Pesca de tubarões aumenta, Brasil na contramão
Já cansamos de mostrar a esculhambação da pesca no Brasil e no mundo. Como disse o titã do ambientalismo, Enric Sala, a pesca parece uma conta bancária da qual só se retiram recursos, nunca é feito um depósito. Não pode dar certo. Infelizmente, notícias recentes nos fazem voltar ao tema. Uma delas, do Conexão Planeta de autoria de Suzana Camargo, fala sobre a apreensão de 20 toneladas de pescado no Rio Grande do Sul, dentre elas, tubarão-martelo. Para o leitor saber, a espécie está ‘criticamente ameaçada’ de extinção. A outra é do nopontosc.com.br. O site denuncia a apreensão de um pesqueiro de Itajaí com ‘toneladas de barbatanas de tubarões’. Na ciência, a espécie é conhecida como elasmobrânquios, que compreendem animais popularmente conhecidos como tubarões e raias, peixes com esqueleto cartilaginoso. Como se vê, aumenta a pesca de tubarões no Brasil.
Por que não se deve pescar tubarões
Os predadores do topo da cadeia alimentar têm a função de manter em boas condições os cardumes das regiões que frequentam. Por outro lado, mostramos que de 1970 para cá, as 31 espécies de tubarões e raias oceânicas diminuíram em nada menos que 70%, como demonstra estudo na Nature.
O que espanta é a rapidez. No curto espaço de uma vida humana, a diminuição das espécies atinge uma escala que, em outras eras, levaria séculos. Não é preciso lembrar que o planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos. Isso, mais uma vez, demonstra que o maior ‘predador’ do planeta é o ser humano moderno.
Além disso, em razão do aquecimento global, o mundo enfrenta vários problemas. Mas um deles, que nos coloca em risco, é a acelerada perda de biodiversidade. Ao mesmo tempo que esta predação, digamos, ‘normal’ ocorre na pesca, há uma atividade que é sinistra.
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Talvez o melhor termo seja horripilante: em outras palavras, a procura desenfreada de barbatanas de tubarões, quando pescadores submetem os animais a uma inominável tortura. Ao serem trazidos ao convés, têm suas barbatanas decepadas. Em seguida são atirados ao mar ainda vivos e sangrando para morrerem dolorosamente.
Por mais que tente, não encontro palavras fortes o suficiente para qualificar esta ação criminosa. Peixes são seres que, como nós, têm sistema nervoso. Como tal, sentem dor. Muitos dos ‘defensores de animais das redes sociais’ fazem um escarcéu com filmes que mostram cachorros ou gatos abandonados por seus donos. Palmas para eles.
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Mas, simultaneamente, não levantam um dedo para comentar a tortura a que são submetidos entre 70 a 100 milhões de tubarões que têm suas barbatanas decepadas anualmente!
Esta crueldade acontece para satisfazer asiáticos ricos e esnobes que oferecem sopa de barbatanas em suas festas (um caldo insípido já que é uma cartilagem). Copiam os ricos ocidentais inconsequentes que oferecem caviar em seus coquetéis.
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Apreendidos 230 kg de barbatanas de tubarões no CearáConheça o raro peixe regaleco, o ‘peixe do Apocalipse’Contaminação de tubarões por cocaína, RJ, choca a mídia estrangeiraAntes de mais nada, vamos lembrar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais pela Unesco que, em seu terceiro artigo enuncia: ‘Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis’, e ‘Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia’.
“Sem dor e angústia” cortando barbatanas e devolvendo-os ao mar? Como classificar um sujeito/empresa que faz disso seu ganha-pão em pleno terceiro milênio?
Universidade de São Paulo, a USP, a melhor do País
Em tempo: a USP, via a matéria da Unesp, é tão respeitada que a matéria foi traduzida para o inglês e publicada no repositorio.unesp.br com o título, The label “Cação” is a shark or a ray and can be a threatened species! Elasmobranch trade in Southern Brazil unveiled by DNA barcoding (O rótulo “Cação” é um tubarão ou uma arraia e pode ser uma espécie ameaçada! Comércio de elasmobrânquios no sul do Brasil revelado por DNA barcoding).
Duas empresas no Brasil têm autorização do Ibama para exportar barbatanas de tubarões: Kowalski, e KDN, ambas de Itajaí
Voltamos à matéria do nopontosc.com.br, ‘No início de fevereiro de 2023, o IBAMA realizou ação de fiscalização conjunta com a Sea Shepherd Brasil em empresas que comercializam barbatanas de tubarão em Itajaí.’
A matéria não cita nomes, mas descobrimos que trata-se da Comércio e Indústria de pescados Kowalski e da KDN Indústria e Comércio de Pescados, ambas têm ‘autorização’ para torturar e matar tubarões, pode?
Desafio para Marina Silva: proibir definitivamente a exportação de barbatanas de tubarão
Segundo dados das próprias empresas, ambas empregam entre 1 e 10 funcionários. Você acha que compensa a matança e tortura de animais selvagens para gerar 20 empregos diretos?
