Esgoto polui Fernando de Noronha: a crise de nossas UCs

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Esgoto polui Fernando de Noronha: a crise de nossas UCs marinhas

Nós já cansamos de mostrar as mazelas de nossas Unidades de Conservação do bioma marinho. Fizemos uma série de documentários quando visitamos as pouco mais de 60 UCs federais marinhas. Na época, 2014 – 2016, havia apenas sete que de fato cumpriam suas obrigações: A ESEC do TAIM, Rio Grande do Sul; RPPN Salto Morato, Paraná; ARIE Queimada Grande, São Paulo; MONA das Cagarras, APA de Guapi-Mirim, e o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro; e finalmente, a Rebio Atol das Rocas, Rio Grande do Norte. As outras funcionavam apenas no papel. De lá para cá a situação piorou. Agora, um estudo publicado na revista cientifica Environmental Pollution, Pollution affects even oceanic marine protected areas in Southwestern Atlantic (Poluição afeta até mesmo Áreas Marinhas Protegidas no Sudoeste do Atlântico) mostra que, entre outros, o esgoto polui Fernando de Noronha.

Especulação imobiliária, condomínio, fezes no mar, tráfico de crack, e ausência de fiscalização

Apesar da mídia, e do setor de turismo abusarem do termo ‘paraíso’ ao se referirem à maioria das praias brasileiras, há muito que ele rareia, seja em áreas livres, seja em nossas unidades de conservação.

Pico de Fernando de Noronha
Acervo MSF.

O Parque Nacional de Jericoacoara convive com a especulação imobiliária, tráfico de drogas, e domínio do Comando Vermelho. O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses luta na Justiça para tirar um condomínio de dentro da área protegida, o tráfico de crack domina quase todas as Resex do Pará, e Fernando de Noronha tem excesso de fezes humanas em sua parte marítima. E, em quase nenhuma delas existe fiscalização.

É importante saber que Fernando de Noronha tem um problema a mais que as outras unidades de conservação. Além de ser administrado pelo ICMBio, assim como todas as UCs federais, a ilha é um distrito de Pernambuco, responsável pela Vila dos Remédios, e pelos serviços públicos como água, luz, saneamento básico, coleta de lixo, saúde, ensino, etc.

O poder público conhece os problemas, mas finge que não vê. Contudo, de tempos em tempos as  questões explosivas vêm à tona, como agora. O estudo, de autoria de pesquisadores brasileiros, mostra que ‘a poluição por esgoto aumentou substancialmente nos últimos 10 anos dentro dessas Áreas Marinhas Protegidas‘. E que, ‘sem controle da poluição, as UCs não protegem os recifes, mesmo em regiões oceânicas‘.

Outra das críticas dos pesquisadores parece até que saiu destas páginas. É algo que ocorre em quase cem por cento de nossas praias, o superadensamento e a falta de infraestrutura.

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Impactos da poluição em Fernando de Noronha
Impactos da poluição no Parque Nacional de Fernando de Noronha.

‘O Arquipélago Fernando de Noronha, no Brasil, que tem experimentado um crescimento populacional significativo sem expandir a infraestrutura de esgoto. Mapeamos e quantificamos a poluição marinha nestes AMP, caracterizando as fontes de poluição e avaliando os seus efeitos nas comunidades bentônicas e de peixes em 13 locais de recife’.

Um monumento à burrice nacional

Em 2023 não aguentamos tanto descaso e falta de informação dos órgãos encarregados, notadamente, o ICMBio, além do Ministério de Meio Ambiente. Então, publicamos o post Fernando de Noronha, ode à burrice tupiniquim, onde enumeramos as falhas grosseiras deste que poderia ser um dos mais importantes cartões postais de nossa costa.

esgoto poluí Fernando de Noronha
Acervo MSF.

Há muito mais que apenas poluição marinha. O Parque (abrange 70% da ilha principal e todas as outras 21 ilhas secundárias), criado em 1988, portanto há 37 anos, jamais resolveu qualquer problema. Por exemplo, apenas uma das trilhas usadas pelos turistas não é de terra batida. No período chuvoso, as trilhas se tornam escorregadores de turistas e da lama.

