Mexilhão‑dourado: da invasão à crise regional

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Mexilhão‑dourado (Limnoperna fortunei): da invasão à crise regional

O mexilhão‑dourado chegou à América do Sul no início da década de 1990, provavelmente trazido por água de lastro de navios que chegaram ao Rio da Prata, na Argentina. Em poucos anos, estabeleceu-se com densidades que superam 150 mil indivíduos por metro quadrado. A invasão seguiu rapidamente pelos rios do Sul, Sudeste e Centro‑Oeste brasileiros, alcançando grandes bacias, usinas hidrelétricas e sistemas de captação de água.

Lago Guaíba e mexilhão- dourado, imagem do mexilhão- dourado
O grande vilão: o mexilhão- dourado

Do Guaíba ao São Francisco

No Brasil, foi detectado pela primeira vez no lago Guaíba ainda nos anos 1990. Em seguida, invadiu sistemas como Paraná, Uruguai e Paraná, chegando às hidrelétricas de Itaipu, Porto Primavera e Sérgio Motta. Em 2015, cientistas confirmaram sua presença no rio São Francisco, na barragem de Sobradinho (BA) 

Essa expansão rápida decorre da alta reprodução: o mexilhão atinge a maturidade em cerca de 30 dias com apenas meio centímetro de tamanho e não enfrenta predadores ou condições adversas nos rios brasileiros.

Presença do mexilhão-dourado nas hidrelétricas

A presença do mexilhão-dourado nas hidrelétricas compromete o funcionamento de turbinas e sistemas de captação de água. Os moluscos se fixam em massa nas estruturas internas, bloqueiam dutos, reduzem a vazão e obrigam as empresas a paralisar as operações para manutenção frequente. Isso eleva os custos, diminui a eficiência energética e pode causar falhas graves.

Em usinas hidrelétricas, cada turbina pode gerar prejuízo de até US$ 6,2 milhões por ano apenas em energia perdida na paralisação para limpeza.

No rio São Francisco, o impacto já é visível. A barragem de Sobradinho registra entupimentos e acúmulo de mexilhões nas grades de proteção das tomadas d’água. A infestação ameaça não só a geração de energia, mas também o abastecimento de cidades e a irrigação em várias regiões do semiárido.

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Além disso, o molusco altera o equilíbrio do ecossistema aquático, filtrando nutrientes, eliminando o plâncton e afetando a fauna nativa — inclusive espécies economicamente importantes para a pesca artesanal.

Navios e contaminação

O professor Frederico Brandini, diretor do IO- USP, diz que o problema começou com as viagens marítimas:

Quando os espanhóis e portugueses (ou os Vikings? Ou os Fenícios? Não importa nesse contexto) chegaram do lado de cá, há mais de 500 anos, trouxeram um presente de grego para o ecossistema costeiro do continente americano: espécies exóticas.

Brandini explica que

Invertebrados marinhos do continente europeu, viajavam clandestinamente através do Oceano Atlântico, fixos no casco das caravelas e dos galeões. Eles resistiam à travessia das águas até “perceberem” que estavam novamente em águas estuarinas com baixa salinidade, só que do outro lado do Oceano Atlântico. Eram cracas, anêmonas, corais, caracóis, mariscos etc., que aí lançavam suas larvas aos milhares após todo o estresse da viagem. As larvas se dispersavam, colonizando hábitats ainda não ocupados pelas espécies locais

Como o Brasil enfrenta o problema

Desde 2003, o governo criou uma força-tarefa nacional para lidar com a invasão do mexilhão-dourado. O país também lançou um plano de prevenção, controle e monitoramento, que incluiu a espécie entre as prioridades da política de biodiversidade.

Apesar disso, os esforços esbarram em vários obstáculos. O molusco se espalha com rapidez e alcança regiões distantes por meio de canais interligados e embarcações contaminadas. As autoridades não conseguem erradicar a espécie, apenas conter os danos em áreas críticas.

Mexilhão- dourado, ilustração mostrando o caminho do mexilhão dourado na américa do sul

A retirada exige ações contínuas, como limpeza manual em sistemas industriais, aplicação de biocidas em locais estratégicos e reforço em protocolos de biossegurança.

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Lago Guaíba e mexilhão- dourado, imagem de navio desmastreando em porto do recife
Navio desmastreando em Recife, o que é proibido.

Inovações no controle e manejo

Pesquisadores avançam no desenvolvimento de soluções biotecnológicas. Um dos focos é o sequenciamento genético do molusco, que permite identificar alvos específicos para controlar sua reprodução.

Em hidrelétricas e estações de captação, técnicos já utilizam produtos químicos em baixa dosagem, revestimentos que impedem a aderência do mexilhão e filtros físicos em dutos e turbinas. Essas estratégias reduzem os impactos sem comprometer a qualidade da água nem a segurança energética.

Expansão continua, mas a Amazônia ainda resiste

Hoje, o mexilhão-dourado está presente em quase todas as bacias hidrográficas do país, com exceção da Amazônica. Mesmo assim, especialistas alertam que a chegada à região é apenas questão de tempo, caso medidas preventivas não sejam reforçadas.

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