, ao retornarem do mergulho, don Francisco e sua equipe trouxeram más notícias.
O leito do mar onde repousa o casco do Marzão não é formado só por areia como se pensava. Há uma camada de areia, com um metro e meio de espessura, depois é pura rocha. Material duro, difícil de trabalhar.
Até ontem no fim do dia, apenas uma, das quatro faixas, estava instalada.
A primeira reação foi de desânimo. Estamos atrasados. A balsa russa, fundamental na empreitada, foi emprestada somente até 31de janeiro.
Sem a balsa, fundeada no local do naufrágio, bem em cima de onde está o Mar Sem Fim, não há como dar suporte aos mergulhadores que usam equipamentos pesados como compressores para as dragas, enormes aspiradores para retirar os sedimentos, etc.
Já estamos no fim do mês e o progresso é lento. O melhor período para o trabalho é janeiro. Em fevereiro as condições de tempo começam a piorar. Março, então, nem pensar. E o Felinto Perry tem uma autonomia de cerca de um mês…
Don Francisco insistia em continuar dragando o leito do mar, tentando abrir um túnel, e então passar as faixas na ponta das quais as boias serão instaladas, depois infladas, para trazer o barco à tona.
Mas, se o fundo do mar é de pedra, a tarefa se torna impossível.
A gente pode admitir tudo nesta viagem. Menos o insucesso.
Surgiu o Ás de copas.
O Comandante Luiz Felipe, que acompanha tudo de perto, pediu uma reunião ontem de noite. Participaram eu, Plinio, don Francisco, o próprio Comandante e alguns de seus oficiais.
Com muito tato, ele sugere um plano B. Pela enésima vez assistimos o vídeo do Mar Sem Fim naufragado, feito em dezembro pela equipe de don Francisco. Em seguida analisamos as plantas do barco, fotos, procuramos soluções alternativas.
Se não dá pra passar as faixas por baixo do casco, que tal pelas vigias? Elas são como janelas de carros: simétricas, colocadas dos dois lados do costado. E não há barreiras internas impedindo que atravessem o interior do barco e saiam pelo outro lado.
Depois, é só colocar as boias em cada uma das pontas, inflar, e esperar que o casco “desgrude” do leito onde está desde abril.
Veja fotos do barco com as vigias assinaladas.
Este é o plano que será implantado a partir de hoje. Don Francisco, vencido pelas evidências, aceitou a sugestão.
Esta manhã além de sua equipe, mergulharam dois oficiais de bordo: o Capitão de Corveta Kristoschek, e o Capitão Tenente Wellington. Como já contei, o Felinto Perry é um navio de socorro a submarinos. O que não falta a bordo são experientes mergulhadores e equipamentos especiais.
12 horas.
O mergulho da manhã terminou há pouco. Os oficiais do Felinto Perry confirmaram
as suspeitas. A faina tende a demorar e pode não dar certo.
Amanhã devemos partir para o plano B, o Ás de Copas, que estava na manga do Comandante Luiz Felipe.
Os mergulhadores do Felinto Perry levaram uma de nossas câmeras submarinas e gravaram imagens do Mar Sem Fim.
Acabei de assistir. A claridade da água é total, parece piscina. O cenário, desolador. O barco está coberto de musgo. Onde era branco, agora é verde escuro, com tendências ao marrom.
A estrutura do casco e convés parece em bom estado mas, detalhes como guarda- mancebos, janelas e portas, e outros, sofreram bastante. Alguns se partiram, outros entortaram.
A esmagadora compressão do gelo, anabolizado por um vendaval com mais de cem quilômetros por hora, deixou cicatrizes medonhas.
Pra quem não lembra, basta olhar esta foto do Mar Sem Fim aprisionado pelo gelo.
Não sei se terei coragem de fotografar o barco quando ele vier à tona.
A figura que vi é tão triste, deformada pelo gelo e a permanência submarina, que me fez lembrar o velório de pessoas mortas em desastres, ou crimes, quando os parentes velam o corpo com o caixão fechado a fim de pouparem a audiência das cenas macabras.
Doeu demais.
Mas chega de horror.
Ontem foi um dia divertido. Descemos em terra para gravar imagens dos lugares onde eu, Plininho, Alonso e Manoel, ficamos hospedados quando, forçados pela situação extrema em 2012, tivemos que abandonar o Mar Sem Fim.
O quarto onde dormimos, a sala de estar onde passávamos a noite conversando, o hall de entrada da Capitania onde a equipe de imprescindíveis chilenos, comandada pelo amigo Eduardo Rubilar Mancilla, se perfilou e cantou Aquarela do Brasil em nosso último momento em Rei George, foram revisitados.
Depois, a convite do novo Comandante de Fildes, o Capitão Marcelo Juan Villegas, almoçamos na base: empanadas de entrada e uma deliciosa “casuela” como prato principal.
Os chilenos continuam a nos tratar com carinho e deferência. Com se fôssemos velhos amigos.
Antes do almoço fomos até a base chinesa Great Wall, que fica numa baía ao lado de Fildes, para gravar cenas do entorno e interior da base.
