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Amazônia e a questão fundiária ainda não resolvida

Amazônia e a questão fundiária: enquanto persistir o caos, persistem o desmatamento e queimadas

Foi no governo de Getúlio Vargas, 1930-1945, que a colonização  da Amazônia começou a ser vista como estratégica para os interesses nacionais. Época  da Marcha para o  Oeste. Muito tempo depois, veio o ‘Integrar para não entregar‘. Este era o slogan para a Amazônia ao tempo dos militares. Tanto o primeiro, como os segundos, abriram estradas na selva. Algumas saíam de lugar nenhum para chegar a nenhum lugar. O caldo piorou à época dos militares, com transferência de terras públicas para grupos privados. Estas ações contribuíram para o caos fundiário que hoje vivemos. O dano não é só dos militares. Tem a mesma responsabilidade, a  inoperância dos civis desde 1982. Não agiram apesar dos claros sinais de tempestade. Amazônia e a questão fundiária ainda não resolvida  é nosso tema de hoje.

imagem da Amazônia e queimadas
Amazônia e a questão fundiária. Imagem, Reuters/Ueslei Marcelino.

Linha do tempo na Amazônia

Para situar o leitor, fazemos uso de trechos da linha do tempo da Amazônia, publicado no site do Imazon, que juntamos a outros dados.

Século 19 e a borracha

Revolução Industrial… a Inglaterra encontrou na floresta brasileira uma importante matéria-prima: a borracha, também chamada na época de “ouro negro”. Incentivados pelo governo, milhares de brasileiros e estrangeiros decidem migrar… Estima-se que, entre 1870 e 1900, 300 mil nordestinos tenham migrado.”

“Os imigrantes eram recrutados para trabalhar nos seringais. Mas não tinham direito às terras. O primeiro boom da borracha dura pouco. Já em 1900, o produto começa a ser explorado na Ásia, interrompendo a primazia brasileira no mercado. A região amazônica entra em decadência.”

Século 20 – a segunda chance da borracha

“Na década de 1940, a borracha encontra segunda chance. Com a Segunda Guerra Mundial, os aliados perdem acesso ao produto asiático, colocando o Brasil novamente na rota do comércio mundial.”

“Os Estados Unidos tinham especial interesse na borracha brasileira. Ciente disso, o governo brasileiro firma um acordo com os americanos. Eles investem no Brasil e o governo brasileiro se encarrega de arregimentar nova mão-de-obra para os seringais da Amazônia. O então presidente Getúlio Vargas (1930-1945) defende a “Marcha para o Oeste”.

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Amazônia e a questão fundiária, esforço e efeitos

“O esforço de seu governo para atrair trabalhadores à floresta surte efeitos. Nas principais capitais, especialmente no Nordeste, são instalados postos de recrutamento. O suíço Jean-Pierre Chabloz é contratado para criar uma campanha chamando os brasileiros à Amazônia, que passa a ser conhecida como o “Novo Eldorado”.
‘ Mais uma vez, o ciclo de riqueza dura pouco. Terminada a guerra, os Estados Unidos suspendem os investimentos. E a Amazônia volta a sofrer com a decadência econômica.’

Século 20 e os militares no poder

“O início da ditadura (1964) também deixa suas marcas… Com um discurso nacionalista, os militares pregam a unificação do país… é preciso proteger a floresta contra a “internacionalização”. Em 1966, Castelo Branco fala em “Integrar para não Entregar”. Também nessa época começam as grandes obras rodoviárias em direção à Amazônia. A Transamazônica é inaugurada em 1972. Dois anos depois, fica pronta a Belém- Brasília.”

Em 1957, no governo Kubitschek, é criada através da  Lei nº 3.173, de 6 de junho de 1957, a Zona Franca na cidade de Manaus, que na verdade, somente foi efetivada 10 anos depois, 1967, com o Decreto-Lei 288.

Amazônia e a questão fundiária: a SUDAM e os incentivos

“Por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), o governo oferece uma série de incentivos aos interessados em produzir na região. Mas, segundo o historiador Alfredo Homma, “os subsídios são direcionados aos mais favorecidos”. Apesar da onda migratória, praticamente todas as terras ainda pertenciam oficialmente à União e aos Estados.”

1970 – a luz vermelha do desmatamento

Ainda o Imazon: “Após anos de incentivos à produção e à ocupação da Amazônia, os sinais de destruição ficam mais claros. Em 1978, a área desmatada chega a 14 milhões de hectares. Em 1976, o governo faz a primeira regularização de terras na Amazônia. Uma Medida Provisória permitiu a regularização de propriedades de até 60 mil hectares que tivessem sido adquiridas irregularmente, mas com boa fé. A população da Amazônia Legal chega a 7 milhões de pessoas.”