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Eis aí um bom desafio para Marina Silva. Ela só provará que também se importa com o bioma marinho, e não apenas a Amazônia, se proibir definitivamente a exportação de barbatanas de tubarões. Uma imbecilidade que nos diminui perante o concerto das nações.
Voltando ao texto da nopontosc.com.br, ‘Durante a operação, também foram expedidas multas a comerciantes e coletas de amostras de tubarões vendidos, tanto barbatanas quanto postas no mercado local.’
‘Esta operação fiscaliza potenciais ilegalidades na origem da pesca e comércio de tubarões. A equipe investigou dezenas de toneladas de barbatanas de tubarão de duas empresas pesqueiras – o que equivale a milhares de tubarões pescados – além da fiscalização de peixes vendidos no mercado local, notável por uma alta presença de comercialização ilegal destes animais.’
Finalmente, para Juan Pablo Torres-Florez, Coordenador Técnico da Sea Shepherd Brasil, ‘Hoje o Brasil tem 40% de suas espécies (de tubarões e raias) em risco de extinção. Porém, segue sendo o maior mercado para a carne de tubarão no mundo. Neste cenário, vemos um controle do esforço pesqueiro, monitoramento de desembarques e eventuais cotas de captura muito precárias, em particular para tubarões e raias. Uma presença mais constante do IBAMA com a Sea Shepherd em apoio à fiscalização é essencial e urgente para a preservação destes animais essenciais para a saúde do oceano’.
Quando digo que a pesca no Brasil é uma esculhambação é porque, entre outras, não temos estatísticas de pesca desde 2017. Além disso o Ibama, a quem compete fiscalizar, tem apenas três barcos! E tem mais: quem ‘autorizou’ as duas empresas de Itajaí para exportarem barbatanas de tubarão foi o Ibama!!
Ou isto é uma esculhambação, ou avacalhação. Você decide.
Tubarões-martelo
A matéria de Suzana Camargo diz que a operação do Rio Grande do Sul, por parte do Ibama e a secretaria de meio ambiente do Estado, apreendeu ’22 toneladas de pescado. Dentre elas 340 tubarões-martelo, e dez bagres brancos também sob ameaça.’
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Segundo Suzana, a operação visava coibir a pesca do camarão-rosa. Mas o resultado foi o acima descrito. ‘Três pessoas foram presas.’
Imagine o que encontrariam se o Ibama realmente tivesse condições mínimas de cumprir sua obrigação de fiscalizar. É muito triste observar a especulação imobiliária arrebentando o que sobra de nossas praias, ao mesmo tempo em que nossas águas territoriais são depredadas pela pesca industrial de Itajaí, e pelos chineses com suas frotas ilegais.
O papel do consumidor de peixes no Brasil
É importante que cada consumidor de pescados saiba o que está por trás da venda de peixes nos mercados. É mais importante ainda, que o consumidor se preocupe em saber a origem do peixe que leva para casa. Ou seja, se ele está comprando um peixe cuja espécie não corre riscos ou se, ao contrário, ele sem saber consome peixes ameaçados de extinção.
O consumo de pescados per capita no Brasil
Segundo o site do governo federal, ‘O pescado reúne todos os peixes, crustáceos (camarões), moluscos (ostras e mexilhões), anfíbios (rãs), répteis (jacaré e tartarugas), equinodermos (ouriços e pepinos-do-mar) e outros animais aquáticos usados na alimentação humana. Segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo dessa proteína deve ser de forma harmônica e de no mínimo 250 gramas semanais, divididas em duas refeições.’
Agora, preste atenção nesta informação: “No Brasil, o consumo de peixes pela população é, em média, de aproximadamente 9 kg/habitante/ano. A recomendação da FAO é de 12 kg/habitante/ano (Lopes; Oliveira; Ramos, 2016).”
Em outras palavras, consome-se pouco pescado no Brasil. Isso significa que o consumo tende a aumentar com o esforço do governo (seguindo recomendações da FAO), e da própria indústria pesqueira de Itajaí.
Brasil, o maior mercado para a carne de tubarão no mundo
Então, você igualmente sabe que 40% das espécies de tubarões/cações do País estão ‘em risco de extinção’. Do mesmo modo, ficou sabendo que a indústria de pesca de Itajaí, apesar de estar ciente deste fato, pesca até mesmo tubarões-martelo ‘criticamente ameaçados’ de extinção.
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Esta tendência do crescimento do consumo de pescado reforça o papel do consumidor em procurar saber a origem do que leva para sua mesa. E temos um problema grande pela frente porque a indústria pesqueira e o governo se omitem sobre o consumo de tubarões/cações, apesar de sermos o maior consumidor da espécie no mundo.
‘Carne de cação’, uma das mentiras da indústria da pesca de Itajaí
O fato concreto é que a indústria de Itajaí mente ao batizar a carne de tubarão como ‘cação’. E o poder público, neste caso Ibama, finge que não vê. Isso é uma tapeação barata contra o consumidor.
