A diplomacia da descarbonização dos navios: IMO define medidas de curto prazo, com Brasil pressionando por transição lenta
O órgão de regulamentação global da indústria marítima, IMO (da sigla em inglês International Maritime Organization), reuniu-se virtualmente entre 10 e 17 de Junho de 2021 e decidiu medidas de curto prazo para a redução de emissões. A diplomacia da descarbonização dos navios é um artigo do especialista Paulo C. Azevedo Jr.* especial para este site.
A diplomacia da descarbonização dos navios
A tomada de decisão da entidade funciona com base em diferentes comitês técnicos, sendo um dos mais importantes o Comitê de Proteção do Ambiente Marinho (MEPC). Por lidar com o tema das mudanças climáticas e quais medidas devem ser tomadas para reduzir as emissões de gases causadores de efeito estufa, esse evento era particularmente importante e esperado. Trata-se do encontro de número 76, por isso o nome “MEPC 76”.
Índice de Eficiência Energética para Navios Existentes
Após intensos e acalorados debates com pouca convergência entre os países, foi decidida a adoção de duas inclusões na mais importante convenção ambiental do setor de navegação, a MARPOL. Cada embarcação precisará ter um Índice de Eficiência Energética para Navios Existentes (EEXI) e um Indicador de Intensidade de Carbono (CII). Ambos os índices precisarão respeitar limites cada vez mais duros que resultarão, em tese, na redução das emissões. O CII será calculado anualmente e cada navio receberá uma “nota” de F (pior) até A (maior), semelhante à classificação de eletrodomésticos do Inmetro.
Setor de navegação precisa reduzir pegada de carbono em 40% até 2030
No MEPC 72 de 2018, a IMO já havia decidido em sua “Estratégia Inicial” que o setor de navegação precisa reduzir sua intensidade de carbono em 40% até 2030 (em relação aos níveis de 2008) e em 70% até 2050. A intensidade de carbono pode ser entendida como a quantidade de carbono emitida para cada tonelada de carga transportada por uma certa distância. Além disso, a IMO definiu que o total absoluto das emissões de gases do efeito estufa deveria ser reduzido em 50% até 2050.
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Voltando ainda mais no tempo, o Acordo de Paris (COP21 de 2015) foi um produto do consenso de que é preciso conter o aquecimento global abaixo de 2º C, e preferencialmente em 1,5º C. Portanto, a pergunta principal a ser respondida após o MEPC 76 é: “as medidas adotadas agora são compatíveis com o Acordo de Paris”?
Iniciativas mais ambiciosas não prosperaram
A resposta é: podem até ser, mas há uma margem de manobra muito pequena. As medidas adotadas são de curto prazo, apenas até 2026. Para o período de 2026 até 2050, novas decisões precisarão ser tomadas em futuras reuniões. Por ora, iniciativas mais ambiciosas não prosperaram.
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As medidas rejeitadas
Entre essas medidas rejeitadas, estavam o estabelecimento de um fundo global de 5 bilhões de dólares para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono, bem como uma taxação global por tonelada de combustível ou a taxação diretamente do CO2 emitido. Há também crescente apoio para a obrigatoriedade de uma navegação de zero carbono já em 2050.
Embora nenhuma dessas propostas tenha sido aprovada ainda, as discussões para medidas de longo prazo serão retomadas no MEPC 77, em Novembro próximo. A grande diferença será uma esperada pressão muito maior por parte do público, pois também em novembro ocorrerá a COP26 em Glasgow.
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O setor global de navegação representa entre 2,5 e 3% das emissões globais. Porém, descarbonizá-lo não é uma tarefa fácil. Devido às grandes distâncias a serem percorridas e à grande quantidade de energia gasta para transportar enormes volumes de carga, não é possível utilizar baterias. Elas simplesmente não têm a densidade de energia necessária, e por isso por enquanto só são utilizadas em curtas distâncias como ferryboats, por exemplo.
Consequentemente, há atualmente uma corrida para o desenvolvimento de combustíveis verdes, aqueles que têm neutralidade de carbono e podem ser utilizados também em indústrias difíceis de descarbonizar, como a aviação, a siderurgia e a produção de cimento. Entre os candidados com maior potencial, estão o hidrogênio, o metanol e a amônia.
Porém, as tecnologias ainda não estão maduras, e muito menos a infraestrutura de abastecimento. Por essa razão e pelos altos custos envolvidos na transição, a adoção de medidas mais ambiciosas tem sofrido resistência nas discussões da IMO.
As divisões do setor de navegação
Tem se formado uma oposição entre países desenvolvidos, que em sua maioria querem uma transição mais rápida, e países em desenvolvimento, que afirmam que não podem pagar a conta na mesma proporção e precisam entender melhor os impactos em suas economias.
Descarbonização dos navios e o papel do Brasil
Por outro lado, num cenário de crise climática, não há tempo a perder. Além disso, a transição energética também traz novas oportunidades para países em desenvolvimento. O Brasil, por exemplo, é uma potência em produção de energia renovável e poderia utilizá-la para produção e exportação de combustíveis verdes, sem falar na liderança do país em biocombustíveis.
País se opôs à transição mais rápida
Porém, no MEPC 76 de 2021, o Brasil foi um dos maiores opositores a uma transição mais rápida, juntamente com outros países em desenvolvimento.
A posição da delegação brasileira parece ter continuado a mesma desde o MEPC 72 de 2018, quando o país se juntou à Índia, Argentina e Arábia Saudita na proposição de medidas mais brandas de redução de emissões.
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Procurada, a Representação Permanente do Brasil junto à Organização Marítima Internacional (RPB-IMO), órgão vinculado à Marinha do Brasil em Londres, não respondeu.
Descarbonização é oportunidade, não ameaça
Enquanto continuarmos enxergando a descarbonização como ameaça e não como oportunidade, seguiremos condenados a perder os ventos favoráveis. Mas nada garante que eles continuarão soprando indefinidamente.
Dentro de poucos anos, as tecnologias para navios verdes estarão maduras, e o país corre o risco de então se tornar um mero importador. Ainda há tempo de nos juntarmos à transição energética e participarmos dela como protagonistas, ao invés de antagonistas.
O autor
Paulo Azevedo Jr. é engenheiro naval pela Poli-USP e doutorando na Norwegian School of Economics (NHH) de Bergen, Noruega. Além de colaborar com Mar sem Fim, escreve sobre o mercado marítimo latinoamericano em MaritimeSouth.com.
Imagem de abertura: IMO
Fontes: https://www.imo.org/en/MediaCentre/HotTopics/Pages/Reducing-greenhouse-gas-emissions-from-ships.aspx; https://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/pages/MEPC76.aspx.
Incrível que um assunto desses passe desapercebido, de comentários, parece que poucas pessoas se dão ao trabalho de ler. Como sempre parece estarmos na contramão, temos tudo para sermos os líderes, mas adoramos andar no banco de trás.