Fundação Renova, MP de Minas Gerais quer que seja extinta
A companhia Vale S.A. é protagonista de dois mega acidentes com barragens no Brasil que, mesmo com a pandemia, não podem ser esquecidos. A violência de ambos os qualificam como tragédias nacionais. E é por este motivo, e pelos parcos resultados das ações de mitigação até agora alcançados, que este site volta ao tema. O primeiro aconteceu em 2015, em Mariana, quando 19 pessoas morreram soterradas e o distrito de Bento Rodrigues foi riscado do mapa depois do rompimento da barragem do Fundão. Neste acidente a Vale também conseguiu a façanha de matar um corpo d’água, o Rio Doce, além de outros grandes prejuízos ambientais. Um ano depois a Vale e suas parceiras Samarco, e BHP, criaram a Fundação Renova para promover a reparação dos atingidos pelo desastre.
A mídia nacional e os acidentes da Vale
Apesar dos traumas, das centenas de mortes, e do estrago ambiental sem paralelos no País, foram poucos os veículos a abrirem espaço para a novidade hoje abordada pelo Mar Sem Fim. A decisão do Ministério Público de Minas Gerais de pedir a extinção da fundação é forte demais para ser menosprezada, mesmo em meio à pandemia mortal que ameaça um Brasil desgovernado.
No momento em que a legislação ambiental é desfigurada pelo atual governo este site considera um dever lembrar aos leitores a devastação provocada pela Vale, e os raquíticos resultados de suas ações de mitigação.
A empresa sabia dos problemas das barragens. Mesmo assim não agiu a tempo de evitar duas catástrofes em menos de quatro anos. Como lembrou o New York Times, ‘A barragem, construída para conter os resíduos de uma mina de minério de ferro próxima, desabou em 25 de janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho, enterrando casas, hotéis, rios e as instalações da empresa sob uma onda de lama. Em apenas alguns dias, ficou claro que a empresa havia sido avisada várias vezes de que a estrutura estava insegura, revelaram documentos internos.’
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O New York Times lembra que ‘Em 2020, promotores que investigavam o caso encontraram evidências de que relatórios de segurança haviam sido fabricados para pelo menos 10 barragens da Vale e, posteriormente, acusaram 16 funcionários da Vale e da empresa alemã, incluindo Fabio Schvartsman, que era o presidente-executivo da Vale na época, de homicídio’.
E o jornal vai além: ‘Relatório de comissão independente contratada pela Vale atestou que a empresa conhecia os riscos à segurança da barragem de Brumadinho desde 2003 e teve vários alertas ao longo dos anos – principalmente em 2015, após o rompimento de barragem semelhante parcialmente pertencente à Vale, deixando 19 mortos’.
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MP de Minas Gerais pede extinção da Fundação Renova
Quatro anos depois da Barragem do Fundão foi a vez da tragédia em Brumadinho, o maior acidente do mundo entre mineradoras em número de mortes, com 270 pessoas soterradas, das quais 11 permanecem debaixo da lama até hoje. Mais uma vez, os prejuízos ambientais foram imensos, com mais um rio deixado em estado de calamidade pública, o Paraopeba.
Segundo o New York Times, que também publicou matéria em 4 de fevereiro, ‘Traços do lodo tóxico que saiu da barragem foram encontrados no rio São Francisco, que abastece cinco estados’.
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Lula agora determina quem tem biodiversidade marinha: GuarapariMitos e verdades sobre a campanha de despoluição do rio TietêBrasil pega fogo, espanta o mundo, e Lula confessa: ‘não estamos preparados’A novidade agora é que a Fundação Renova, que a Vale e suas parceiras criaram para reparar os danos, não cumpre sua função. Matéria do jornal Valor Econômico, de 25 de fevereiro de 2021, informa que o Ministério Público de Minas Gerais alega que a fundação atua mais como instrumento de limitação da responsabilidade das empresas do que como agente de reparação humana, social, e ambiental.
Em razão desta constatação o Ministério Púbico de Minas Gerais entrou com uma ação civil pública pedindo a extinção da fundação. Na mesma ação o MPMG pede que as empresas Vale, Samarco e BHP sejam condenadas à reparação dos danos naturais causados no desvio de finalidade e nos ilícitos praticados dentro e por intermédio da fundação, além da condenação por danos morais no valor de R$ 10 bilhões.
Fundação Renova e desvio de finalidade
A Vale não se emenda mesmo com dois mega acidentes, centenas de mortos, e um prejuízo ambiental sem equivalente no País. A fundação por ela criada, que com tanto esmero aparecia na TV em horário ‘nobre’ prestando satisfação aos brasileiros, teve a sua prestação de contas rejeitada por quatro vezes, além de ter problemas de governança segundo o MPMG.
