ÚLTIMOS MOMENTOS DO BARCO MAR SEM FIM: Naufrágio na Antártida
Jornalista resgatado na 4ª com sua equipe narra como sobreviveu ao furacão no meio do gelo. Saiba como foram os últimos momentos do barco Mar Sem Fim.
“Acordo pouco depois das 8 da manhã. Nem bem saí do beliche quando Plínio (um dos tripulantes) voltou lá de fora, arrasado, e me abraçou. ‘O Marzão naufragou’, disse, ‘só a proa está de fora’. Foi um choque terrível. Um golpe. Um direto no queixo. “
O instante do naufrágio e os últimos momentos do barco Mar Sem Fim
Foi assim que o jornalista e ex-diretor da Rádio Eldorado, João Lara Mesquita, de 56 anos, descreveu o instante em que soube do naufrágio do barco Mar Sem Fim, ocorrido na madrugada de sábado na Antártida, próximo à Baía Fildes. Mesquita, capitão do barco, e a tripulação, formada por Plínio Romeiro Júnior, de 58 anos, Alonso Irineu Góes, de 65, e Manoel de Souza, de 35, haviam sido resgatados na quarta-feira por marinheiros da base chilena local.
Meteorologia anuncia chegada de furacão
Os quatro tiveram de deixar o barco depois que a meteorologia anunciou a chegada de um furacão, com ondas de até 10 metros de altura, que colocaria em risco a sobrevivência do grupo. Antes disso, durante três dias, com o tempo já adverso, navegaram pelo continente gelado, tentando levar a embarcação a um local seguro.
Série televisiva
Três anos depois de visitar a Antártida captando imagens e histórias para uma série televisiva que passou na TV Bandeirantes, Mesquita e o Mar Sem Fim retornaram ao continente para registrar as mudanças ocorridas no local desde 2009. Apesar do naufrágio, o projeto do documentário vai continuar. “Amanhã (hoje) já acordo para colocar de pé o projeto de filmar a costa brasileira“, disse o jornalista ontem, momentos após voltar de avião ao Brasil.
Ushuaia, Argentina
A viagem do Mar sem Fim à Antártida começou em 10 de março, saindo de Ushuaia, na Argentina, logo depois que a meteorologia anunciou uma “janela de tempo” para atravessar o Drake, estreito do mar onde os Oceanos Atlântico e Pacífico se encontram. A travessia do Drake tem de ser no momento certo, já que o tempo ruim pode provocar ondas de 20 metros.
Ondas de 3 metros
Apesar de enfrentarem mar agitado, com ondas de 3 metros, eles conseguiram completar a travessia sem contratempos. Uma semana depois, no entanto, surgiu um primeiro percalço: um barulho vindo do fundo do barco. Para verificar o problema, um telefone à prova d’água foi amarrado no remo para filmar o que havia ocorrido.
“Era a bucha do pé de galinha do eixo direito que havia ‘desembuchado'”, contou Mesquita em seu blog (marsemfim.com.br). Se você não é do mar, apenas saiba que barcos também têm a “rebimboca da parafuseta”, que, em nosso caso, se materializou na forma desta bucha. “
Plínio, que ainda estava no Brasil, foi mobilizado para levar a peça ao grupo. O estrago acabou retardando a viagem.
Furacão
Os problemas que culminariam no naufrágio do Mar Sem Fim, no entanto, só começariam a afligir a tripulação na segunda-feira, 2 de abril. O barco já estava na Antártida, na Ilha Rei George, mais precisamente na Baía de Poter. À meia-noite, tudo estava calmo. Mas a previsão de ventos de 60 nós (110 km/h) assustava. Nos dois dias seguintes, Mesquita não conseguiu escrever seu diário de bordo. Navegou em clima hostil, sob ventos de até 50 nós (95 km/h) e ondas de 3 a 4 metros. O objetivo era deixar a Baía de Poter, cercada de geleiras e com pedras enormes que podem desprender-se e virar ameaças mortais quando o vento chega com força. Mas a chegada do furacão se confirmou. Só restava pedir ajuda aos chilenos.
