Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá: ENTENDA
Segundo o ICMBio, as resex são áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais. Sua subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
CARACTERÍSTICAS
BIOMA: Marinho Costeiro
ÁREA: 36.678,24 hectares
LOCALIZAÇÃO: município de Curuçá, Pará
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 13 de dezembro de 2002
Tipo: uso sustentável
Plano de manejo: a UC não tem Plano de Manejo
Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá e novos problemas
A Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá tem os mesmos problemas de quase todas as outras UCs já visitadas: equipe mínima, sem ao menos um barco para a fiscalização, ou reconhecimento da área, e sem Plano de Manejo pelo mesmo motivo, falta de investimento. Mas, além destes, a Resex Mãe Grande de Curuçá passa por outra ameaça que pode decretar seu fim: o super porto do Espadarte, da Vale do Rio Doce, o quarto maior porto Off-Shore do mundo, previsto para ser construído no local.
O município de Curuçá
Distante 130 quilômetros de Belém, o município de Curuçá tem cerca de 35 mil habitantes que vivem basicamente da agricultura, a pesca, e o extrativismo. O novo terminal deverá ser construído na Ponta Romana, ilha dos Guarás, a apenas 10 quilômetros da sede do município. A ilha dos Guarás, parte de um arquipélago formado ainda pelas ilhas Ipemonga e Mutucal, localiza-se na foz do rio Curuçá.
A Ilha dos Guarás merecia ser uma Unidade de Conservação
Por falar nisso, a ilha dos Guarás, coberta por manguezais, merecia ser transformada em Unidade de Conservação. Estive lá quando fiz a primeira viagem pela costa brasileira, 2005 – 2007, e fiquei admirado com a absurda quantidade de Guarás que a utilizam como habitat.
É de impressionar qualquer um. No fim da tarde nuvens vermelhas cobriam o céu. Era a tradicional revoada destas aves de volta para o local onde dormem…Um dos 90 documentários que fiz nesta primeira série, para a TV Cultura, focalizava duas ilhas da costa paraense: Guarás e Algodoal.
Porto do Espadarte
As vantagens do novo porto seriam muitas: profundidade de até 26 metros, o que permitiria que recebesse qualquer navio; proximidade dos centros que importam minério de ferro, e proximidade maior das jazidas de Carajás. Atualmente o minério de ferro é transportado de Carajás para o porto de Ponta de Madeira, Maranhão, a 892 Km de distância. O novo porto encurtaria este trajeto para 520 Km. Neste caso, a região de Curuçá ganharia também com a chegada da ferrovia Norte Sul. Atualmente, a Estrada de Ferro Carajás (Carajás – porto Ponta de Madeira) transporta 120 milhões de toneladas de carga, e 350 mil passageiros por ano.
O novo porto exportaria grãos, minério de ferro, minério de manganês, ferro gusa e cobre.
Grandes obras e o meio ambiente
Mesmo com todos os cuidados, obras desta magnitude são sempre impactantes ao meio ambiente. Resta saber se os benefícios para a economia brasileira, em especial a paraense, compensam a perda ambiental que certamente haverá.
Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
Fomos recebidos pelo gestor, Walmir Jr., que nos contou sobre as peculiaridades desta UC. No entorno dela existem 65 comunidades. O forte é a extração de caranguejos-uçá, a pesca, e o camarão. Segundo Walmir, de 15 a 20 mil caranguejos são extraídos por semana.
A maior reclamação, ao conversar com os nativos, é a falta de fiscalização, e a diminuição dos estoques. Outro problema que começa a surgir, de acordo com Walmir, é a especulação imobiliária. Desde que se começou a falar no novo porto a ação dos especuladores foi sentida… E ainda existe a pesca de arrasto, feita muito próximo da costa, especialmente por barcos do Ceará e do Maranhão.
