Personagens históricos da costa brasileira, conheça Caramuru e Hans Staden
A costa brasileira tem uma enorme série de predicados. Algumas das paisagens mais bonitas do País é um deles. Com contornos ora sutis, como o das dunas e falésias nordestinas com seus tons pastéis; ora dramáticos, como o dos costões rochosos do Sudeste, com pequenas baías intercaladas por praias e promontórios. E tudo emoldurado pelo verde escuro da mata atlântica. Uma das cerejas do bolo são as lindas embarcações típicas, fruto dos encontros entre os indígenas, europeus, e escravos vindos da África. Estão presentes de um extremo ao outro. Os personagens históricos da costa brasileira representam uma riqueza que, embora às vezes passe despercebida, merece uma divulgação melhor.
Europeus que vieram no século 16
O padre José de Anchieta, Hans Staden, Caramuru, Jean de Lery, Iça-Mirim (filho do cacique carijó da atual baía da Babitonga, SC), Arosca (que viveu até os 95 anos na França), o cacique Cunhabebe, conhecido pela Paz de Iperoig, e o pirata Thomas Cavendish, que devastou Santos e São Vicente, enfrentou um motim em Ilhabela que originou os caiçaras de olhos azuis que até hoje vivem no Bonete ou Castelhanos, e se tornou o terceiro navegador a completar uma circum-navegação do globo, além do enigmático Bacharel de Cananéia, estão entre os pioneiros que marcaram a história do nosso litoral. Alguns desses personagens, como Hans Staden, Jean de Lery e José de Anchieta, deixaram relatos detalhados das praias e aldeias que visitaram, contribuindo para o registro de nossa primeira história.
Outros, conhecemos por meio de relatos de terceiros. O fato é que esses pioneiros merecem mais investigação histórica e maior divulgação. Eles viveram em um Brasil semi-virgem que jamais voltará, descrevem as tradições indígenas e o início da miscigenação, se encantaram com a mata atlântica e sua notável biodiversidade. Esses personagens foram responsáveis pelos primeiros assentamentos que deram origem às cidades em que vivemos hoje.
É fundamental divulgar mais sobre esse rico período histórico. Através de cartas e documentos, podemos vislumbrar a inigualável pujança do litoral brasileiro nos tempos antigos e entender melhor os costumes da época. Um desses personagens, cujo nome todos aprendem na escola, é Diogo Álvares, o Caramuru, uma figura pitoresca e intrigante da nossa história.
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Esse singular personagem entra para a história durante a chegada da quarta frota lusitana ao Brasil, comandada por Martim Afonso de Sousa, entre 1530 e 1532. A história de Caramuru sobreviveu às incertezas do tempo, graças a um diário de bordo, possivelmente o mais famoso de todos, escrito por Pero Lopes de Souza, irmão do capitão.
Foi a partir desse raro documento que, pela primeira vez, soubemos do personagem adotado pelos Tupinambás. Caramuru era, em seu tempo, uma espécie de “dono” da Bahia. Além disso, ele construía embarcações típicas, como os caravelões, e, com elas, exercia seu domínio sobre aquela parte do litoral. Quem relata sua história a partir de fontes primárias, é o escritor Eduardo Bueno em seu livro “Capitães do Brasil.”
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Uma luminosa manhã de março de 1531
“A frota de Martim Afonso entrou na baía de Todos os Santos na manhã de 13 de março de 1531. Aquele extraordinário ancoradouro – ‘largo o suficiente para abrigar todas as frotas da Europa’, nas palavras de Pero Lopes, já era conhecido desde 1502 quando a ele haviam chegado os navegadores Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio, que o batizaram com o nome que ainda mantém.”
“Durante alguns anos, os portugueses também haviam ali mantido um entreposto para recolhimento de pau-brasil. Mas esta feitoria fora desativada por volta de 1525 e, desde então, a baía de Todos os Santos era frequentada principalmente por franceses e espanhóis.”
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“Tão logo puseram os pés em terra, Martim Afonso e seus soldados encontraram, estrategicamente instalado nas proximidades do atual Farol da Barra, o misterioso homem branco a quem os nativos chamavam Caramuru. Era um náufrago português que há mais de 20 anos vivia entre os tupinambás. Uma reputação misteriosa o envolvia então – e o passar do tempo apenas se encarregaria de adensá-la.”
