Guaraqueçaba e Cananéia: o desafio da sustentabilidade

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Guaraqueçaba e Cananéia: o desafio da sustentabilidade

Sem dúvida, Guaraqueçaba e Cananéia guardam uma das maiores concentrações do tesouro da Mata Atlântica no Brasil. As duas regiões se conectam entre o litoral norte do Paraná e o litoral sul de São Paulo. A área integra o Mosaico do Lagamar, que reúne mais de 40 unidades de conservação, e faz parte da Grande Reserva da Mata Atlântica (SP/PR/SC), e da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.mata atlântica e salto morato

Artigo de Miguel von Behr*

Enorme riqueza natural, cultural e centenas de atrativos turísticos

Essas regiões carecem de infraestrutura e têm baixo IDH, mas abrigam uma enorme riqueza natural, cultural e centenas de atrativos turísticos. Mesmo assim, tanto Guaraqueçaba quanto Cananéia recebem altos repasses do ICMS Ecológico — especialmente Guaraqueçaba, por abrigar várias unidades de conservação, como o Parque Nacional do Superagui e a APA de Guaraqueçaba.

Botos em Guaraqueçaba

Em 2024, o município recebeu R$ 4,4 milhões do ICMS Ecológico do Paraná, uma média de quase R$ 370 mil por mês. Como e onde esse recurso está sendo aplicado (provavelmente bem, esperamos!) é um tema para outra conversa.

(O Lagamar está ameaçado por uma proposta dos governos do Paraná e São Paulo que pretende dragar e alargar o Canal do Varadouro para estimular o turismo náutico).

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Guaraqueçaba, no litoral norte paranaense

Guaraqueçaba, no litoral norte do Paraná, é o único município do Estado — e talvez de todo o sul, centro-oeste e sudeste do Brasil — cuja sede ainda não tem ligação por asfalto. A comunidade reivindica há anos a pavimentação, uma demanda justa e urgente.

cidade de Guaraqueçaba .
Guaraqueçaba.

Há décadas, entra e sai governador, e os 80 km da PR-405, entre Antonina (Cacatu) e Guaraqueçaba, continuam sem pavimento. A viagem, especialmente em dias de chuva, segue longa e difícil. Quem prefere evitar a estrada pode chegar a Guaraqueçaba de barco, partindo de Paranaguá.

Falta de pavimentação ocorre por vários motivos

A falta de pavimentação tem várias causas: falta de recursos, inexistência de estudos de impacto ambiental e, talvez, a visão curta dos políticos. Para muitos, Guaraqueçaba não compensa o investimento — são apenas 6.462 eleitores (dados de 2024) diante de uma obra que custaria cerca de R$ 100 milhões, com um gasto mínimo de R$ 1 milhão por quilômetro asfaltado.

Estrada de chão para Guaraqueçaba
A estrada ‘de chão’ para Guaraqueçaba.

Mas talvez os políticos devessem se perguntar se não vale mais investir esse dinheiro em uma obra que traga retorno verdadeiro — ambiental, econômico e social — em vez de apenas votos.

Uma Estrada-Parque

Uma Estrada-Parque poderia cumprir esse papel. Ela serviria como instrumento de educação ambiental, com quiosques nas comunidades e mirantes — antigos e novos — para contemplar a exuberância da Mata Atlântica. Também incluiria passagens subterrâneas e aéreas para a fauna, reduzindo os atropelamentos que tendem a crescer com a pavimentação.

Redutores de velocidade ajudariam a proteger crianças e moradores, valorizando as comunidades e povoados ao longo do trajeto, como Potinga, Tagaçaba, Assungui, Serra Negra (em especial), Itapema e Morato.

Família em canoa em Guaraqueçaba
Às vezes os barcos são a única opção para as famílias de Guaraqueçaba.

E o mais importante: a Estrada-Parque geraria renda para as comunidades locais. A venda de produtos regionais, artesanato, comércio, restaurantes, ranchos de pesca e outras atividades econômicas encontrariam novo fôlego. O turismo poderia aproveitar os atrativos ao longo da estrada, com espaço até para uma ciclovia integrada à paisagem.