Faltam estudos na Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
Não se sabe ao certo a quantidade de caranguejos da resex, assim como não há dados sobre a pesca. Sobre a quantidade de famílias inscritas, o chefe da UC “estima em 4.500”. Se contarmos apenas três pessoas por família, seriam 13.500 dependentes da resex mas, normalmente, essa gente tem muito mais que apenas um filho. Podemos contar com cinco pessoas por família, o que daria um montante de 22.500 pessoas vivendo da extração. Outra peculiaridade é que existem três fazendas de camarão em seu território. Walmir explica que “aqui é diferente do Nordeste, os tanques para a criação ficam fora do mangue”.
Duas estão fechadas. A única que funciona é obrigada a mandar uma análise da água que devolve ao estuário, todos os meses, sob pena de ser fechada se não o fizer.
Curiosidade macabra na Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
Você sabia que um quilo da bexiga natatória da pescada-amarela, também chamada de ‘grude’, vale mil reais (no primeiro elo da cadeia produtiva: os pescadores artesanais)? Pois eu não sabia. Descobri no mercado de peixes de São João de Abade. Segundo o gestor da UC, Walmir Jr., a procura pelo ‘grude’ aumentou depois que o Ibama deu em cima de pescadores que vendiam a “aba” de tubarões, jogando fora o corpo do animal. “Aba” é como eles se referem à barbatana dorsal dos tubarões.
Tubarões mortos
Todos os anos milhares de tubarões são mortos em todos os mares do planeta, suas barbatanas são arrancadas, em seguida a carcaça do animal é jogada de volta ao mar. Isso se deve ao ‘paladar’ dos asiáticos que consideram a sopa de barbatanas uma ‘iguaria’.
Com a diminuição dos estoques mundiais começou a pressão internacional para que este massacre fosse impedido. Alguns países conseguiram brecar a aberração. O Brasil tentou. O Ibama, com apenas três barcos para fiscalizar a costa brasileira (outra prova contundente sobre o descaso do poder público quanto ao meio ambiente no Brasil), andou dando em cima dos pescadores, especialmente na região Norte onde a matança é mais constante. Diminuiu, mas persiste o massacre por aqui.
Bexiga natatória da pescada-amarela vale muito. Perigo à vista
Seja como for, depois desta pressão os pescadores brasileiros descobriram o valor internacional do quilo da bexiga natatória da pescada-amarela. Este é um problema mundial, ligado ao tráfico e animais silvestres.
O grude é iguaria gastronômica na China
Em fevereiro de 2002 a revista Veja publicou a seguinte informação: O grude é iguaria gastronômica na China. Os ingleses compram o produto para usá-lo como filtro e clareador de cerveja. As mesmas bolsas são matéria-prima para colas de alta performance nos EUA e na Alemanha. Depois de processado e transformado em lâminas como as de gelatina, o grude ganha o nome de issinglass e pode ser utilizado na composição de medicamentos, cosméticos, filmes fotográficos, móveis, instrumentos musicais e varas de pescar de grande resistência, em diversos países.
O GEPPAM (Grupo de Estudos Paisagem e Planejamento Ambiental) diz que
Ato criminoso contra a biodiversidade mundial
Lamento saber que a economia desta cidade foi “impulsionada” por cometerem mais um ato criminoso contra a biodiversidade mundial. Preocupado, perguntei ao gestor, Walmir Jr., se esta novidade não poderia comprometer nossos estoques da pescada-amarela. Walmir acha que não, e explica que a carne da pescada também é muito valorizada na região.
Quilo da bexiga natatória é vendido por até mil reais
Ao menos não vão jogar o peixe fora, como no caso dos tubarões… Mas não tenho tanta certeza de que nosso estoque não seria afetado. Esta gente é miserável. Não canso de dizer que faltam políticas públicas para os nativos da costa. Imagine o “apetite” dos pescadores pela pescada-amarela, cujo quilo da bexiga natatória é vendida por até mil reais. Fico pensando por quanto seria vendido o quilo para exportação, sabendo que, depois do peixe ser fisgado, a bexiga é retirada e revendida. Em seguida elas passam pela mão de mais dois, ou três atravessadores até chegarem ao porto e serem exportadas. A cada novo passo da cadeia o preço sobe no mínimo 50%.
