Só duas, em cada dez cidades brasileiras, estão preparadas para lidar com o aquecimento

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Só duas, em cada dez cidades brasileiras, estão preparadas para lidar com o aquecimento

Este site tem insistido na falta de preparo dos prefeitos do litoral para gerirem um município em época de aquecimento global fora de controle. Em maio de 2024 tivemos a confirmação, quando a pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostrou que apenas 22% dos gestores municipais consideram suas cidades preparadas para lidar com as mudanças do clima. A pesquisa ouviu cerca de 3,6 mil municípios. A ausência de capacidade técnica e financeira seria a principal razão apontada para a falta de preparo. Segundo a Agência Brasil, os dados demonstram que 68% dos municípios afirmam nunca terem recebido nenhum recurso de estados ou do governo federal para atuar na prevenção. E isso em 2024! Não à toa, centenas de pessoas morrem soterradas por avalanches todos os anos, e muitas cidades ficam em frangalhos, como ocorreu no Rio Grande do Sul.

Moradores em áreas de risco na Bahia
Deslizamento de terra em Salvador (BA), em 2015. Imagem, Divulgação/Manu Dias/Governo da Bahia

O Brasil está atrasado em quase tudo ligado ao aquecimento

Há quantos anos os cientistas alertam para o fato de que entramos numa perigosa espiral de destruição da qual só sairemos se houver muito investimento e preparo por parte do poder público? Há pelo menos 20 anos, se não, mais.

As provas de nosso despreparo estão por todas as partes. Por exemplo, o Professor Paulo Artaxo, membro do comitê do Programa Mudanças Climáticas Fapesp, em entrevista ao Portal do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, lembrou que  o aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos já estava previsto pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) desde o seu primeiro relatório de avaliação, publicado em 1990.

Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em 2023 as chuvas provocaram as mortes de 132 pessoas e mais de 9 mil feridos, enquanto cerca de 74 mil perderam suas casas.

Já o site das Nações Unidas informa que, em 2023 o Brasil teve 12 eventos climáticos extremos. Nove deles foram considerados incomuns e dois sem precedentes. No total foram cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical reportados para a Organização Meteorológica Mundial.

Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2009

E o que temos para mitigar esta situação? Neste momento o governo federal promove a revisão do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2009. O plano sugere ações para mitigação e adaptação das cidades. Fora isso, em 2016, no governo Dilma houve o lançamento do  Plano Nacional de Adaptação. Contudo, como foi feito através de portaria, nunca chegou a ser implantado.

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Somando tudo isso, não é estranho que apenas dois, entre 10 municípios, estejam, ou sintam-se, preparados. Outro dado oficial confirma a situação dos menos privilegiados. Segundo o Mapa da Prevenção de Desastres do Serviço Geológico do Brasil, órgão do Ministério de Minas e Energia (MME), mais de 13 mil áreas são consideradas de risco no país, sendo 4.160 de risco muito alto e 9.498 de risco alto. O levantamento divulgado em março aponta que cerca de 4 milhões de pessoas estão em perigo.

Só no litoral paulista temos 25 mil imóveis em áreas de risco

Matéria da Folha de S. Paulo (fevereiro, 2024) confirma a nossa impressão do litoral paulista, onde temos tido uma presença mais constante nos últimos anos. Segundo levantamento do jornal, baseado no cruzamento entre as coordenadas geográficas do Censo Demográfico 2022, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e um mapeamento de suscetibilidade a deslizamentos feito pelo Serviço Geológico do Brasil (antiga CPRM), são 25 mil imóveis, com quase metade deles classificados como ‘de alto risco’.

Durante os últimos dois anos visitei quase todos os municípios costeiros de São Paulo, para produzir nova série de documentários. Em nenhum deles observei qualquer programa de construção de casas populares. Em geral, exceção a Santos, os prefeitos do litoral de São Paulo estavam mais preocupados em liberar a construção em locais proibidos justamente em razão do risco, como áreas alagadas, encostas e topos de morros, etc.

Faltam programas de construção de casas populares

A matéria da Folha confirma o que vimos e denunciamos: ‘Os endereços em locais de risco representam 1,93% do total de 1,32 milhão nas 13 cidades analisadas. Na combinação dos dois conjuntos de informações (domicílios do Censo e suscetibilidade a deslizamentos), 896 imóveis estavam em áreas sem classificação de risco (0,07% do total)’.

Como o IBGE conta três pessoas por casa, teríamos cerca de 75 mil pessoas desafiando a sorte apenas no litoral paulista. Para nós, esta informação corrobora o que vimos dizendo há tanto tempo: antes de mais nada, falta preparo técnico aos prefeitos do litoral. De maneira idêntica, o diagnóstico da causa deste problema confirma o que dissemos praticamente sempre:

“É um grande problema social e do crescimento desorganizado. A valorização do litoral atraiu pessoas para o trabalho em áreas turísticas e que acabaram ocupando áreas próximas por uma questão de sobrevivência”, afirma o engenheiro Luiz Fernando Orsini, um dos coordenadores da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).

Crescimento desordenado ou especulação imobiliária?

‘Crescimento desordenado’ muitas vezes induzido e comandado pelos próprios prefeitos que querem mais pagamento de IPTU, mais hotéis, pousadas e resorts. Em outras palavras, a especulação imobiliária em que vive o litoral de São Paulo há mais de 30 anos. Em alguns destes municípios, autoridades chegaram a dizer que ‘‘Não acredito em programas de moradias populares. Quem quiser, que invista de seu próprio bolso!

Foi o que disse o diretor ambiental na Secretaria de Meio Ambiente de Caraguatatuba, Ronaldo Cherbele, durante a tramitação da revisão do Plano Diretor da cidade.

Ilhabela, que é um dos municípios mais ricos do litoral em razão de royalties de petróleo, também não tem planos para a construção de casas populares. E, segundo a Folha ‘a cidade com o maior índice de imóveis em áreas sujeitas a desastres. Dos 19.015 domicílios espalhados pela cidade, 3.918 estão em áreas de risco alto ou médio (21%)’.

Enquanto isso acontece, somente entre 2023 e 2024, três prefeitos do litoral paulista foram punidos por malfeitos. Dois deles, Geraldino Júnior, de Ilha Comprida, e Flávia Pascoal, de Ubatuba, foram cassados. Já o de Ilhabela, Antonio Colucci, perdeu os direitos políticos. Em suma, enquanto malandros continuarem a ser eleitos no litoral não há esperança. Ou mudamos nossa forma de atuação enquanto cidadãos, ou passaremos o resto de nossas vidas assistindo desastres como os de Petrópolis, ou o de São Sebastião no carnaval de 2023, ou ainda o mais recente e destruidor, que atingiu o Rio Grande do Sul.

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