Se os pacotes dos supermercados mencionassem a verdade, ou seja, ‘Carne de Tubarão’, o consumidor ou não compraria, ou diminuiria o consumo. Mas a falsidade prossegue impunemente em Pindorama.
Contudo, até no exterior a fraude é conhecida. Apenas uma das provas é a matéria da conceituada revista Forbes, Mislabeling Shark Meat In Brazil Is Cause For Concern (Rotulagem incorreta de carne de tubarão no Brasil é motivo de preocupação).
A matéria aborda as ‘práticas de pesca insustentáveis, colocando em risco a vida selvagem marinha’. E destaca que a prática ‘ameaça os meios de subsistência de muitas populações. A Economia Oceânica Sustentável da OCDE relata que três bilhões de pessoas dependem do oceano para sua subsistência’.
E prossegue a Forbes: ‘O comércio ilegal de espécies ameaçadas (ou produtos desses animais) é frequentemente ocultado por rotulagem incorreta deliberada ou inadvertida. E uma espécie em que vemos isso acontecer repetidamente são os elasmobrânquios (tubarões e raias). Apesar de sua vulnerabilidade e risco de extinção, o comércio de carne de tubarão aumentou.’
Ela aborda a inverdade: ‘Para falar sobre o consumo de elasmobrânquios, é preciso olhar para o Brasil, que é o maior consumidor mundial de carne de tubarão. O país frequentemente serve a fonte barata de proteína em refeitórios escolares e universitários, mas não está claro que espécie está naquele prato, pois é simplesmente rotulado como “cação”.
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Leia também matéria do jornal.unesp.br confirmando que o maior importador de carne de tubarão é o Brasil. Em outras palavras, além da matança que ocorre no País, ainda somos o maior importador do mundo! Por quê? Porque os brasileiros consomem demais esta espécie ameaçada mundialmente.
É preciso mais informação para mudar radicalmente esta situação que nos envergonha e que pode ser perigosa para a saúde da população conforme mostramos abaixo.
Porque você não deve consumir tubarões/cações
Muitos brasileiros fazem confusão. Acham que cação é uma espécie; tubarão, outra. Engano. São nomes diferentes para o mesmo peixe.
Os tubarões ou cações são muito mais antigos do que os primeiros dinossauros, insetos, mamíferos ou mesmo árvores. Eles estavam no mar antes que os primeiros animais deixassem os oceanos para caminhar na terra, antes de nossos continentes se dividirem.
Como se vê, são animais que enfrentaram todos os tipos de ameaças que surgiram no planeta exceto uma, o ser humano mal informado. Por isso, hoje eles estão ameaçados de extinção. Aos cações/tubarões resta apenas uma chance: o nosso poder de escolha como consumidores.
Um estudo feito por brasileiros e publicado em novembro de 2016 na revista científica Marine Policy, entre eles um biólogo da Universidade Federal do Paraná, alerta para os riscos ambientais do consumo inadvertido desse tipo de peixe no Brasil.
Hugo Bornatowski, um dos autores e biólogo da UFPR, sugere que a indústria pesqueira nacional sediada em Itajaí, conhecedora da confusão de nomes no Brasil, mata os tubarões mas, ao vender a carne do animal filetada as batiza como ‘cações’.
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Com isso, várias espécies selvagens ameaçadas de extinção vão pra mesa dos que comem cações/tubarões.
O perigo da contaminação por mercúrio
Por último, é bom saber que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA e a Food and Drug Administration recomendam que mulheres grávidas ou amamentando, mulheres que possam engravidar e crianças, que evitem completamente o consumo de espadarte, tubarão/cação (Apesar de dois nomes são o mesmo animal), cavala, atum e albacora. Além disso, não se deve consumir mais de 340 gramas por semana de outros peixes e mariscos. Se você exagerar em uma semana, reduza na seguinte para manter o consumo médio dentro dos limites sugeridos.
Para saber como os predadores estão contaminados por mercúrio clique neste link. E saiba que este tipo de recomendação das agências norte-americanas jamais acontecerá no Brasil. O governo é omisso, enquanto a indústria de Itajaí tapeia os consumidores conforme demonstramos.
Por que o Mar Sem Fim insiste nestas matérias?
Antes de encerrar, insistimos em matérias como estas porque no Brasil o consumidor não sabe o que está por trás daquilo que leva para a mesa. Muitas vezes são barbaridades como as demonstradas neste post. Pesca excessiva de espécies ameaçadas mundialmente é apenas uma delas. Sem falar na tortura sofrida por animais que têm suas barbatanas arrancadas!
Atenção caro leitor, todas estas indecências acontecem em plena Década dos Oceanos da ONU!
Enquanto o consumidor continuar calado ante estes fatos, ou seja, sem pressão da opinião pública, o poder público prosseguirá oferecendo carne de tubarão em ‘refeitórios escolares e universitários‘, como disse a Forbes, muito menos mudará sua atuação negligente, espúria, e imprudente com relação à pesca e ao bioma marinho como um todo.
Imagem de abertura: jornal da Unesp