Década de 1980 e Chico Mendes

“As discussões sobre meio ambiente começam a mudar na década de 1980. O assassinato do líder sindical Chico Mendes, em 1988, é considerado um “divisor de águas”. Foi a partir desse crime que o governo brasileiro passou a sofrer pressões – inclusive internacionais – a respeito de suas políticas para a Amazônia.”

Anos 90 e a soja, vilã do desmatamento

“A realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Eco-92, coloca  a questão ambiental e a Amazônia na pauta das grandes discussões mundiais. A ideia de que as florestas precisam ser preservadas conquista o imaginário popular.”

A chegada da soja

” Ao mesmo tempo, a soja chega à Amazônia. O grão, que desde a década de 1970 já figurava entre os principais produtos da pauta de exportação brasileira, é adaptado ao Cerrado e se transforma em um dos vilões do desmatamento. A produção atrai nova leva de imigrantes. Dessa vez do Sul e Sudeste do país. Durante a década de 1990, a área total desmatada volta a dar um salto, chegando a 41 milhões de hectares.”

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Século 21, ‘metade das propriedades tem algum tipo de irregularidade fundiária’

“Segundo o IBGE, a população da Amazônia Legal chega a 21 milhões de pessoas em 2000. Os estudos sobre os impactos humanos sobre a Floresta Amazônica tornam-se mais consistentes. Um estudo da ONG Imazon, realizado em 2002, aponta que ‘47% da Amazônia está sob algum tipo de pressão humana’.

A pecuária

“A pecuária passa a ser responsável pelo desmatamento de grandes áreas. Entre 1990 e 2003, o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 240%, chegando a 64 milhões de cabeças. Mesmo após algumas tentativas do governo de regularizar as posses na Amazônia, estima-se que metade das propriedades tenha algum tipo de irregularidade fundiária.”

Amazônia e a questão fundiária maior problema para avançarmos

Até os anos 60 do século passado, a Amazônia estava esquecida pelo poder público. A região tinha infraestrutura próxima do zero. Não havia capital suficiente para dotar a área de meios para promover a integração e o desenvolvimento.

O diabo é que o caos fundiário é visto como maior problema para avançar com políticas de produção sustentável. E de conservação para a Amazônia. Como  punir os maus, e premiar os bons, se o Estado não sabe quem é quem?

Como  disse o doutor em economia, e autor de estudo sobre a questão fundiária, Dimitri Szerman, “Mesmo que um satélite aponte que um local está sendo desmatado, não se sabe quem é o autor da ação, se a área não está destinada a ninguém”, justifica.”

Se a atual administração conseguir a façanha de ordenar o que até hoje tem sido ‘inordenável’, terá prestado um imenso serviço ao País. E ao mundo, também, dada a importância de se manter as florestas de pé quando o aquecimento global ameaça o planeta (Já explicamos a importância da Amazônia para o mundo).

Mas, será que é isso que querem? Até hoje pouco se vê o governo Federal agir, ou ter planos, para esta questão.

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Aquecimento  global e a importância das florestas

Mas não esqueçamos que ‘aquecimento global’ não é um ente demoníaco e impalpável. Ou uma ameaça externa ingovernável. ‘Aquecimento global’  nada mais é do que o resultado de nossos hábitos de vida e consumo.

Somos nós que usamos em excesso combustíveis fósseis. Somos nós que consumimos três ou quatro vezes mais que a capacidade de reposição da biosfera. E somos nós ainda que desmatamos ou tocamos fogo nas florestas. Estas coisas não acontecem sozinhas.

‘A questão fundiária na Amazônia’

O estudo ‘A questão fundiária na Amazônia’, de Violeta Refkalefsky Loureiro e Jax  Nildo Aragão, diz que “até meados dos anos 60, as terras amazônicas pertenciam basicamente à União e Estados. Do total das terras registradas pelo IBGE, 87% constituíam-se de matas e terras incultas.”

” Elas eram exploradas por milhares de caboclos e ribeirinhos que viviam do extrativismo. Somente 1,8% das terras estavam ocupadas com lavouras. E só metade delas possuía título de propriedade privada. A quase totalidade das terras da Amazônia era, portanto, constituída por terras públicas.”