Estes ‘problemas de governança’, segundo o MPMG, são desvio de finalidade e ineficiência. O órgão pede em caráter liminar a intervenção judicial com a nomeação de uma junta interventora para exercer a função de conselho curador.
Segundo o MP a Fundação Renova já consumiu mais de R$ 10 bilhões em recursos, mas as ações são executadas com excessivo atraso e baixíssima eficácia.
O outro lado
A Fundação Renova enviou nota ao jornal Valor Econômico onde diz que discorda das alegações do MPMG, e que irá contestar na justiça o pedido de intervenção.
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A fundação diz que presta contas anualmente e encaminha ao MP as provações de suas contas feitas pelo Conselho Curador, pelo Conselho Fiscal e pela empresa independente responsável pela auditoria das demonstrações financeiras.
Segundo o Valor, a instituição é responsável pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, o que engloba 42 programas que se desdobram em projetos implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes, e em ações de longo prazo.
A Fundação Renova diz que já desembolsou cerca de R$ 11,8 bilhões até o momento, tendo sido pagos R$ 3,26 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para 320 mil pessoas até janeiro deste ano.
Apenas cinco casas no ‘novo Bento’
Um dia depois da matéria do Valor Econômico, 26 de fevereiro de 2021, o jornal O Tempo publicou matéria com o título ‘Com R$ 11,8 bi, Fundação Renova construiu apenas cinco casas no ‘novo Bento’.
A matéria foca na ‘frustração de famílias que tudo perderam com o colapso da estrutura pertencente à Samarco’.
“A lentidão na construção do chamado “Novo Bento Rodrigues” e a morosidade para reparação moral e material às vítimas contrastam com os grandes montantes recebidos pela Fundação Renova – instituição criada com o único fim de reparar danos ligados à tragédia – das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton que a mantêm.”
O jornal diz que “segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), nenhum morador das regiões afetadas pelo rompimento, cujos estragos estenderam-se até o Espírito Santo, foi integralmente indenizado até hoje – mais de cinco anos depois.”
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‘Ausência de explicação’ da Vale
O Tempo diz que “A ausência de explicações para a lentidão na reconstrução de distritos destruídos pela lama, como Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, no município de Barra Longa, e outras irregularidades percebidas na direção da Fundação Renova são as razões que explicam o fato do Ministério Público mineiro ter decidido ajuizar uma ação…”
Anomalias contidas na ação
O Tempo diz que “Salários exorbitantes e incompatíveis com a média nacional, quantias inexplicáveis aplicadas em publicidade e anomalias nos cargos de direção são alguns dos argumentos contidos na ação de 144 páginas a que a reportagem acessou.”
Gastos com publicidade da Fundação Renova
Para ‘prestar contas à sociedade’ a Fundação Renova investiu R$ 17,4 milhões. “Foram R$ 17,4 milhões pagos pelas mineradoras à agência para que circulassem 861 propagandas em canais de televisão e 756 em emissoras de rádio”, diz O Tempo, que conclui: “o órgão considerou que publicidade feita tinha “claro propósito de promover a imagem das empresas causadoras do dano, mas não de gerar informação”.
A Fundação Renova também respondeu ao jornal O Tempo, de maneira parecida com o que publicamos acima na resposta ao Valor Econômico. A íntegra da resposta da mineradora pode ser lida aqui.
‘Faltam resultados’
Outro veículo que abriu espaço ao tema foi o site Brasil de Fato, em artigo assinado por Maurício Angelo. O artigo traz o parágrafo final da ação pedida pelo MPMG que merece ser repetido na íntegra:
“Faltam resultados, falta reparação, falta boa vontade das empresas: falta empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito.”
Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito.
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Durma-se com isso, e com o silêncio da mídia nacional.
Imagem de abertura: Antonio Lacerda/EPA, via Shutterstock.
Fontes: https://www.brasildefatomg.com.br/2021/02/25/fundacao-renova-deve-ser-extinta-e-vale; https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/25/ministrio-pblico-de-mg-pede-extino-da-fundao-renova-da-vale.ghtml; https://www.otempo.com.br/cidades/com-r-11-8-bi-fundacao-renova-construiu-apenas-cinco-casas-no-novo-bento-1.2452202; https://www.nytimes.com/2021/02/04/world/americas/vale-brazil-dam-collapse-7-billion-compensation.html.
Minas caiu com a Vale nestas tragédias. Ficou a sensação de que o poder público fechou os olhos, evitou interdições para não perder receita, que deputados mineiros e governadores defenderam mais os interesses da empresa que os da população. E agora o prejuízo é pra sempre e incalculável.