São Sebastião e o Programa Cidades Resilientes
As recentes tragédias ambientais como a do carnaval de 2023 em São Sebastião, ou a hecatombe do Rio Grande do Sul em maio de 2024, sem esquecer os sucessivos flagelos de Teresópolis em 2011 e 2022, aparentemente foram a gota d’água para tirar o poder público da letargia. Para responder a estes desastres o governo federal apresentou o Programa Cidades Verdes Resilientes em junho deste ano. O trabalho é coordenado pelos ministérios do Meio Ambiente, das Cidades e de Ciência e Tecnologia. O Brasil tem 1.942 municípios vulneráveis a eventos climáticos extremos, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, e a tendência das cidades resilientes cresce no mundo.
De acordo com o site da Câmara Legislativa, ‘está organizado em seis temáticas principais: uso e ocupação sustentável do solo, áreas verdes e arborização urbana, soluções baseadas na natureza, tecnologias de baixo carbono, mobilidade urbana sustentável e gestão de resíduos urbanos’.
Cidades serranas do Rio são exemplos de negligência
Teresópolis foi duramente castigada por três vezes. A primeira, em 1998, gerou 134 mortes. A segunda, em 2011, matou 918 pessoas e deixou mais de 300 desaparecidos no que o Cemadem considera o maior desastre ambiental do País. Finalmente, a última, em 2022, custou a vida de mais 200 habitantes, sem falar nos prejuízos bilionários. Como sempre os mais pobres, moradores das favelas que proliferam nos morros e área alagadas, pagaram a conta
Por que existem as favelas? Entre muitos outros problemas, também pela falta de programas municipais e estaduais de construção de casas populares. É por este motivo que os desvalidos ocupam áreas de risco que acabam se perenizando. Então, na estação das chuvas os eventos extremos destroem o que resta de infraestrutura e matam às carradas. Neste momento, e apenas neste, o governo federal entra em campo para liberar verbas para as obras de urgência.
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Aproveitamos o caso da região serrana do Rio pelos sucessivos acidentes há 26 anos porque é um exemplo do que não deveria ser feito, além de servir como uma luva para os municípios costeiros, o foco deste site.
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Defesa Civil: pesquisa mostra que em 59% dos casos analisados o efetivo limita-se a uma ou duas pessoas
Analisamos a pesquisa publicada em 2022 pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), e Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e o Cemaden. O resultado evidenciou a precariedade das Defesas Civis, órgãos responsáveis por mapear e identificar as áreas de risco de inundações, deslizamentos e secas, e também por prevenir e socorrer populações vítimas de desastres.
A pesquisa levantou informações de 1.993 órgãos municipais de Defesa Civil. Os resultados mostraram que, em 59% dos casos, o efetivo limita-se a uma ou duas pessoas. A pesquisa também mostrou que 78% dos órgãos não têm orçamento próprio. Isso impede, por exemplo, o planejamento de ações de prevenção ou a execução de melhorias estruturais nos municípios.
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Cultura do poder público no Brasil: remediar em vez de prevenir
Infelizmente, nossa história mostra que está arraigada no poder público a cultura de remediar, em vez de prevenir. Já faz muito tempo que o Estado funciona assim. O costume vem de antes da redemocratização, mas prossegue de maneira idêntica. Os reflexos desta tradição é o que aconteceu em Teresópolis, Nova Friburgo, e Petrópolis, as cidades serranas mais afetadas. As obras realmente importantes para a prevenção, como contenção de encostas de morros, dragagem e limpeza de rios, drenagem, ou mapeamento de áreas de risco, quase nunca saem do papel.
Victor Marchezini, docente no Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais, e especialista no campo da chamada sociologia dos desastres falou ao Jornal da USP. “Embora a ocorrência desses fenômenos intensos tenha se repetido nos últimos anos, as cidades brasileiras de modo geral ainda estão despreparadas para enfrentá-los.”
“O Brasil não tem investimento para prevenção de desastres, sempre são liberados recursos extraordinários após os acontecimentos. Então, se não há orçamento, como você vai ter uma política pública de prevenção?”, questiona.
“Nós tendemos a culpabilizar a chuva, um fenômeno natural, como se ela tivesse a racionalidade de causar mortes. Mas assim deixamos de pensar de quem é a responsabilidade por essas mortes, seja dos governos municipais, estaduais e federal, das empresas, dos loteadores ou de outras entidades”, diz.
A inação na região serrana do Rio de Janeiro
Em fevereiro de 2023, portanto, depois da última tragédia, o g1 publicou a matéria, Em 2022, mesmo depois da maior tragédia climática da história, Petrópolis gastou apenas 15% do valor autorizado em habitação. O título diz tudo, não é preciso mais.
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Em fevereiro de 2024 foi a vez do jornal Tribuna de Petrópolis: 15 de fevereiro, dois anos depois e não há obras de prevenção.
Como aceitar a negligência?