Incentivos fiscais

Sem dinheiro público para investir o jeito, segundo os militares, era atrair investidores. Como? Com incentivos fiscais, entre outros.”A proposta baseava-se em oferecer  vantagens fiscais a grandes empresários e grupos econômicos nacionais e internacionais que quisessem investir novos capitais nos empreendimentos que viessem a se instalar.”

” Seu principal instrumento eram os incentivos fiscais, reorientados legalmente em 1967, principalmente para a pecuária, a extração madeireira, a mineração. São atividades que, simultaneamente, requerem grandes quantidades de terra. Destinam-se à exploração de produtos primários ou semi-elaborados e geram poucos empregos.”

Pecuária, extração madeireira, e a mineração

“Eles foram reorientados legalmente em 1967, principalmente para a pecuária, a extração madeireira, a mineração. Atividades que, simultaneamente, requerem grandes quantidades de terra. Destinam-se à exploração de produtos primários ou semi-elaborados e geram poucos empregos.”

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” Eram concedidos (via Sudam e Basa) aos empresários por longos períodos (dez a quinze anos). Por meio dos incentivos fiscais, as grandes empresas beneficiadas poderiam destinar uma parte ou até a totalidade do imposto de renda que deveriam pagar ao governo, para criar com aqueles recursos novas empresas na região. Além disso, o governo ainda disponibilizava recursos financeiros a juros muito baixos. E até negativos. E concedia um sem-número de outras facilidades.”

Amazônia e a questão fundiária: incentivo garantido, finalidade desviada

A questão fundiária na Amazônia’: “Muitos empresários não investiram os recursos em novas empresas. Mas sim na compra de terras para simples especulação futura. Alguns aplicaram-nos  em suas  empresas  situadas noutras  regiões  do país. E  várias empresas foram criadas de forma fictícia.”

” Outras (como a Volkswagen, o Bamerindus etc.) devastaram grandes extensões de terras e transformaram as áreas em pasto para a criação de gado, desprezando a enorme disponibilidade de pastos e campos naturais. Ainda assim, o modelo permanece até hoje sem grandes alterações, apesar do fracasso notório dessa política, seja do ponto de vista ambiental, econômico ou social.”

A contrapartida do Governo

“O Governo Federal oferecia garantia de infra-estruturas para os novos projetos (estradas, portos, aeroportos e outros). Às margens das estradas a  devastação florestal  foi  rápida. E  a  disputa de  terras  privilegiadas às  margens delas  gerou, desde  o  fim dos  anos  de 1960,  conflitos de  toda  ordem, que  só foram aumentando nas décadas seguintes. “

“Comprometeu-se  ainda o  Governo  Federal em  trazer mão-de-obra barata de outros pontos do Brasil (nordestinos que fugiam da seca, em  especial), para  atuar  nas frentes  de  trabalho (abertura  de  estradas, desmatamento, construção de portos, aeroportos etc.). Esses milhares de trabalhadores,  após concluídas  as  obras, ficaram  na  região em  busca  de terra.”

” E  das oportunidades de trabalho que, de qualquer forma, lhes pareciam ser – na Amazônia –, mais promissoras do que aquelas que já conheciam e haviam enfrentado. A  população  da Amazônia,  que  era de  2.601.519 habitantes em  1960. Havia ascendido a  4.197.038 em 1970.”

A confusão gerada se estabeleceu de vez

“Nos anos de 1970  e  1980, a terra pública, habitada secularmente por colonos, ribeirinhos, índios, caboclos em geral, foi colocada à venda em lotes de grandes dimensões para os novos investidores. Eles as adquiriam diretamente dos órgãos fundiários do governo ou de particulares (que, em grande parte, revendiam a terra pública como se ela fosse própria).”

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“Em ambos os casos, era freqüente que as terras adquiridas fossem demarcadas pelos novos proprietários numa extensão muito maior do que a dos lotes que originalmente haviam adquirido.”

Amazônia e a questão fundiária: a pauta de exportações dos anos 50 e 60

Ela é uma prova dos resultados da questão Amazônica. Dominavam a pauta os produtos primários. “Somente o manganês, do Amapá, respondia por 63% da pauta. Se somada à castanha-do-Pará, subia para 90%. Os demais produtos eram couro e peles de animais selvagens, as borrachas e resinas e alguns outros produtos. A madeira era um produto residual (1%), já que a inexistência de estradas tornava difícil sua exploração.”

Décadas de 60 e 70, o ciclo do ouro

Estudo do MMA: “Ainda na década de 60 e no início da década de 70, a população do oeste paraense vivenciou o ciclo do ouro. As terras eram demarcadas por picadas, indicando apenas o potencial mineral nelas existente.