“Caramuru era Diogo Álvares. Natural de Viana, no norte de Portugal, ele fora o único sobrevivente do naufrágio que, por volta de 1509, engolira seu navio nos traiçoeiros baixios do rio Vermelho, que fica a poucos quilômetros ao norte da ponta do Padrão (atual Farol da Barra).”
“Os tupinambás o encontraram entre as rochas costeiras – circunstância que acabou lhe dando o apelido indígena: em tupi, caramuru designa uma espécie de moreia, ou enguia, que vive entre as pedras.”
A tribo acolhe Diogo Álvares
“Acolhido pela tribo, Álvares, então com 17 anos, se uniu a Paraguaçu, filha de Itaparica, o líder Tupinambá e senhor da ilha que mantém o seu nome. Instalado na Ponta do Padrão, e já chamado pelos nativos Caramuru, ele passou a fornecer víveres e auxílio a traficantes franceses e exploradores espanhóis, em troca de anzóis, manchados e até mesmo vinho.”
Ele também deve ter convivido com alguns dos piratas que atormentaram as populações das vilas recém-fundadas.
“…Ao longo dos anos Caramuru iria estreitar laços de amizade com os frequentadores mais assíduos das paragens onde se estabelecera: os contrabandistas franceses de pau-brasil.”
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As guerras na Baía de Todos os Santos narradas por Martim Afonso e sua tropa
O trecho abaixo não está no livro de Eduardo Bueno, mas no próprio Diário de Bordo de Pero Lopes de Souza cuja cópia temos em mãos. O trecho fala das tradições guerreiras dos tupinambás e seus inimigos.
Com a palavra, Pero Lopes: “Estando nesta baía no meio do rio pelejaram 50 canoas de uma banda, e 50 de outra. Que cada uma traz 60 homens…e pelejaram desde o meio dia até o sol posto.”
Já imaginou o tamanho das árvores que transformam em canoas, cada uma capaz de transportar 60 pessoas?
“As 50 canoas, ou ‘igaras’ que estavam surtos foram vencedores; e trouxeram muitos dos outros cativos e os matavam com grandes cerimônias, presos por cordas, e depois de mortos os assavam e comiam…”
De exílio tropical, Caramuru vai à França
Voltamos a Eduardo Bueno…”Essa ligação se tornou tão explícita que, no segundo semestre de 1528, Caramuru interrompeu seu exílio tropical para visitar a França. Quem o conduziu até lá provavelmente foi o capitão italiano Girolamo Verrazano, comandante de um dos inúmeros navios que constituíam a frota particular de Jean Ango, visconde de Diepe.”
“Existem indícios de que o piloto do navio com qual Verrazano chegou à Bahia em maio de 1528 era jacques Cartier – um dos principais navegadores a serviço de Jean Ango.”
Um badalado casamento em Saint-Malô
“Uma vez na Franca, Diogo Álvares se casou com Paraguaçu, logo após ela ser batizada com o nome de Catarina. Sua madrinha foi Catarina des Granhes, esposa de Cartier. Que outro motivo poderia explicar a ligação entre a refinada senhora des Granhes e Paraguaçu, se não o fato de ter sido seu próprio marido que levara a exótica ‘princesa’ indígena para a França?”
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“Numa cerimônia presenciada pelo casal Cartier e por vários representantes da elite local, Diogo “Caramuru” Álvares e Catarina de Paraguaçu se casaram em Saint-Malô no dia 30 de julho de 1528.”
Não é fantástico um náufrago lusitano vivendo entre índios num país recém-apresentado ao mundo, dar um pulo na França para se casar com a filha do chefe Tupinambá?
A filha de um cacique Tupinambá na França
O que teria passado pela cabeça da jovem Paraguaçu saída do sertão, onde vivia pelada sem medo de mostrar ‘suas vergonhas’, para embarcar numa ‘nave’ nunca antes avistada e navegar para o desconhecido… a Europa?