Minha idéia, neste documentário, é revisitar todos os cantos em que estivemos quando o Mar Sem Fim afundou no ano passado. Com a ajuda de fotos pretendo relembrar a derradeira viagem, nosso resgate, o afundamento do barco, a evacuação para Punta Arenas, ao mesmo tempo em que mostro a viagem atual cujo objetivo é retirar os escombros, respeitando as regras do Tratado Antártico, e encerrando esta página dolorosa de minha vida.
Como em abril do ano passado estivemos em Great Wall, conversando com o chefe da época, Wang Li, retornamos ontem.
Mais uma vez fomos recebidos com simpatia. Mas os “chinos”, como dizem os chilenos, mal falam inglês. Apenas sorriem e nos servem chá, café, sucos, etc.
A comunicação corre por conta do “ antártico” , idioma que mistura gestos, boa vontade, e um pouco de cada língua falada nas nove bases diferentes de Rei George: as do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Peru, pela América do Sul. Polônia e Rússia, representam a Europa, e as da China e Koreia em nome da Ásia.
Ontem nevou muito o que impediu que gravássemos cenas externas.
Vamos tentar novamente logo mais.
Às 14hs 3O desceremos em terra. A rotina tem sido esta: ao desembarcar vamos direto para a Capitania, de onde passo o material para alimentar o site.
É sempre complicado. O computador fica na sala de rádio da base. Enquanto passo matérias ouço o Ary Rongel chamando o Felinto Perry. Os chilenos do mar, conversam com os do ar. Ontem havia trânsito aéreo por aqui. Além da chegada de um avião da FAB, trazendo uma nova equipe, havia outros, chilenos, aparentemente em exercício.
Enquanto isto, o computador prega peças. A cada dia uma novidade. Quando tudo está colocado ele “dá tíltes”, e desliga tudo de uma vez. Tenho que recomeçar.
Por ser equipamento militar, o computador não dá acesso às redes sociais, twitter, e que tais. Não consigo sequer ver minha página normal de e- mails.
Felizmente consigo abrir a página de administração do site, por onde passo texto e fotos.
Pra piorar, meu celular de São Paulo, habilitado para falar no Chile, faz, mas não recebe ligações. Não me pergunte por quê.
A Antártica é uma babel, curiosa, interessante, mas difícil. Tudo por aqui é mais complicado. E temos que nos adaptar.
Amanhã tem mais.
estamos na torcida. abs.
Cebola, deu certo! O barco já está no Beagle. Abraços, amigo, obrigado.
João;
Que bela aventura, espero que tudo dê certos nesse seu resgate!
Feliz Ano 2013.
Abs
João,
Quais são as perspectivas com o plano B?Dah tempo até dia 31?Eh possível flutar com as amarras nas gaiutas?
Abs
Tem que dar, Ruy. Na verdade as faixas passam pelas vigias do casco. Na hora de escrever coloquei gaiútas sem querer.
Estamos otimistas. Só precisamos de tempo bom. abs
Gosto muito do plano B… Vai dar certo! Como a profundidade eh pouca os compressores encherao rapido. Apenas penso se neste meio tempo nao poderia ser feito algum mergulho de salvatagem…
Vai dar certo! É só o tempo melhorar. Abraços, obrigado pela mensagem.
Na expectativa desejando muito sucesso.
Sucesso no plano B !!! Estamos aqui torcendo por vocês, agora, em tempo real !!!
Dona Jussara, obrigado pela mensagem. Alessandro aqui ao meu lado manda “um beijão no coração de mãe.” abraços
Os que navegamos no Marzão, diante deste relato, prestamos continência perfilados, e abraçamos fraternalmente o comandante.
Obrigado, brother, abração
Os que navegamos no Marzão, lendo este relato, nos perfilamos, prestamos continência e abraçamos fraternalmente o comandante…
Mano, vc tem sido D+! Thanks a lot!
João não entrei no face nos últimos dias. A epopéia continua. A ideia das escotilhas é boa e agiliza o processo. Depois que descolar do fundo podem passar as cintas sob o casco como inicialmente previsto. E como será o resgate? Vão içar o casco para o navio, vão coloca-lo no seco, fazer reparos para que flutue e depois reboca-lo? Aguardo as novidades. Boa sorte e bom trabalho. Abs..
Analisando o plano B, me veio a mente o famoso jargão : “macacos me mordam, como não pensamos nisso antes?” Me pareceu bem mais simples e funcional . Fico aqui na torcida, e repasso à vc João, a mensagem que meu pai sempre me passava quando algum namoro meu acabava : ” Calma meu filho, daqui a pouco vc se apaixona de novo, e o melhor remédio para esquecer uma paixão é arrumar outra paixão” …. Em breve , com outro barco e outras viagens, o glorioso Marzão vai estar repousando na sua memória, de forma saudável, sem dores ou sofrimentos. Grande abraço.
Oi, Ronaldo: seguinte, não dá pra levantar o barco e colocá-lo no convés.A ideia é encalher ele na praia, retirar toda água, depois “dar uma geral”, tapando janelas com placas de ferro, coisas assim, de modo que ele possa ser rebocado pelo Drake, até Punta Arenas, onde será venddo como sucata. Uma pena um barco tão excepcional acabar assim. Mas, fazer o quê?
Abração