Segundo matéria publicada na revista Época (edição 315, de 31/05/2004), havia extrema facilidade na aquisição de riqueza na região, através do domínio da terra. Da mesma revista consta um depoimento de um empresário, no qual ele relata que nesse período se requeriam direitos de lavras à vontade.

“O mesmo chegou a ter 10 milhões de hectares em 50 companhias. Passou a ser, segundo ele, uma “imobiliária mineral”. Esse tipo de relato reforça que a região foi, por muito tempo, um local onde se podia obter lucro rápido.”

Anos 80 e descobertas sombrias sobre os projeto incentivados

Sobre a pauta de exportações, é preciso lembrar que a partir dos anos 70 madeira e criação de gado começam a avançar. Um avanço que não parou até hoje.

Mas a grande novidade  foi descobrir o logro dos incentivos. “Muitos projetos eram inoperantes, improdutivos.  Ou estavam  sob  condição irregular. Na  época,  um estudo  detalhado  do Instituto de  Pesquisa  Econômica Aplicada  (Ipea)  já evidenciava  que,  dos  959 projetos incentivados até  1985  (dos quais 628 eram agropecuários), apenas 459 estavam operando (os demais estavam desocupados, abandonados ou não implantados, sendo as terras objeto de ocupação por migrantes). Menos de dez eram bem administrados.”

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Anos 90 em diante

Estradas foram asfaltadas, Na esteira delas, surgiram novos problemas de grilagem de terras. Além disso, a agricultura e pecuária ganharam vulto.

“O plantio de soja no Pará teve início sobre áreas já degradadas do nordeste paraense. Mas, atualmente, vem se expandindo sobre áreas de florestas do oeste que são desmatadas (próximas de Santarém). É crescente e acelerada a ocupação e o desmatamento em áreas de conservação ambiental. Assim como em terras indígenas.”

Pará, campeão no conflito de terras e ‘a federalização das terras amazônicas’

Por quê? Porque foi o Estado mais cortado por estradas.” Por meio do Decreto Federal nº  1164, de  1971 , o Governo Federal retirou dos estados as terras situadas dentro de uma faixa de  100  km de cada lado de todas as estradas federais existentes, em construção  ou simplesmente  projetadas  e  não  iniciadas.

‘Federalização das terras amazônicas’

O  processo  ficou conhecido como a federalização das terras amazônicas’. Como o Pará era o estado mais cortado por estradas federais, foi o mais penalizado. Por causa disso, e desde então, apenas 30,3% das terras do estado do Pará ficaram sob a jurisdição do Governo do Estado.

O decreto ficou em vigência até 1987, quando finalmente foi revogado. Mas as terras desapropriadas pelo Governo Federal continuam em posse dele. Sem que os governos Estaduais pudessem agir. Isso acirrou ainda mais os conflitos.

Constituição do  Estado  do Pará

“A Constituição  do  Estado do  Pará  de 1989  previa a  revisão  de todas  as concessões de terras estaduais realizadas entre  1962  e  1987. Mas isto não ocorreu. O Decreto-lei estadual nº 271/1995 estabelece a revisão de todas as concessões feitas a partir de 1994, o que deixa de fora as décadas de maior incidência de concessões abusivas e da grilagem.”

Pará: 30 milhões de hectares estão em mãos de grileiros

Hoje, somente no Pará, cerca de 30 milhões de hectares estão em mãos de grileiros, que utilizam documentos falsos, muitos deles forjados em cartórios de registro de imóveis, para se apossarem de terras públicas.

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A grilagem de terras públicas na Amazônia’

Estudo do Ministério do Meio Ambiente, ‘A grilagem de terras públicas na Amazônia’, diz que “A grilagem de terra não é um fenômeno restrito à região amazônica. De acordo com estimativas conservadoras do governo federal, o total de terras no país sob suspeita de serem griladas é de aproximadamente 100 milhões de hectares. Quatro vezes a área do estado de São Paulo, quase 12% do território nacional.”

Por que tanta grilagem na Amazônia?

Segundo o estudo do  MMA, “A apropriação privada de terras públicas, ganha uma grande dimensão (política, social, econômica e ambiental) porque aproximadamente 45% das terras na Amazônia não foram oficialmente destinadas, seja para fins de reforma agrária ou para a proteção ambiental.”