Como teria avaliado o ambiente, as roupas da época que deve ter usado, ou os salões dos nobres? De uma oca às margens da baía de Todos os Santos, para o centro da Europa…
Teria conseguido se comunicar, estaria com saudades das guerras travadas na baía de Todos os Santos, e consequente banquete com os perdedores?
O mais curioso foi a decisão do casal, de voltar ao país após o enlace: “…em março de 1531 lá estava Caramuru outra vez no Brasil, de volta à aldeia que o acolhera.”
Este retorno nos lembra a figura do escudeiro Fernão Lopes, nascido em Lisboa na virada do século 15 para o 16, que passou 30 anos em solidão na ilha de Santa Helena.
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Quando o resgataram e o levaram à presença do rei de Portugal D. João III, tudo que pediu foi a sua volta à solidão na ilha perdida no Atlântico Sul.
Teria Caramuru sentido saudades da libertinagem em que vivia com suas várias mulheres? Não sabemos. Tudo que se sabe é que ele e Paraguaçu retornaram à Bahia.
Hans Staden no litoral Sudeste
Hans Staden, um aventureiro alemão, esteve no Brasil duas vezes logo após a “descoberta” do território. Em sua segunda viagem, a expedição liderada pelo Almirante Sanabria naufragou na costa sul, próximo a Santa Catarina, no ano de 1550.
Desta vez, conhecemos a história de Hans Staden por suas próprias palavras. Após inacreditáveis aventuras na costa brasileira, incluindo ser capturado e ameaçado de se tornar banquete dos Tupinambás durante os mais de nove meses em que foi mantido como prisioneiro, Staden conseguiu escapar e retornar à Europa, onde publicou um clássico, um dos primeiros best-sellers sobre o novo País.
Depois de outro naufrágio, desta vez próximo a Itanhaém, Staden e alguns de seus companheiros conseguiram chegar ao que era conhecido como Porto dos Escravos, na região de São Vicente (fundada por Martim Afonso em 1532, após deixar a Bahia — curioso como essas histórias se entrelaçam). Lá, ele acabou empregado como arcabuzeiro no Forte de Bertioga.
Na apresentação da edição de sua obra pela editora da USP, afirma-se que “historicamente, Hans Staden foi o primeiro navegador a registrar suas experiências em um livro, obra que o tornou célebre por séculos e se consolidou como uma das fontes mais respeitadas da etnografia sul-americana.”
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“Mais de cinquenta edições de seu relato, em alemão, flamengo, holandês, latim, francês e português dão testemunho de sua invulgar importância… A obra é valorizada pelas xilogravuras que devem, sem dúvida, ter sido feitas sob sua orientação”
Staden trabalha em Bertioga
O relato é de Hans Staden, “A cinco milhas distante de São Vicente se encontra a povoação de Bertioga…cerca de dois anos antes de minha chegada havia resolvido construir em Bertioga, à maneira dos selvagens, um forte para a defesa contra os adversários…”
“Seus inimigos, os Tupinambás, observaram isso e armaram-se. Uma noite vieram em 70 canoas e atacaram, segundo seu costume, às primeiras horas da madrugada.”
Depois da refrega, diz Staden, “pareceu conveniente aos comandantes não abandonar o lugarejo, mas fortificá-lo o máximo possível porque de lá se podia defender toda a região. E assim aconteceu.”
“Determinaram por isso construir bem em frente de Bertioga, na ilha de Santo Amaro (onde hoje fica Guarujá), próximo ao mar, uma casa, destinando-lhe uma guarnição e peças de artilharia com intenção de impedir a passagem dos índios. Fui lá a examinei a situação do lugar.”
As ruínas deste forte, a Fortaleza de São Felipe, ainda podem ser vistas hoje.
“Quando os habitantes souberam que eu era alemão e que entendia um pouco do manejo dos canhões, propuseram-me que me estabelecesse na casa da ilha e que os ajudasse na espreita do inimigo.”
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Hans Staden mal sabia que seu calvário estava prestes a começar. Ao falar da casa fortificada na ilha de Santo Amaro, não confundir com o Forte de São João de Bertioga, também chamado Forte de São Tiago, em pé até hoje, provavelmente erguido em 1560.