Ancorado em uma pequena baía
O barco foi ancorado em uma pequena baía, com dois ferros de 95 quilos cada e 120 metros de corrente. Os chilenos vieram com um grande bote de borracha, com dois motores de 50 cavalos. Ondas de mais de 1,5 metro e vento de mais de 40 nós (75 km/h) faziam o bote chacoalhar “como um cavalo xucro num rodeio”, escreveu o jornalista.
“Há dois dias eles esperavam nosso naufrágio”
“No conforto do interior da base, o comandante Eduardo (Rubilar Macilla) contou que há dois dias eles esperavam nosso naufrágio nas pedras a qualquer momento. Dormiram com as roupas secas ao lado da cama, esperando não perder tempo quando o desastre se consumasse. Ficaram espantados com a nossa perícia e nos parabenizaram pelas manobras”, escreveu Mesquita.
Seria o momento do Mar Sem Fim começar a luta contra as pedras gigantes de gelo e os ventos de 150 km/h. A luta demoraria três dias.
Fernando Pessoa
A inspiração para o nome do barco veio do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935). “O mar português é o mar sem fim”, escreveu.
Entre 2005 e 2007, Mesquita percorreu, a bordo do veleiro Morgan, de 46 pés, batizado de Mar Sem Fim, quase 10 mil quilômetros, do Oiapoque ao Chuí, passando pelos rios da Amazônia. Essas aventuras deram origem ao programa Mar Sem Fim, exibido pela TV Cultura, e aos dois volumes do livro O Brasil Visto Pelo Mar Sem Fim.
Em outubro de 2009, Mesquita e equipe partiram para uma expedição à Antártida, com o objetivo de pesquisar o impacto do aquecimento global sobre os oceanos. A jornada acabou se transformando em uma nova série televisiva, exibida pela TV Bandeirantes. No ano passado, cenas da viagem foram compiladas nos três DVDsMar Sem Fim – Viagem à Antártida.
Mata Atlântica e despoluição do Rio Tietê
Mesquita dirigiu a Rádio Eldoradoentre 1982 e 2003. À frente da emissora, liderou campanhas em prol da preservação da Mata Atlântica, pela despoluição do Rio Tietê e pela conscientização das pessoas quanto ao descarte correto do lixo.
Gelo. Viagem começou no dia 10 de março, na Argentina, após previsão anunciar “janela de tempo” para atravessar estreito.
A LUTA CONTRA A NEVASCA
Quarta-feira, 4 de abril
“Com as ondas altas que entram na baía, nossa âncora desgarrava. Ligávamos os motores, Plínio assumia o leme, eu e Manoel do lado de fora, tentávamos distinguir os contornos de terra para dar alguma direção ao Plínio. Os vidros do comando, congelados, não permitiam visão. Meus olhos doíam castigados pelos flocos de neve. Situação de apequenar qualquer marmanjo. Felizmente mantivemos a calma, passando informações ao Plínio, dando condições para ele navegar em direção à corrente da âncora.
Então Manoel ia para a proa e, com esforço, recolhia a âncora para podermos capear (navegar) em um espaço cheio de pedras bem perto da praia. Quando melhorava, soltávamos a âncora de novo. Então, dedos cruzados, torcíamos para o ferro grudar no fundo do mar. Em vão. Logo entrava mais uma rajada. O barco começava a garrar novamente. Foi assim durante 48 horas.”
TENSÃO NA BASE CHILENA
Quinta-feira, 5 de abril
“Consegui dormir duas horas esta noite em um alojamento da base Filds com meus três companheiros. Os chilenos são sensacionais. Nos tratam como velhos amigos. O Mar Sem Fim agora luta sozinho. Meu barquinho sobe e desce as ondas, mas por enquanto está firme.
Hoje, a temperatura desceu para -9°C. O furacão deve entrar esta noite ou madrugada. São esperados 80 nós de vento (cerca de 150 km/h). Nunca torci tanto para uma previsão estar errada. Este será o dia decisivo para o Mar Sem Fim.
Fomos até a praia ver como reagia o Mar Sem Fim. Depois de alguns minutos para avançar poucos metros, chegamos a um ponto onde era possível vê-lo. Mas só Eduardo (o comandante da base chilena) conseguiu enxergá-lo. Depois de fitar o Marzão por algum tempo, Eduardo virou-se, aproximou sua boca a centímetros de meus ouvidos e berrou: ‘O barco está bem’.”