E mais: “O que se pode concluir sem medo de errar é que a relação entre grilagem de terra e desmatamento é grande e, mais do que isso, o fim da grilagem será um sinal claro de que o Estado está assegurando formas democráticas de acesso aos recursos naturais e à terra, ajudando a formar uma sociedade mais justa nos rincões amazônicos.”

As finalidades da grilagem

MMA: “As finalidades da grilagem, segundo a CPI federal (Brasil, 2002, p. 556), são: a) revender as terras em grande escala e, com isso, obter ganhos financeiros; b) obter financiamentos bancários para projetos agropecuários, dando a terra como garantia; c) obter terra para assegurar a exploração madeireira ou para uma futura atividade agropastoril; d) dar a terra grilada como pagamento de dívidas previdenciárias e fiscais; e) conseguir indenização nas ações desapropriatórias, para fins de reforma agrária ou de criação de áreas protegidas.”

Cadastros estaduais não conversam com os federais

“De outro lado, os cadastros de terras estaduais e os diversos cadastros federais (Incra, Ibama, Funai etc.) jamais foram compatibilizados. Disso resulta que inúmeros processos tramitam em instâncias administrativas e jurídicas diferentes sem a menor possibilidade de se valerem de informações comuns, que estejam acessíveis às diversas partes envolvidas ou interessadas  nas disputas  judiciais  e  nos  conflitos.”

Amazônia e a questão fundiária: anos 80, mineradoras chegam

“Inicia-se, então, a fase da mineração. E da produção de carvão vegetal com madeiras da floresta nativa para abastecer as novas mineradoras.  Após as crises do petróleo, o Brasil aumentou sua produção de alumínio em 770%, a de celulose em  225%, a de ferro em 196%.”

” A maior parte dessas novas indústrias mineradoras e siderúrgicas de produtos primários (altamente consumidoras de energia) situadas na Amazônia, especialmente no Pará. Além da implantação das mineradoras e siderúrgicas, o governo incentivou a exploração mineral em geral, visando ao aumento das exportações do saldo na balança comercial. Para tanto, alterou a legislação, permitindo a exploração em área indígena, o que gerou um sem-número de novos conflitos.”

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Amazônia e a questão fundiária: ‘Incapacidade de gestão dos órgãos públicos’

Este é um dos sub-títulos do estudo do MMA mencionado. Ele está na pagina 53, e diz que “Outro aspecto que deve ser considerado neste estudo é a capacidade de gestão dos órgãos competentes para o ordenamento fundiário. Visitamos as instalações das instituições, algumas das quais dispunham de registro fotográfico e cópias de mapas com definição das áreas de jurisdição de pontos de sobreposição de áreas críticas, nos municípios de Itaituba e Santarém…O resultado revela que o processo de esvaziamento e de sucateamento das instituições não resolve os problemas fundiários; ao contrário, proporciona o agravamento dos problemas.”

Ou seja, o próprio MMA reconhece o ‘sucateamento’ dos órgãos encarregados. Como tudo, ou quase tudo no Governo Federal, os órgãos funcionam mal porque faltam equipes, e equipamentos. É o mesmo caso do Licenciamento Ambiental. Empresários reclamam da demora das licenças, e do alto custo. Demora por quê? Porque, mais uma vez, faltam equipes. O licenciamento ambiental é uma prática mundial. No Brasil, antes de corrigir os defeitos da máquina pública, defendem o fim do licenciamento

‘Recursos humanos’ (da gestão dos órgãos públicos)

O estudo do MMA é pródigo. Sobre os recursos humanos diz que, “O quadro de pessoal variado (quadro permanente, temporário, terceirizados e parcerias) é fraco do ponto de vista técnico. A maioria dos dirigentes não tinha experiência na área, seja pela formação acadêmica, seja pela pouca experiência em administração pública.”

Mais uma coincidência com o caso do Licenciamento Ambiental…Ou da fiscalização do litoral que o Mar Sem Fim já cansou de denunciar. Culpa de quem? De quem não sabe gastar, ou seja, mais uma vez, o Governo Federal, não apenas o atual, mas a maioria dos civis que veio antes. Nunca em sua história o Ibama e ICMBio tiveram equipes e equipamentos em número ideal.

‘Regularização fundiária e o licenciamento ambiental’

Este é outro dos sub-títulos do estudo do MMA, que aparece na pagina 85. “A regularização fundiária é um pré-requisito importante para a implementação do processo de licenciamento ambiental das propriedades rurais. Sem uma base fundiária confiável, ficará difícil o desenvolvimento de um programa que busque licenciar as atividades agrárias.”