‘Como fui aprisionado pelos selvagens’
“Como eu caminhasse através da selva, levantou-se de ambos os lados do caminho um grande alarido, como é de hábito entre os selvagens. Essa gente correu para mim, e reconheci que eram índios. Eles cercaram-me, visaram-me com arcos e fechas, e assentaram-me. Então exclamei: Que Deus salve minha alma!”
“Mal tinha pronunciado estas palavras abateram-me ao solo…”
Staden foi levado até à praia pelos índios onde estavam suas canoas. “Estavam, como era costume, ornados de penas, e mordiam seus braços, a fim de significar a ameaça que iriam devorar-me.”
“À minha frente ia um chefe com o tacape que empregam para abater os prisioneiros. Discursava e narrava que em mim haviam aprisionado e feito escravo a um peró (Os Tupinambá assim chamavam os portugueses, seus inimigos, e Mair aos franceses seus aliados).”
“Lá estava eu, rezando e olhando em torno, porque esperava o golpe. Afinal o chefe que queria possuir-me, tomou a palavra e disse que deviam conduzir-me vivo para casa, afim de que suas mulheres também me vissem com vida e tivessem o divertimento que lhes cabia à minha custa.”
“Assim convieram e ataram-me quatro cordas no pescoço. Tive que subir a uma das canoas enquanto os índios ainda ficavam na praia. Prenderam-me então firme as pontas das cordas à canoa e empurraram-na n’água afim de seguir para casa.”
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Os Tupinambá eram hábeis navegadores costeiros
No século 16, quem vinha ao Brasil era ‘a fina flor’ dos melhores navegadores de sua época. Os portugueses, um dos povos mais avançados na arte da navegação, tinham acabado de iniciar o processo que hoje chamamos de “globalização,” ao descobrir e compartilhar com outros europeus as rotas marítimas que ainda utilizamos.
Ao perceberem que o caminho natural para quem partia da Europa rumo às Índias passava por Pindorama, devido aos ventos e correntes, os portugueses transformaram o Brasil em uma escala estratégica e um estaleiro essencial para a Carreira das Índias.
O encontro com navios de diferentes tamanhos e sistemas vélicos de países como Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda, combinado com técnicas indígenas e africanas, resultou em uma incrível variedade de embarcações típicas que começaram a ser construídas no Brasil.
Isso era essencial, já que não havia outra forma de comunicação entre as capitanias. O impressionante é que muitas dessas embarcações ainda estão em uso até hoje em diversos estados costeiros, como as jangadas no Ceará, os botes no Rio Grande do Norte e as baianas no Maranhão, sem mencionar as canoas caiçaras, uma herança direta dos indígenas do século 16.
Por três dias a frota de canoas dos Tupinambás, com Staden como prisioneiro, percorreu o litoral norte paulista até chegarem ao que hoje conhecemos como Angra dos Reis. À noite paravam em alguma praia para descansar, retomando a navegação ao amanhecer. Eles navegaram entre Ilhabela e São Sebastião, contornaram Ubatuba e continuaram até alcançar o Rio de Janeiro, mais de cem milhas à frente!
De Bertioga para Mangaratiba, Rio de Janeiro, em três dias de canoa
“…Tínhamos levado três dias de caminho e percorrido de Bertioga, onde eu tinha sido aprisionado, trinta milhas.” Quando nos aproximamos vimos uma pequena aldeia de sete choças. Chamavam-na Ubatiba…”
Há uma certa confusão entre os leitores do relato de Hans Staden. Alguns imaginam que a aldeia mencionada ficava na ilha hoje chamada Anchieta, antiga ilha dos Porcos, em Ubatuba. No entanto, o nome “Ubatiba” era comum na época. Ao prestar atenção nas notas explicativas do livro, descobre-se que, na verdade, a aldeia estava localizada em Mangaratiba, no Rio de Janeiro.
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Nesta aldeia, nosso herói passou quase um ano convivendo com os indígenas e seus líderes, observando seus costumes, a forma como pescavam e caçavam, o preparo dos alimentos, suas crenças e lutas tribais, entre outros aspectos.