Pavimentação diferenciada, ecológica e atraente

Em outras palavras, transformar um limão em limonada. A proposta é criar uma pavimentação ecológica e visualmente agradável, com um sistema de drenagem eficiente e material que permita à água da chuva infiltrar no solo, diferente do asfalto convencional. O resultado traria grandes benefícios ambientais.

Parque Estadual da Ilha do Cardoso, Cananéia.
Parque Estadual da Ilha do Cardoso, Cananéia.

Com uma Estrada-Parque bonita e bem planejada, a obra certamente estimularia o turismo em Guaraqueçaba. Vale lembrar que todo o trajeto da estrada fica dentro da Área de Proteção Ambiental Federal (APA) de Guaraqueçaba.

Cananéia, no litoral sul paulista

Na vizinha Cananéia, no litoral sul paulista, o bairro rural de Santa Maria é uma das regiões mais isoladas e carentes do município. Merece atenção e apoio, sobretudo das autoridades locais, para receber as melhorias que há muito se fazem necessárias. Nessa área está o Parque Estadual do Lagamar de Cananéia, criado em 2008, com quase 41 mil hectares, sob administração da Fundação Florestal do Estado de São Paulo.

Igreja Matriz de São João Batista
A igreja Matriz de São João Batista, do século XVI, em Cananéia.

Cerca de 30 moradores dependem da antiga Linha do Telégrafo como acesso — dentro do parque e próxima à Colônia Santa Maria —, além de dezenas de sitiantes que têm propriedades na área, mas vivem em Cananéia ou no povoado do Ariri. Eles precisam de um acesso melhor até a cidade. Essa melhoria é fundamental para reduzir o impacto ambiental e deve seguir as diretrizes do Conselho Gestor e do Plano de Manejo do parque, na Zona Histórico-Cultural.

As comunidades dispersas

Os moradores precisam de melhores condições de deslocamento entre as comunidades próximas — como os Quilombos Mandira e Rio das Minas, Taquari, Itapitangui e Colônia Santa Maria — até a cidade de Cananéia, distante cerca de 35 km. A melhoria do acesso é essencial para garantir atendimento à saúde, transporte coletivo e escolar, além de facilitar o escoamento da pequena, porém importante, produção agrícola. Um acesso mais eficiente também ajudaria a impulsionar o turismo nos atrativos do Parque Estadual Lagamar de Cananéia, gerando renda por meio do turismo de base comunitária.

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comunidade de Tromomô, Guaraqueçaba
A comunidade de Tromomô, Guaraqueçaba.

Em Guaraqueçaba, a implantação de uma Estrada-Parque, se realmente seguir os princípios ambientais e sociais propostos e for bem fiscalizada, pode se tornar uma grande aliada na valorização da Área de Proteção Ambiental (APA) e no fortalecimento do turismo sustentável.

pescadores em Guaraqueçaba

Colônia Santa Maria, em Cananéia

Na região rural da Colônia Santa Maria, em Cananéia, dentro do Parque Estadual Lagamar de Cananéia, é essencial garantir o envolvimento da comunidade nas decisões, junto à gestão do parque e às autoridades. Só assim o desenvolvimento sustentável será possível, evitando que acessos mal planejados causem novos impactos ambientais.

Mata Atlântica entre Guaraqueçaba e Cananéia
Mata Atlântica, a grande riqueza ambiental de Guaraqueçaba e Cananéia.

Concluindo, essas duas iniciativas — a Estrada-Parque em Guaraqueçaba e o fortalecimento comunitário em Cananéia — apontam para um mesmo caminho: promover o desenvolvimento sustentável sem comprometer a identidade cultural, a biodiversidade e a qualidade de vida das populações que vivem em uma das regiões mais preservadas e valiosas da Mata Atlântica e do litoral brasileiro.

*Miguel von Behr, 68, arquiteto e urbanista, fotógrafo/escritor, analista ambiental aposentado do Ministério do Meio Ambiente. Foi um dos criadores e o primeiro gestor da Área de Proteção Ambiental Federal (APA) de Guaraqueçaba, em meados da década de 1980. Sócio-fundador  e sediado em Guaraqueçaba, foi apoiador dos primeiros projetos da Fundação SOS Mata Atlântica na região do Complexo estuarino-lagunar Iguape(SP)-Paranaguá(PR). Contato para troca de ideias sobre a região: 34 998007301 www.miguelvonbehr.com.br @miguelvonbehr

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