E por que é importante? O MMA responde: “O licenciamento ambiental em propriedade rural tem como proposta ser um instrumento de sistematização para viabilizar o controle da utilização dos recursos florestais na Amazônia Legal…”

Amazônia e a questão fundiária – ‘O Cadastro e o Registro de Imóveis Rurais’

Mais uma dos sub-títulos, da pagina 86.”Um dos problemas que o órgão fundiário federal não conseguiu superar é a falta de credibilidade das informações do cadastro de imóveis. Apesar de todos os esforços que estão ocorrendo no cadastramento das propriedades – como, por exemplo, a edição da Lei n° 10.267/2001, que busca unificar os cadastros rurais, e a Portaria Incra n° 10/2004, que objetiva estabelecer um cadastro georreferenciado – e, recentemente, a criação do Programa Cadastro de Terra e Regularização Fundiária no Brasil, ainda não temos um cadastro confiável.”

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A palavra do governador do Pará

Em setembro de 2019 a Globo News entrevistou o governador do Pará, Hélder Barbalho. Apesar de cada Estado da Amazônia Legal ter um modelo diferente de desenvolvimento, o que acontece no Pará não é diferente dos outros, ao menos na questão do desmatamento, queimadas e que tais. Vejamos o que disse.

Amazônia e a questão fundiária. Os dados de desmatamento da Amazônia Legal apresentado durante o programa da Globo News. São dados por mil quilômetros quadrados. A fonte é o Inpe.

‘Enquanto não resolvermos a questão fundiária não vamos pra frente’

O que acima está entre aspas foi o que disse o governador. E explicou: “o Pará tem 24% de seu território desmatado para pasto e produção agrícola. Estes 24% equivalem ao tamanho do Estado do Paraná. E não é preciso derrubar uma só árvore para termos o maior rebanho bovino do País.”

” Basta usarmos o que já foi derrubado, além de aumentar a produtividade bovina. Hoje, no Pará, a relação é de 0,9 cabeças por hectare. São Paulo tem fazendas onde existem até oito ou nove cabeças por hectare. Para chegarmos lá, é preciso investir na genética dos bois, e na preparação da terra. Para que isso aconteça é preciso um cadastro rural para sabermos quem é quem. Os bons teriam acesso ao crédito, financiamentos das agências encarregadas, etc.”

Só que, pelos motivos já expostos, não existe este cadastro. E lembramos que o Mar Sem Fim já abordou este assunto, da falta total de planejamento e políticas públicas para a Amazônia. Enquanto isso, o governo federal prefere culpar ONGs, e até mesmo os governos Estaduais da Amazônia Legal como cúmplices das queimadas…

‘Amazônia tem estoque de 23 milhões de hectares’

O governador lembrou que, “de acordo com o Código Florestal, há propriedades que podem desmatar legalmente até 50% de sua área, outras, 20%. Somando todas, o estoque de terras da Amazônia Legal é de 23 milhões de hectares.” E concluiu: “Se não conseguirmos uma alternativa para as áreas preservadas, os proprietários vão desmatar.” E reiterou que não há ainda alternativas.

Pudera. Com a desinformação de Bolsonaro e equipe, é mais fácil culpar ONGs e outros, a planejar ação de curto, médio e longo prazo.

‘No tempo dos militares’

O Governador lembrou que, como dissemos acima, os planos criados até hoje foram um desastre.”Políticas dos militares obrigavam os proprietários a desmatarem até 50% de suas áreas.”

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E deu sugestões que Bolsonaro e equipe sequer mencionaram. “É preciso regulamentar o artigo 41 do Código Florestal para que haja motivação aos proprietários de terra na Amazônia.”

O site jusbrasil explica o artigo: “Art. 41. Os estabelecimentos oficiais de crédito concederão prioridades aos projetos de florestamento, reflorestamento ou aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços, obedecidas as escalas anteriormente fixadas em lei.”

“Parágrafo único. Ao Conselho Monetário Nacional, dentro de suas atribuições legais, como órgão disciplinador do crédito e das operações creditícias em todas suas modalidades e formas, cabe estabelecer as normas para os financiamentos florestais, com juros e prazos compatíveis, relacionados com os planos de florestamento e reflorestamento aprovados pelo Conselho Florestal Federal.”
Pergunta do Mar Sem Fim: Alguém ouviu Bolsonaro e equipe falarem disso?
E vamos em frente.