“De cada R$ 1 destinado à resposta e recuperação a União aplicou apenas R$ 0,39 em prevenção”
O ônus da improvisação é comprovado pelos dados do Tribunal de Contas da União entre 2012 e 2023. Neste período, a recuperação custou ao governo federal RS 15,12 bilhões de reais. Mas apenas R$ 6 bilhões foram dirigidos para a prevenção. Em outras palavras, as milhares de mortes e a destruição da precária infraestrutura de muitos municípios não foram capazes de fazer o poder público mudar de atitude. Segundo relatório do TCU ‘para cada R$ 1 destinado à resposta e recuperação nos últimos 12 anos, a União aplicou apenas R$ 0,39 em prevenção.
Se o governo federal age com desleixo, imagine o que acontece nos municípios costeiros!
Litoral de São Paulo: São Sebastião caminha para ser o novo paradigma
Antes de mais nada, saiba que em 2019 o governo do Estado de São Paulo também criou o Programa Municípios Paulistas Resilientes.
Entretanto, o único município que agiu depois da tragédia do carnaval de 2023 foi São Sebastião. A prefeitura tem muito dinheiro a receber em razão dos royalties do petróleo. E além disso, há ONGs extremamente eficientes e vigilantes na região, como o Instituto Conservação Costeira que há anos cobra os prefeitos sobre moradores em áreas de risco, impede na Justiça obras geradas pela especulação imobiliária, denuncia quando ameaçam áreas de mangues, restingas, ou encostas de morros, etc.
Maria Antonia Civita, responsável pelo Instituto Verde Escola
Outra ONG da área que merece destaque é o Instituto Verdescola, criado por Maria Antonia Civita, e que ganhou o prêmio de melhor ONG em 2023. O foco principal é a educação com destaque para o ensino técnico, qualificação profissional, educação ambiental, e capacitação de adultos, entre outras.
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A ONG atende as crianças que moram nos sertões, muitas em áreas de risco, produto da migração que aconteceu no município em razão do porto e da frenética atividade da construção civil. Milhares de desvalidos mudaram-se para São Sebastião à procura de trabalho. Como nunca houve projetos de construção de casas populares, restou para eles as encostas da Serra do Mar.
Maria Antonia parece saber que estas pessoas jamais serão retiradas de onde estão, assim, a única saída é a educação. Neste sentido, o trabalho do Verde Escola é um paradigma.
Projeto Restaura Litoral Norte da ONG ICC
Este projeto de replantio nas 850 ‘cicatrizes’ na Serra do Mar, geradas pela tragédia do carnaval 2023, está a cargo do ICC com a aprovação da Fundação Florestal e patrocínio da Concessionária Tamoios, Gerando Falcões e uma rede de doadores. O método escolhido foi a dispersão aérea de sementes através de drones. No total, serão 30 milhões de sementes de árvores nativas.
Fernanda Carbonelli, responsável pelo ICC
Nós conversamos com Fernanda Carbonelli, responsável pelo ICC, e pela criação da APA Baleia Sahy. Ela contou que a ONG fez uma parceria com quatro escolas da região para que os próprios alunos ajudassem na feitura do novo mapa de risco (pós obras) entrevistando moradores da Vila Sahy, a mais atingida durante a catástrofe.
Segundo ela, houve uma reunião em 22 de agosto com grande parte da população atingida, numa mobilização inédita da Amovila – Associação de Moradores da Vila Sahy. O sistema de alertas via celular também foi inaugurado, bem como uma sirene instalada.
E o mais importante, 123 milhões em obras de contenção e drenagem com mais de 238 metros de alças de contenção europeias colocadas para conter enxurradas. Cada barreira flexível tem 4 m de altura, com capacidade de suportar até 18 t por m2. São 290 m2 de barreiras, e mil metros de galeria fluvial, além de um túnel com 2 metros de altura para canalizar a água por baixo da rodovia, até o rio Sahy.
Educando para o risco
Realista, Fernanda reconhece que os municípios não conseguirão retirar todas as pessoas que vivem em áreas de risco, devido à falta de vontade política e de verba suficiente. Por isso, ela acredita na importância de educá-las. Em parceria com escolas e com a Secretaria de Meio Ambiente de São Sebastião, Fernanda desenvolveu programas contínuos de educação ambiental. Enquanto isso, a prefeitura contratou o IPT para elaborar um novo mapa de risco.
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Apesar das obras realizadas, ainda falta a reestruturação da Defesa Civil. Como a prefeitura não tomou a iniciativa, a Justiça determinou, em junho de 2024, que o município apresente um plano de reestruturação da Defesa Civil contra desastres naturais dentro de 120 dias, segundo revelou o g1.
Assista ao vídeo do ICC e saiba mais
Assista a este vídeo no YouTube
Ubatuba, Ilhabela, e Caraguatatuba
Em um próximo post vamos mostrar como estes três importantes balneários paulistas, dependentes sobretudo do turismo, continuam omissos, alheios à realidade, e ameaçados pela especulação imobiliária e os eventos extremos.
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