Navegar é preciso mas, você conhece os primeiros a fazê-lo?
Povos antigos foram capazes de atitudes inimagináveis aos olhos atuais. Navegavam desde épocas longevas. Os fenícios se estabeleceram no Levante por volta de 3.000 a.C. Deixaram marcas para o resto da vida, na cultura e atitudes humanas, como o alfabeto e o comércio por exemplo. Ou Cartago, quase mil anos antes de Cristo, destruída em batalhas navais pelos romanos. Recordemos, acima de tudo, que um dos barcos mais antigos com cerca de 4.500 anos era egípcio. E que o Pacífico começou a ser ‘colonizado’1.200 anos a.C. E antes destes povos estabelecidos? Digamos, os ‘primitivos’. Navegavam? Sim, navegar é preciso. O mergulho será profundo e surpreendente. As primeiras navegações do ser humano, provavelmente, há nada menos que 800 mil anos. Como assim? Das areias da África, olhando para a água, e imaginando o que havia do outro lado (Além de não ser preconceituoso com a ciência, obviamente).
Escultura de 10 mil anos atrás mostra um barco
Para começar, uma escultura de 10.000 anos é a representação mais antiga conhecida de um barco na Europa segundo o smithsonianmag.com.
As primeiras migrações humanas
Antes de mais nada, antropólogos modernos consideram que a primeira das grandes migrações humanas, aquela que levou Homo erectus (espécie de hominídeo que viveu entre 1,8 milhões de anos e 300.000 anos atrás) a sair da África marchando vagarosamente para “o Oriente Médio, de lá para a Europa e Ásia”, não foi feita apenas “por terra caminhando” como nos ensinavam na escola.
Navegar é preciso…
Em outras palavras, eles também usaram barcos. Sim, barcos. Certa feita entrevistei Walter Alves Neves, professor Titular do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP. Eu queria saber porque os ‘andarilhos’ desta grande migração haviam se fixado num local tão ermo para a sobrevivência como a região dos Canais da Patagônia.
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Pesquisas para um livro sobre embarcações típicas
Em minhas pesquisas para escrever “Embarcações Típicas da Costa Brasileira” encontrei um livro que me intrigou. Seu autor é Goefrey Blainey, professor nas Universidades de Harvard e Melbourne e autor de “Uma Breve História do Mundo”. Blainey revelou que na ilha de Flores, arquipélago da Indonésia, foram encontrados vestígios de presença humana de mais de 800 mil anos. Os resquícios descobertos no antigo leito de um lago na ilha montanhosa de Flores provaram, sem qualquer sombra de dúvida, que os humanos tinham aprendido a construir embarcações e a conduzi-las mar adentro: as embarcações a vela ainda levariam muito tempo para aparecer (Página 7).
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Ao ler 800 mil anos atrás pensei ser erro de tradução ou digitação. Imediatamente liguei para a editora que confirmou o original, ou seja, sim, navegações há nada menos que 800 mil anos atrás.
Polêmicas à parte…
Já publicamos as palavras do professor de Harvard anteriormente. E, neste mundo de fake news disseminadas e acreditadas por beócios, elas provocaram polêmica entre certos leitores. Que fazer?
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Descobertas na ilha de Flores, Indonésia, pela revista Science
Em 1994, um grupo holandês e indonésio datou ferramentas de pedra encontradas na ilha de Flores, Indonésia, com cerca de 750.000 anos de idade. Nesta época o H. erectus era o único tipo de humano no Sudeste Asiático. Pesquisadores que trabalham no local, chamado Mata Menge, estão convencidos de que o H. erectus chegou de jangada ou outra embarcação.
Mesmo quando o nível do mar estava mais baixo, esses humanos teriam que atravessar 19 quilômetros de água para chegar à ilha de Flores a partir da ilha mais próxima, Sumbawa. Este é um resumo de artigo publicado na revista Science, em 1998, de autoria coletiva da equipe do Science News.
Mais informações sobre a ilha de Flores
Contudo, em 2004 a descoberta de uma nova espécie humana, Homo floresiensis, foi relatada em Flores. A espécie tinha pouco mais de um metro de altura. A partir de agora as informações são do www.teara.govt.nz, do texto Pacific Migrations.
Este novo humanoide esteve presente na ilha até cerca de 50.000 anos atrás, aproximadamente na mesma época em que os humanos modernos, Homo sapiens, começaram a se espalhar pela área.
À primeira vista, parece que o Homo floresiensis descende de uma dispersão inicial do Homo erectus. Ele teria sobrevivido isolado nessa ilha refúgio. Possivelmente, a pequena estatura resultou do escasso suprimento de alimentos e, igualmente, porque não precisavam enfrentar predadores.
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Chegaram por intenção e não acidente
Se apenas uma única travessia fosse necessária para ir da Ásia continental até a Oceania, então certamente durante milhares de gerações alguns grupos teriam conseguido atravessar de alguma forma. De fato, foram necessárias no mínimo 10 travessias marítimas, sendo a mais longa de 100 quilômetros. Fazer tal viagem indica intenção e não acidente.
‘Oceanos nunca foram uma barreira para as viagens do H. Erectus’
O jornal inglês Guardian, em matéria de 2018, pontua: “Os oceanos nunca foram uma barreira para as viagens do H. Erectus Eles viajaram por todo o mundo, e para a ilha de Flores através de uma das maiores correntes oceânicas do mundo”, disse Daniel Everett, professor de estudos globais da Bentley University e autor de How Language Began.
“Eles navegaram para a ilha de Creta e várias outras ilhas. Foi intencional: eles precisavam de artesanato e precisavam levar grupos de vinte ou mais, pelo menos, para chegar a esses lugares.”