Como o governador do Pará vê a questão do Fundo Amazônia

Provocado pelos jornalistas sobre como vê mais esta barafunda criada da atual administração, Barbalho não deixou por menos.”O Fundo Amazônia é um importante ativo para financiar projetos. Pode e deve haver discussão sobre o modelo, mas renunciar aos 745 milhões de reais que ainda estão lá, isso não é possível.”

Eis aí, mais um ‘gol’ da atual administração. E prosseguiu o governador: “há 3.500 assentamentos humanos na Amazônia, 1.098 só no Pará. Mas não basta dar terra às pessoas, é preciso fortalecer o arranjo produtivo. O Fundo Amazônia pode ser usado neste sentido.”

Poderia. Mas o ministro que desconhecia a Amazônia detonou, por enquanto, o Fundo. O Mar Sem Fim já abordou também este assunto.

O dinheiro do G-7 e a recusa de Bolsonaro

Em seguida perguntaram como ele via a recusa do atual governo em receber os US$ 20 milhões de dólares oferecido pelo G-7, os países mais ricos do mundo. “É pouco pelo que eles poderiam nos dar. Mas não deveríamos renunciar a este investimento.”

É óbvio. Só o fanatismo ideológico de alguns não consegue perceber a barbaridade de um governo pobre e quebrado, como o nosso, recusar este dinheiro, e ao montante do Fundo Amazônia. De onde vamos tirar o investimento? Educação, da Saúde?

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Na sequência Barbalho explicou que o Pará tinha três projetos no Fundo Amazônia. Um deles para fortalecer o corpo de bombeiros, e outros dois para encorpar a Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Projetos estes que agora ficaram para escanteio. Mais uma ‘contribuição’ do ministro que não conhecia a Amazônia até ser ministro…

Barbalho ainda explicou que o Pará está fazendo uma ‘arrumação na casa’, tendo titulado mais de mil propriedades em oito meses. E lembrou que ‘no mesmo período do ano passado, apenas 360 haviam sido feitos.’  Ele corre para titular mais terras, e nega que a anistia que o Estado propõe seja um salvo conduto para o desmatamento.

Terras do Pará ‘federalizadas’

O governador lembrou da questão das estradas que mencionamos no tópico ‘a federalização das terras amazônicas’. “Hoje o estado do Pará tem apenas 33,3% das terras do Estado. O resto é de propriedade da União em razão da ‘federalização’. Deste total, disse Barbalho, 15%, são de terras que estão com a Iterpa, Instituto de Terras do Pará. O Incra, o o Terra Legal (programa do Gov. Federal) tem mais terras que o governo do Estado.” Em seguida explicou que não adianta apenas o Estado titular terras, se o governo Federal não o faz. E concluiu:”o pecuarista aposta no vácuo de poder e desmata, queima…”

É óbvio, alguém duvida? O governador voltou a propor um modelo: “A saída é um processo que envolva a todos. Governo Federal, Estados e municípios. Com os títulos de terras em mãos dos proprietários, haveria o fomento dos órgãos públicos como assistência técnica para aumentar a produtividade, os pagamentos dos serviços ambientais prestados ( do artigo 41 do Código Florestal ainda não regulamentado) para evitar que quem tem direito de desmatar (os 20% e 50% de desmatamento legal) avance para a floresta. “Se não fizermos isso, no ano que vem voltaremos ao tema das queimadas.”

Turismo e pesca esportiva, termos abordados pelo governador

Ambos foram abordados. Barbalho lembrou que as duas atividades ‘têm interesse global’ , ‘mas a Amazônia não entra na rota’ apesar desta ser uma vocação natural ‘junto com a colheita da biodiversidade para fármacos e cosméticos, por exemplo’.

Amazônia e a questão fundiária – mineração em terra indígena

Foi outro tema da entrevista. Sobre a proposta de Bolsonaro de minerar em terras indígenas ele foi claro. “O que falta é fiscalizar o garimpo ilegal, estruturar o Ibama e ICMBio para que, junto com as Forças Armadas, possam fiscalizar e olhar por suas terras. Isso é mais importante que explorar a mineração em terra indígena.”

De novo, é óbvio. Mas a atual administração prefere demonizar Ibama e ICMBio. Simplesmente, desmontaram ambos os órgãos…

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Sobre as  ONGs, disse Barbalho: “Antes de tudo, não se deve generalizar. Existem as boas, e outras nem tanto. O que falta é fiscalização em cima delas.”

Bingo!

Sobre o dano na imagem do País: “Avalio de forma muito preocupante o legado das commodities do meio rural passam por momento sensível.”

Não foi a primeira vez que o discurso de Bolsonaro para a Amazônia foi condenado.