40% dos peixes cartilaginóginos sofrem algum grau de ameaça de extinção
No Brasil 40% das cerca de 151 espécies de peixes cartilaginóginos, como os tubarões e arraias, sofrem algum grau de ameaça de extinção, em razão destas práticas medievais, da falta de fiscalização, e da pesca predatória. A análise é do próprio ICMBio.
Estrutura da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
Beira ao ridículo. Atualmente ela conta apenas com o chefe, Walmir, e mais um servidor que está em licença médica. Como sempre, a UC não tem barcos. Insisto: como cumprir seu papel, numa UC do bioma marinho, sem sequer um barco? Acorda ICMBio!! Isto é engodo, equivale a mentir ao público leigo que imagina que uma Unidade de Conservação marinha federal tenha as mínimas condições de trabalho. Não têm!! O novo presidente do ICMBio, Claudio Maretti, que acabou de assumir, deveria vir a público para denunciar esta indigência.
De acordo com o gestor, para funcionar plenamente a UC deveria contar no mínimo “com mais 8 a 10 servidores para ser eficiente”. E ter barcos, claro.
Epílogo
A vida de um catador de caranguejos é de uma dureza difícil de descrever. Todos os dias, na maré baixa, eles se embrenham mangue adentro para só saírem quase seis horas depois, quando a maré começa a encher.
Quando são muito bem sucedidos, trazem 40 a 50 caranguejos, vendidos a 1,66 reais a unidade. É mole? Nosso cinegrafista, João Andrade, sentiu na pela a brutal dificuldade de se locomover no imenso manguezal paraense.
SERVIÇOS
Não há restrição para a visitação deste tipo de UC. Mais informações em: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR4 – Belém
ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: Avenida Conselheiro Furtado, 1303 – Batista Campos – Belém/PA –CEP: 66035-350
TELEFONE: (91) 3722-1850
Assista ao documentário que produzimos durante a visita à Resex Mãe Grande de Curuçá
Caro editor a matéria é excelente pois mostra o quanto os pescadores e pescadoras artesanais são esquecidos pelas políticas públicas voltado para o setor pesqueiro dessa região paraense tão rica e diversificada. Como curuçaense fui um dos que contribuiu para organização das comunidades desde 1998 até a a criação da RESEX Mão Grande em Curuçá. Mas, como vc diz, todo trabalho que tivemos acaba sendo “um engodo, uma mentira aos menos informados”… Na verdade, a RESEX pouco acrescentou à vida pacata daqueles pescadores e pescadoras e catadores de mexilhão e outros frutos do mar.
Além da falta de infraestrutura como vc descreve e da esperteza de alguns na utilização de recursos, constituem-se nos problemas cruciais: a falta de organização do setor; a pesca de arrastão na embocadura e berçário das principais espécies de peixe dos rios da região que acabam com os cardumes; o sistema de “aviamento” que escraviza os pescadores; os atravessadores que lucram com o sacrifício dos pescadores; e, a falta de investimentos para melhorar a produção do pescado, desde a captura, a conservação até a comercialização do pescado. Por estas e outras que as RESEX’s precisam do olhar clínico do ICMBio/Ministério do Meio Ambiente para ministrar remédios eficazes a fim de que realmente funcionem…
Olá, Professor Senna, obrigado pelo correio. E parabéns pelo seu trabalho. Não sabia de sua participação na organização das comunidades. A Resex poderia ser muito mais eficiente se, de fato, tivesse recursos para cumprir suas tarefas. O objetivo é nobre mas, sem estrutura, barcos, pessoas dedicadas na equipe, o resultado fica comprometido. Enfim, temos que lutar mais, cobrar mais, chatear mais, quem sabe um dia nossas ‘ótoridades’ parem de se locupletar e pensem de fato nos brasileiros mais necessitados. Ao menos é o que espero conseguir. Abraços, vamos juntos nesta luta! Até breve!