Marinheiros da Idade da Pedra
Outra matéria da Science, igualmente de 2018, confirma com o sugestivo título Neandertais, pessoas da Idade da Pedra podem ter viajado pelo Mediterrâneo. Às tantas, diz o texto, ‘Sabe-se que os primeiros membros da família humana, como o Homo erectus , cruzaram vários quilômetros de águas profundas há mais de um milhão de anos na Indonésia, para ilhas como Flores e Sulawesi’.
Contudo, há quem discorde. Chris Stringer, chefe de origens humanas do Museu de História Natural de Londres é uma delas, ouvida pelo Guardian. “Não aceito que, por exemplo, [o Homo] erectus tenha tido barcos para chegar a Flores.Os tsunamis podem ter movido os primeiros humanos em jangadas de vegetação.”
Ainda assim, ela nada acrescenta além da própria crença.
E na Austrália, quando e como chegaram?
Do archive.archaeology.org, em artigo de Peter Bellwood, professor do departamento de arqueologia e antropologia da Australian National University. Demonstra que os ‘primitivos’ também navegavam.
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Os seres humanos primitivos alcançaram o continente australiano pela primeira vez há pelo menos 30.000 anos. Foram pessoas que cruzaram rotas marítimas consecutivas no leste da Indonésia. Estes fatos são aceitos pela comunidade acadêmica desde o final da década de 1960.
Pesquisas do falecido Joseph Birdsell e de Geoffrey Irwin, da Universidade de Auckland, sugerem que existiam rotas norte e sul separadas, ao longo das quais a maioria das ilhas seria visível de seus vizinhos mais próximos em dias claros, levando das ilhas Sunda Shelf em direção à Austrália e Nova Guiné.
Travessia de 55 milhas para a Austrália
Ao que tudo indica, a rota foi do Timor para a Austrália. Então, uma travessia marítima final de cerca de 55 milhas envolvendo o mar aberto também foi necessária.
Contudo, nos últimos anos, a datação por luminescência óptica de locais no norte da Austrália levantou a possibilidade de que os humanos chegaram lá há 60.000 anos, e muitos arqueólogos agora aceitam essas novas datas.
Travessia marítima há 60 mil anos
Esta última informação, sobre a chegada de seres primitivos via uma travessia marítima há 60 mil anos é corroborada por artigo de Sarah Bunney, publicado na NewScientist.com.
É possível, embora improvável, que as pessoas que ocuparam o local no Território do Norte (Austrália) fossem o que os antropólogos chamam de “pré-modernos” – Homo sapiens primitivo ou talvez representantes tardios da espécie hominídea chamada Homo erectus. Estes são conhecidos por terem vivido em Java e na Ásia continental nos últimos 900.000 anos ou mais.
E, mais adiante, prossegue: A nova data não é uma surpresa total para os paleoantropólogos. Recentemente, alguns têm pensado em 40.000 anos atrás como uma data mínima e não máxima para a primeira colonização humana da Austrália. Isso ocorre porque eles encontraram evidências indiretas de uma presença humana anterior no continente australiano.
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E conclui: Viajantes pré-históricos só poderiam ter chegado à Austrália fazendo viagens marítimas de até 400 quilômetros.
‘Humanos podem ter deixado a África pelo mar em jangadas ou barcos primitivos’
A informação acima confirma o que disse o professor da USP, Alves Neves. De quem é? Do professor Nicholas R. Longrich, mestre em Biologia Evolutiva da Universidade de Bath, e editor do site www.nicklongrich.com.
Segundo Longrich, ‘o Homo sapiens, em outras palavras nossos ancestrais diretos, ‘não foram os primeiro humanos a deixarem a África. O Homo sapiens moderno é uma das muitas ondas de migração para fora da África, ocorrendo ao longo de milhões de anos’.
…’os humanos modernos vão de um período recente (em termos evolutivos) de 200.000 anos atrás para talvez 260.000-350.000 anos atrás.’
Da África Oriental através do Mar Vermelho para a Ásia e Austrália
…’Os humanos migraram da África Oriental através do Mar Vermelho para a Ásia e Austrália, e depois se mudaram para o oeste em Israel, Norte da África e Europa’.
Para Longrich as embarcações usadas eram provavelmente um tipo ainda mais rude que as jangadas utilizadas pelos aborígenes da Austrália isolados e sós durante 70 mil anos (depois de sua chegada). Elas nos dariam uma pista do que teriam sido as primeiras navegações.
‘Para ser justo, as evidências agora mostram que os neandertais descobriram como usar os recursos marinhos…Pelo menos alguns neandertais habitavam ilhas, sugerindo que tinham algum tipo de embarcação.’
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Para situar, neandertais existiram por cerca de 200 mil anos a mais do que a existência total dos seres humanos modernos (Homo sapiens). Já, o Homo erectus, há um milhão de anos, chegou a Austrália por mar e igualmente em Creta, no Mediterrâneo!
Sobre as navegações posteriores, as dos povos antigos como os fenícios, e depois ainda, a era das navegações, diz o professor Nicholas R. Longrich:
O que é surpreendente é que todas essas odisseias começaram com uma única e curta viagem. Esta viagem começou com alguém parado nas areias da África, olhando para a água, imaginando o que havia do outro lado. E todos os outros exploradores são fruto desse primeiro sonho, da primeira odisseia.
Portanto, duas eras antes da nossa o H. erectus assim como os neandertais, já navegavam. Séculos depois os descendentes do H. sapiens deram nos fenícios, os árabes, egípcios, gregos e romanos; além de outros povos antigos navegadores. Esta procura do que havia do outro lado, e a habilidade em superar obstáculos até mesmo navegando em priscas eras para afinal descobrir, é condição inerente e, sobretudo, da cultura humanas.
Um espírito fascinante que nos distingue. Por isso voltaremos ao tema.