Em tempo, governadores dos Estados da Amazônia Legal concordam com o do Pará

O desabafo de Hélder Barbalho sobre a reação do governo Federal às queimadas na Amazônia, ou a ausência de planos de longo prazo para a região, não são uma ilha. É consenso entre governadores da região. Eles já se reuniram diversas vezes desde o início do escândalo das queimadas‘. E deixaram  claras suas posições.

Se a situação calamitosa de 2019 não pode ser atribuída unicamente à atual administração, o modo com que ela tratou a questão, atribuindo culpas a torto e a direito, condenando  ONGs e até mesmo apontando a ‘conivência’ dos governadores da região, foi duramente combatida.

Não só a condução tosca do atual problema foi recusado. Os governadores, em uníssono, condenaram as declarações dos atuais detentores do poder destruindo o que restava da capacidade dos dois órgãos responsáveis: Ibama, e ICMBio. O resultado aí está, para ser julgada pelo leitor.

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Governadores da Amazônia Legal se reúnem com embaixadores

O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 2019: Em meio a notícias como “Embrapa perde 45,5% de seu orçamento”, ou que “Principais órgãos ambientes, Ibama e ICMbio podem ficar sem verba até o fim do ano”, havia uma que merece mais espaço: “Governadores de nove Estados da Amazônia legal se reuniram nesta sexta-feira, 13, em Brasília, com representantes das embaixadas da Noruega, Reino Unido, Alemanha e França (não havia representante do Governo Federal).”

“No encontro, marcado para discutir acordos entre esses países e os Estados no âmbito do Fundo Amazônia, ficou acertado que, daqui a 30 dias, será detalhada uma agenda de apoio financeiro a programas de combate ao desmatamento. A ideia é fechar programas com cada Estado ou por meio do Consórcio Amazônia Legal, que reúne os nove Estados da região. A Noruega vai oferecer um sistema de mapas e monitoramento.”

A atual gestão

Estas reuniões são mais uma prova que poucos, hoje no Brasil, levam a sério a atuação  ambiental da atual administração. Bolsonaro e cia. estão cada vez mais isolados. Mesmo com o desmonte do Fundo Amazônia, obra do ministro do Meio Ambiente, ou a recusa em aceitar recursos do G-7, os nove governadores passam por cima.

E  reúnem-se direto com doadores. Mesmo comportamento do Congresso que, cansado da desarticulação política, partiu para a reforma da Previdência com projeto próprio. O mesmo se dá com a reforma Tributária. Há duas propostas sendo discutidas. Uma na Câmara, outra no Senado. Nenhuma é do Governo Federal.

A proposta Federal ainda não foi enviada.

Concentrar-se em detalhes menores

É o que dá concentrar-se em detalhes menores da administração, e criar desnecessárias confusões internas e externas. Perde-se o foco das grandes questões sem as quais o País não sai do buraco: as muitas e necessárias reformas estruturais, em primeiro lugar.

E há outras promessas de campanha que ainda não passam de ‘discurso de campanha’. Ou seja, há muito a fazer.  O fato é que em oito meses o governo Bolsonaro perdeu o protagonismo. O vazio foi ocupado pelo Congresso, o Senado, e agora os governadores da Amazônia Legal. Quem serão os próximos?

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Amazônia e a questão fundiária

Em tempo: enquanto a Amazônia queima, o mundo repercute e a imagem do País trinca, o ministro neófito se prepara para um giro europeu onde pretende explicar o inexplicável. E conseguir recursos! Na agenda, um encontro com negacionistas do clima nos Estados Unidos…

Imagem de abertura: Reuters/Ueslei Marcelino

Fontes para Amazônia e a questão fundiária: http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10071/11643; https://imazon.org.br/imprensa/linha-do-tempo-entenda-como-ocorreu-a-ocupacao-da-amazonia/; https://www.mma.gov.br/estruturas/225/_arquivos/9___a_grilagem_de_terras_pblicas_na_amaznia_brasileira_225.pdf; https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10570629/artigo-41-da-lei-n-4771-de-15-de-setembro-de-1965; http://www.florestal.gov.br/numeros-do-car; https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10570629/artigo-41-da-lei-n-4771-de-15-de-setembro-de-1965; http://www.iterpa.pa.gov.br/; http://www.mda.gov.br/sitemda/tags/programa-terra-legal-regulariza%C3%A7%C3%A3o-fundi%C3%A1ria.

Maior extinção em massa aconteceu há 2 bilhões

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