Últimos momentos do barco Mar Sem Fim: GALHARDIA CONTRA O VENDAVAL
Sexta-feira, 6 de abril
“Hoje cedo, depois de sair da cama, corri até a janela pensando no sofrimento que meu barquinho enfrentou. Queria saber se ele ainda estava onde o deixamos. Com o coração na boca, vejo que não. Nesta manhã, a Baía Fildes estava cercada por blocos de gelo trazidos pelo furacão da noite passada. Esses gigantescos pedaços da Antártida empurraram o Mar Sem Fim um pouco mais para o lado esquerdo de onde havia sido fundeado. O barco está preso no gelo.
Meu querido Marzão, o barco que alegrou minha vida, um sonho realizado está cercado por gelo, como de resto toda a Baía Fildes.
Está momentaneamente vencido. Não pelo vendaval, qu soube enfrentar com galhardia quando bem tripulado. Mas por imensos blocos de gelo em uma luta desigual, desproporcional.”
BRUNO PAES MANSO, e EDISON VEIGA para O Estado de S. Paulo
ola João. tudo bem ? que falta faz o programa mar sem fim, e ver o mar sem fim navegando pelos mares, sou se fã, como jornalista. ambientalista e capitão, desejo muita saúde, paz e sucesso sempre,
grande abraço .
João por favor voltada logo esse programa faz parte de nossas vidas essa trilha sonora então maravilhosa já estamos morrendo de saudades de ver toda essa saga em prol da da vida marinha do ser humano obrigado por Vc se esse excelente jornalista não deixa agente sem o mar sem fim ok
Oi, Carlos, muito obrigado pela mensagem. Infelizmente, não momento não posso navegar. Problemas de saúde impedem. Mas procuro voltar ao menos com os comentários sobre o tema no BandNews tv, cuja primeira temporada aconteceu ano passado. Tão logo, possa, voltarei, sim, com os programas.Abraços
João,
Acabei de terminar de ver seu documentário, viagem para Antártica.
Achei lindo, as paisagens, as informações, o cotidiano, enfim… Lindo mesmo!!! E educativo também!
Sou bisteto de um Almirante, embora não seja marinheiro, devo dizer que o mar sempre me trouxe fascínio!
Viajei junto com vocês, digo que estive a bordo junto em vários momentos do documentário. Realmente adorei.
E foi muito emocionante sua despedida. Dando adeus para deu amigo indo embora rebocado. Cara chorei um pouco junto com você. Triste realmente. A embarcação depois de tanto tempo acaba de tornando um apêndice nosso, não é verdade!? Se torna parte da família.
Mas sua odisseia realmente é algo inspirador. Não o conheço mas tenha certeza que ganhou mais um fã.
E fiquei com uma vontade imensa de conhece-lo. Você é tipo de cara que a gente tem que conhecer antes de morrer. Quem sabe um dia desses não nos cruzamentos por aí!
Vou a São Paulo com certa frequência. E quem sabe numa dessas da certo.
Fica o meu mais sincero abraço. E espero ter notícias suas o mais breve possível em uma nova saga.
Danilo Maia
Curitiba PR
41 99685-3934
Poxa, Danilo, que bom começar o dia com uma mensagem inspiradora como a sua. Muito obrigado mesmo! Quando vier para São Paulo, avise antes. Terei em prazer em bater um papo e autografar um livro em que conto minha relação com os barcos. Grande abraço e volte sempre!
Semana passada foi o Mar Sem fim, ontem o Botelho do meu querido broa. Não acredito nessas coisas, mas 2012 tá brabo hein?
O Mar Sem Fim pra mim representa uma era. Não perdia um programa na cultura e sei que o “Jão” Lara vai reverter com maestria. E, até pra rebater meus receios sobre 2012, faço um convite à toda equipe do Mar Sem Fim:
De viajante para viajante: Venham pra Volvo Ocean Race em Itajaí, está lindo! Lógico, não pude deixar de pensar no Mar Sem Fim nas visitas ao evento.
José, muito obrigado pela força e audiência nos programas da Cultura. Esta semana já vou retomar meus contatos com a Cultura visando nova série sobre a costa brasileira.
Grande abraço e até breve na telinha.