Quase o mataram inúmeras vezes
Hans Staden relatou tudo em parágrafos ricos e detalhados, mesmo tendo chegado várias vezes perto de ser morto a golpes de porrete e, em seguida, devorado.
Enquanto isso, para manter-se vivo, Staden dizia ser francês, negando veementemente ser um peró que os Tupinambá tanto odiavam. Até que um dia surgiu um francês aliado dos indígenas.
Mais que depressa, Hans Staden foi levado ao seu encontro para que tirassem a dúvida. Seria ele um Mair (francês), ou um Peró (português)?
“Conduziram-me então nú ao francês. Era um jovem a quem os índios chamavam Caruatá-uará. Ele falou-me em francês e não pude entendê-lo. Os selvagens rodeavam e ouviam-nos. Como não pude responder-lhe, disse lhes o francês na língua dos nativos: “Matai e comei-o, esse biltre; ele é bem português, vosso inimigo e meu.”
Mas, como um gato de sete vidas, Staden foi poupado, e levado ao grande chefe da época, o temível Cunhabebe.
Na aldeia de Cunhabebe
“Alguns dias depois, conduziram-me a uma outra aldeia, que chamavam Arirabe, ao chefe Cunhabebe. Este era o mais nobre dentre todos os chefes. Em sua morada haviam-se reunido ainda alguns outros e à sua maneira tinham preparado uma grande festa. Por isso ordenou o Cunhabebe que fosse eu trazido para lá naquele dia.”
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Uma índia de presente para Hans Staden
Habilidoso, Hans Staden sobreviveu mais uma vez. Ganhou até mesmo uma índia pra chamar de sua, ‘como presente’, enquanto estava preso. Participou de algumas batalhas entre os Tupinambá e seus inimigos, sempre escapando da morte por um triz, numa aventura que mesmo o mais criativo romancista não conseguiria imaginar.
O relato de uma das mortes de europeus prisioneiros
Enquanto lutava para permanecer vivo, assistiu e relatou a morte de vários europeus ou índios inimigos também aprisionados. “Arrastaram-no diante da choça do chefe Guaratinga, e dois o mantiveram, pois estava tão doente que não percebeu o que queriam fazer dele. O homem, a quem haviam incumbido da matança, veio e deu-lhe uma pancada na cabeça, que fez saltar os miolos. Depois o largaram em frente da choça e queriam comê-lo.”
“Decepou-lhe a cabeça, pois o carijó tinha só um olho e tinha má aparência…atirou fora a cabeça, chamuscando a pele do corpo sobre o fogo. Picou-o depois, repartindo-o com outros, em partes iguais, como é usado entre eles. Consumiram-no todo, menos a cabeça e tripas, das quais tiveram nojo…”
O contrabando de pau-brasil pelos franceses
Enquanto passavam os dias e as semanas, Staden via frequentemente os franceses em negociatas com os tupinambás. Eles os presenteavam em troca da madeira que nos deu nome, o pau-brasil.
“Aí costumavam os franceses fazer carregamento de pau-brasil. Vieram num bote até a nossa aldeia e compraram dos índios pimenta, macacos e papagaios…”
Começava o tráfico de animais silvestres que perdura até hoje.
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As batalhas navais entre indígenas
“Também o chefe Cunhabebe veio aí com suas canoas…Eram trinta e oito canoas, guarnecidas cada uma com mais ou menos dezoito homens. Alguns deles tinham feito profecias sobre a guerra através de seus ídolos, sonhos e outras bobagens…”
Navegando entre Ilha Grande e Ilhabela
Hans Staden e seus captores navegavam frequentemente entre a baía de Ilha Grande e Ilhabela. Em uma dessas ocasiões, eles o levaram novamente à aldeia de Cunhabebe. Apesar da cena aterrorizante que encontrou, Staden a descreveu com frieza e precisão: “Durante isto (a visita em sua oca), Cunhabebe tinha à sua frente um grande cesto de carne humana.”
Cunhabebe se esbanja com carne humana
“Comia de uma perna, segurou-ma diante da boca e perguntou-me se também queria comer. Respondi: Um animal irracional não come um outro parceiro, e um homem deve devorar outro homem? Mordeu-a então e disse: Jauára ichê. ‘Sou um jaguar’. ‘Está gostoso’. Retirei-me dele, à vista disso”.
