Por que a Groenlândia e o Canal do Panamá interessam Donald Trump?
Por que a Groenlândia e o Canal do Panamá? Essa pergunta ocupa as capas de dezenas de jornais e revistas ao redor do mundo. Antes mesmo de iniciar seu segundo governo, Trump já gerava polêmicas. Ele afirma que ambos os territórios são cruciais para a segurança nacional dos Estados Unidos, apesar de serem nações soberanas. O paradoxo é evidente. Oficialmente, Trump nega a existência do aquecimento global, mas, de forma não oficial, parece reconhecer seus efeitos. A imprensa internacional, que questiona as razões por trás desse interesse, converge em uma explicação comum, ainda que com variações: o aquecimento global.
O New York Times repetiu as palavras de Robert C. O’Brien ex-conselheiro de segurança nacional de Trump ao canal Fox News: ‘A Groenlândia é uma rodovia do Ártico até a América do Norte, até os Estados Unidos. É estrategicamente muito importante para o Ártico, que será o campo de batalha crítico do futuro porque, à medida que o clima esquenta, o Ártico será um caminho que talvez reduza o uso do Canal do Panamá’.
A importância das passagens marítimas para a geopolítica
A entrevista do ex-conselheiro do presidente norte-americano destaca a importância geopolítica das passagens marítimas. Isso ocorre porque entre 80% e 90% do comércio mundial depende do transporte pelos oceanos. Um exemplo claro é o Estreito de Malaca, atualmente o maior gargalo da Ásia.
Deixemos as polêmicas de Trump para outros analistas, mas aproveitamos para reforçar a importância dos oceanos sob todos os pontos de vista, inclusive o abastecimento mundial.
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Duas dessas passagens já refletem os impactos do que Trump classifica como “farsa”: o aquecimento global. Com o avanço desse fenômeno, surge um cenário paradoxal. O Canal do Panamá enfrenta o risco de interrupção, enquanto a Passagem Noroeste, anteriormente bloqueada pelo gelo, pode se tornar navegável.
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Enquanto isso, muitas das outras grandes passagens marítimas enfrentam problemas devido à instabilidade política, e conflitos armados.
Quatro das grandes passagens marítimas enfrentam ameaças
Uma análise do Boston Consulting Group alerta para o fato de que quatro destas importantes passagens estão de certa forma comprometidas. ‘Atualmente, mais de 50% do comércio marítimo global está ameaça de perturbação em quatro áreas-chave do mundo.
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Este estreito de Ormuz, entre o Irã ao norte e os Emirados Árabes Unidos e Omã ao sul, é significativo tanto para o transporte de energia quanto para mercadorias.Cerca de 20% a 30% do comércio de petróleo passa por esse estreito e uma quantidade significativa de volumes globais de transporte.
O Estreito de Malaca, entre Singapura, Malásia e Indonésia, é a rota marítima mais curta entre a Ásia Oriental e o Oriente Médio e a Europa e responde por 30% do comércio global. Dois terços do comércio chinês passa pelo estreito de Malaca a cada ano, incluindo 80% de suas importações de energia.
O Canal do Panamá, conectando o Oceano Atlântico ao Pacífico, é responsável por 5% do comércio global de contêineres e cerca de 46% do comércio entre a costa leste dos EUA e a Ásia Oriental. Diante dos baixos níveis de água, a autoridade que administra o canal adotou medidas temporárias, incluindo a redução do número de trânsitos e a imposição de limites de peso para as cargas, visando manter a operação eficiente.
Groenlândia
Antes de mais nada, a Groenlândia foi uma colônia dinamarquesa até 1953 e agora é um território autônomo do Reino da Dinamarca.
Enquanto isso, a Deutsche Welle lembra que comprar territórios não é novidade. ‘Comprar a ilha é menos exagerado do que parece. No século XIX, os EUA compraram a Flórida da Espanha, a Louisiana da França, e o Alasca da Rússia. A própria Dinamarca vendeu sua parte das Ilhas Virgens no Caribe para os EUA por US$ 25 milhões em 1917’.
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Já a CNN lembrou que Trump não foi o primeiro presidente a querer comprar a Groenlândia. ‘Em 1867, quando o presidente Andrew Johnson comprou o Alasca, ele também considerou comprar a Groenlândia. No final da Segunda Guerra Mundial, a administração Truman ofereceu à Dinamarca US$ 100 milhões pela a ilha, de acordo com documentos relatados pela primeira vez pela mídia dinamarquesa.
Evidente disputa pelo Ártico
Apesar disso, há uma evidente disputa pelo Ártico entre Estados Unidos, Rússia, e China não só por sua riqueza natural, mas pela posição estratégica que ocupa. Essa foi a impressão quase isolada do Financial Times que reproduziu uma declaração de Trump que a maioria da mídia não destacou: “Precisamos da Groenlândia para fins de segurança nacional”, disse ele na terça-feira, mencionando a necessidade de dissuadir navios russos e chineses.
O FT ouviu John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, que confirmou: “A Groenlândia está intimamente ligada à nossa segurança por muitas razões e tem sido visivelmente desde a Segunda Guerra Mundial.”
E prosseguiu: “Sabemos dos repetidos esforços dos chineses para estender sua influência, eles querem se tornar uma potência ártica … Então, dada a proximidade geográfica da Groenlândia com os EUA … é obviamente um interesse estratégico”.
O mapa abaixo mostra qual seria a nova rota marítima caso o aquecimento global continue na mesma toada.
Porém, além de sua posição estratégica, a maior ilha do mundo também é rica em minerais indispensáveis para a transição energética.
A Dinamarca já recusou vender a ilha
Segundo Klaus Dodds, professor de geopolítica da Royal Holloway, Universidade de Londres, o que pode ser ainda mais atraente para Trump, no entanto, são os ricos depósitos de recursos naturais da Groenlândia.
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Estes incluem petróleo e gás, bem como os metais de terras raras em alta demanda para os carros elétricos e turbinas eólicas da transição verde, bem como para a fabricação de equipamentos militares.
A CNN revelou que a China domina a produção global de terras raras e já ameaçou restringir a exportação de minerais críticos e tecnologias associadas, antes do segundo mandato de Trump.
“Não há dúvida de que Trump e seus assessores estão muito preocupados com o estrangulamento que a China sugeriu”, disse Dodds à CNN. A Groenlândia oferece uma fonte potencialmente rica desses minerais críticos, acrescentou.
Quanto ao que pensam os 57 mil habitantes da Groenlândia, ou a comunidade internacional, bem, isso não faz parte dos interesses de Trump. Resta saber se ele acredita, ou não, no aquecimento do planeta.
Qual o seu palpite?