Mar como futuro

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Mar como futuro: o Brasil, e o mundo, dependem dele

Mar como futuro: Artigo de Rodrigo More publicado pelo jornal Valor, em 5/09/2016

Durante os séculos, a percepção sobre a importância do mar acompanhou a evolução do conhecimento científico, imprimindo, nas distintas sociedades, rumos diversos à dinâmica dos Estados. Os Estados mais ricos e militarmente poderosos, chamados hegemônicos, sempre dominaram os mares. E ainda dominam, porque tanto em sentido amplo quanto estrito conhecem o mar mais que outros.

mar como futuro,imagem do mar
O futuro do Brasil, e do mundo, está no mar.

Fim da guerra fria impôs um novo paradigma na relação entre Estados

O fim da guerra fria impôs um novo paradigma na relação entre Estados dos antigos blocos antagonistas. O comércio intensificou-se ainda mais pelo mar, atingindo hoje cerca de 90% do volume total do comércio global.

Recente disputa no Mar do Sul da China

Cresceu também a importância do aproveitamento de recursos como a pesca. Isso fez aumentar o número de disputas por delimitação de fronteiras no mar diante dos tribunais internacionais nos últimos 20 anos. Um bom exemplo é a recente disputa no Mar do Sul da China.

A Comissão Europeia prevê que até 10% de todos os minerais do mundo virão dos fundos oceânicos em 2030

Na Comissão de Limites da Plataforma Continental, em Nova York, encontram-se aproximadamente 80 pedidos de países para avaliação da extensão do limite da plataforma continental (leito marinho) além das 200 milhas marítimas (cerca de 370 km). Em jogo está, principalmente, a soberania sobre recursos minerais valiosíssimos depositados em profundidades abissais. São reservas estratégicas incalculáveis para gerações futuras: diamante, manganês, zinco, ouro, prata, cobre, cobalto e outros.

Lançando satélites a partir de plataformas de petróleo: mercado de US$ 330 bilhões

No âmbito privado, dois consórcios multinacionais sediados nos Estados Unidos competem pelo mercado de lançamento de satélites. Serão lançados a partir de antigas plataformas de petróleo adaptadas, estrategicamente posicionadas no alto mar. Trabalham para os antigos países da era espacial e clientes privados. Um mercado de US$ 330 bilhões em 2014, segundo estudo da Space Foundation de 2015.

Mar como futuro: em 2020, 5% de todos os minerais virão do mar

Empresas europeias e japonesas investem em pesquisa para a mineração dos grandes fundos marinhos a mais de 4 mil metros de profundidade. Usam uma tecnologia mais sofisticada e cara que a tecnologia de petróleo ou mesmo a espacial. Um estudo da Comissão Europeia de 2012 estimou que em 2020, 5% de todos os minerais do mundo, incluindo cobalto, cobre e zinco, deverão vir dos fundos oceânicos, podendo atingir 10% em 2030.

Mar como futuro: a cura do câncer

No campo da biotecnologia e da nanotecnologia, empresas americanas, europeias e asiáticas investem no desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos, cosméticos e de tecnologia. Dois exemplos ilustram bem este potencial: o antiviral acyclovir foi obtido a partir de esponjas do mar do Caribe. E a trabectedina, usada contra câncer do ovário, foi a primeira droga desenvolvida a partir de um pequeno animal marinho.

Na aquacultura, subaproveitada no Brasil, 90% das empresas da União Europeia são pequenas e médias, empregando diretamente 80 mil pessoas. Este é  um mercado global que cresce consistentemente a taxas de 6,6% ao ano segundo a FAO/ONU.

O que o Brasil tem a ver com isso?

E o que o Brasil tem a ver com tudo isso? Tudo. Ou nada. Depende da nossa percepção sobre a importância do mar, dessa chamada “economia azul”, com forte viés na sustentabilidade. Afinal, além do petróleo e gás natural, do “pré-sal”, que outras riquezas tem o mar do Brasil?

Brasil tem zona econômica exclusiva com 3,6 milhões de km2

O Brasil tem uma zona econômica exclusiva com 3,6 milhões de km2. Nessa massa d’água, por exemplo, exercemos soberania sobre recursos vivos e produção de energia. Também temos uma área de plataforma continental com semelhantes 3,6 milhões de km2, com potencial de atingir 4,5 milhões de km2 segundo procedimento iniciado na Comissão de Limites da Plataforma Continental em 2004. Isso equivalerá a todo território emerso da União Europeia! Nossos atlas escolares não tratam disso, nem os livros de história. Some-se à essa grandeza os quase 7,5 mil km de litoral.

Mar como futuro: Brasil, país continental, ou oceânico?

O curioso é que as cartilhas ensinam que o Brasil é um país continental, mas em sua miopia não percebe que também é um país oceânico. Então, o que se espera de um Brasil oceânico?

Percepção obtusa das autoridades brasileiras

Primeiro, espera-se que se deixe apenas para a excelente literatura de Lima Barreto o ônus da percepção obtusa à Policarpo Quaresma que marcou a cúpula do governo federal dos últimos 13 anos em assuntos do mar. A partidarização dos temas do mar, especialmente os de natureza ambiental, alteraram a percepção sobre a importância do mar como um projeto de Estado que deveria ser.

Política Nacional para os Recursos do Mar

Em segundo lugar, no plano interno espera-se dos governos vindouros a real implementação da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) com a renovação e reforço do relevante papel desempenhado desde 1976 pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM).

Atração de investimentos para a economia azul

Ainda no plano interno, será necessário um marco regulatório para atividades e atração de investimentos para a economia azul, com foco na pequena e média empresa onde estão milhares de empregos. Será também preciso fomentar consistentemente a pesquisa científica na academia em relação próxima com as necessidades da indústria e da sociedade em geral sobre o mar. Não há qualquer percepção de inteligência num país desenvolvido que desrespeite ou desconsidere seu mais valioso ativo: seus recursos humanos.

O futuro do Brasil, e do mundo, está no mar.

Finalmente, no plano internacional, aguarda-se a formulação de uma política externa (de Estado) para assuntos do mar. Temas como a proteção da biodiversidade além da jurisdição nacional, em sua interdisciplinaridade com a propriedade intelectual, biotecnologia, comércio e serviços, precisam ser considerados à luz da tríplice dimensão da ciência: tecnologia e inovação, sem descuidar da política externa multilateral do Brasil, a fim de não se conduzir o país de volta à troca de espelhos por pau-brasil. Precisamos rapidamente evoluir em nosso conhecimento sobre o mar.

O futuro do Brasil, e do mundo, está no mar.

Rodrigo F. More é professor do departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo.

Saiba mais sobre a exploração mineral submarina.

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