A salvação afinal
Dizem que um dia a sorte vira. E este dia chegou para Hans Staden. Ele nos conta como aconteceu no capítulo, ‘Como eu logo depois fui dado de presente, e como veio da França um outro navio, o Catherine de Vetteville que, pela graça de Deus, me resgatou’.
No vilarejo de Taquaraçú-tiba
Staden estava no vilarejo de Taquaraçú-tiba, na oca do chefe Abatí-poçanga, ‘quando um dia me procuraram alguns selvagens e disseram que tinham ouvido atirar (tiros de canhão de navios). Devia ser no porto de Niterói, que também é chamado Rio de Janeiro…’
“Tinha-lhes sido ordenado (aos selvagens) trazer-me a bordo, e isto deviam eles empreender por todos os modos…Com estas informações levaram-me a bordo, e meu amo me acompanhou.”
Staden foi “dado como presente” ao chefe, e ambos subiram a bordo do navio. Lá, Staden combinou com o capitão que alguns tripulantes que se parecessem com ele fingissem ser seus irmãos e exigissem seu retorno.
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‘Tal desejo tinha sido exposto aos índios’…E depois de escaramuças a bordo, o alemão convenceu o chefe que iria com os europeus, mas voltaria assim que pudesse.
A despedida
“Principiou (o chefe indígena) a vociferar, dizendo que devia voltar com o primeiro navio, pois me havia tratado como filho e ficado muito enraivecido com os (índios) de Ubatiba.”
Facas machados, espelhos e pentes
“E uma de suas mulheres que estava junto a bordo, teve, segundo seu costume, de lamentar-me em altas vozes e lastimei-me também, como entre eles é hábito. Depois deu-lhe o capitão algumas bugigangas, facas machados, espelhos e pentes, no valor de cinco ducados, com o que partiram à terra em busca de suas habitações.”
“Assim livrou-me o Senhor todo poderoso, Deus de Abraão, de Isaac, e Jacó, do poderio dos bárbaros cruéis… No ano da graça de 1554, no último dia de outubro, desferramos as velas no porto do Rio de Janeiro e rumamos para a França.”
Terminava o calvário de Hans Staden em sua segunda e última viagem ao Brasil. Poucos anos depois, lançava na Europa o livro que iria imortalizá-lo.
Imagem de abertura: Salvador no século 17
Fontes: Capitães do Brasil, Eduardo Bueno, Coleção Terra Brasília, volume III, editora Objetiva; Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, Editora da Universidade de São Paulo.
Tráfico de animais silvestres com Dener Giovanini, da RENCTAS
Conheci Hans Staden através da adaptação de Monteiro Lobato. Faz tempo…
Eu já li o livro do Hans Staden, é apaixonante a história nesse peíodo
E assim nasceu o Brasil – sua melhor prenda de Natal para quem ama!
“Hans Staden, Sua Alma – Minha Alma?”
O autor Detlef Günter Thiel realizou uma pesquisa completa sobre o lansquenete espingadeiro Hans Staden (1525 – 1576) em todo lugar onde esteve: no Norte de Hessen, em Portugal e no Brasil. Ele conhece a época das descobertas e utiliza os eventos históricos relevantes como fundo para uma descrição meticulosamente detalhada de todas as ocorrências. Deste romance histórico e seu tempo, poderão entender os hábitos das pessoas, e também o seu sofrimento naquela época da renascença no início do século XVI.
Para quem desejar esta obra histórica, favor entrar em contato com a Paula Lourenço Oz das Edições Paula Lourenço Oz para deixar mensagens na página de Facebook,
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“Acima de tudo, a História nos ensina o que é belo, o que é vergonhoso, proveitoso e inútil.”
Philipp Melanchthon
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Excelente oportunidade.
Continue assim
poeta da costa vibro com essa coluna…
Mar Sem Fim, como sempre, extraordinário!
Podiam ter falado de Maria Ortiz…
Amo historias, ótimo post
É a história quem diz o que somos…