Desde pelo menos 1956 sabe-se, por um relatório do governador à época, que o reflorestamento era ‘urgente’. Quase 70 anos depois, a situação persiste. Do mesmo modo, nenhum trabalho sério e constante foi feito para erradicar as espécies invasivas, e ou exóticas, sejam vegetais ou animais.

Enquanto isso, centenas de gatos domésticos se fartam de comer mabuyas, único réptil endêmico. Além deles, há entre entre 7 e 12 mil lagartos adultos, o Teiú, introduzido nos anos 50, na ilha principal!

O teiú é predador de espécies como a tartaruga-verde, o lagarto-de-Noronha (endêmico), e o caranguejo-amarelo (endêmico), ou o anfisbena-de-noronha (espécie de cobra-cega). Apesar de todas as evidências, para o ICMBio o teiú é ‘espécie nativa e protegida’. Enquanto isso há, talvez, milhões de ratos em Fernando de Noronha. Do mesmo modo, nada se faz de eficaz para controlar as três espécies de roedores que dominam a ilha principal.

População de Noronha cresce sem parar

Nas primeiras vezes em que estive em Noronha, nos anos 80, a população girava em torno de 2.500 pessoas. Hoje ninguém sabe ao certo. O último Censo (2022) indicava 3.167 habitantes, embora o Controle Migratório da ilha aponte 4.700 moradores.

Contudo, estimativas extraoficiais citam ‘mais de 5.000 pessoas’. Já o g1 diz que ‘na alta estação, como em julho de 2016, a Compesa abasteceu 8.000 pessoas (incluindo visitantes). Houve um irresponsável ‘inchamento’ da população por parte do Estado de Pernambuco,  sem o respectivo crescimento da infraestrutura que é precária e deixa a desejar desde 1956.

Século 21, falta água, coleta e tratamento de lixo, saneamento básico e energia limpa

O estudo aponta que ‘o esgoto tratado de forma inadequada e outras fontes de poluição marinha adicionam nutrientes, patógenos, sedimentos, matéria orgânica, sólidos em suspensão, produtos farmacêuticos, produtos químicos domésticos, sabonetes, petroquímicos, metais pesados, desreguladores endócrinos e micro e macro plásticos aos sistemas naturais’.

‘A poluição por águas residuais afeta as águas costeiras em todo o mundo e o Brasil é o quarto país do mundo com maior insumo total de nitrogênio nas águas costeiras, com entradas de águas residuais não tratadas de 30%’.

‘É o caso do arquipélago de Fernando de Noronha, que compreende duas Áreas Marinhas Protegidas no Atlântico Sudoeste tropical e foi designado como Patrimônio Natural da Humanidade (UNESCO, 2001)’. 

UNESCO preocupada com o Patrimônio da Humanidade

‘Essa tendência preocupante de escalada do turismo e da expansão urbana chamou a atenção da UNESCO, que classificou o Patrimônio Mundial como de “preocupação significativa” em sua última avaliação (IUCN, 2020)’. 

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‘Nossos resultados indicam que os impactos da poluição marinha se estendem às áreas marinhas protegidas oceânicas e que, sem controle local da poluição, as UCs (AMPs, no original) não são suficientes para proteger os ecossistemas marinhos, mesmo nas regiões oceânicas’.

Uma das áreas mais afetadas é a região do porto. Foram detectados 4 dos 5 tipos de poluentes analisados, incluindo o coprostanol (esterol de origem fecal). As áreas analisadas na APA receberam a classificação, ‘ruim de poluição’.

Noronha tem uma ‘imensa’ (para uma ilha) frota de veículos movidos a combustíveis fósseis. Segundo o IBGE, há 1.400 na ilha principal, mais uma bobagem do governo pernambucano. Além disso, 90% da geração de energia é de geradores a óleo diesel. E isso  num local com a maior insolação do País!

A Vila dos Remédios é hoje um retrato do Brasil, um ‘favelão de puxadinhos’ com lixo pelo chão. A improvisação é prática recorrente, governo após governo pernambucano. De novidades em relação à sustentabilidade temos apenas a proibição de plásticos atrasada, só passou a valer a partir de abril de 2019.

A função principal de um Parque Nacional é a conservação. Ou seja, dar uma chance à natureza para que ela se regenere. O Parque Nacional de Fernando de Noronha nega a regeneração da fauna e flora desde sua criação. Assim acontece em quase todas nossas áreas marinhas protegidas.

Tudo isso em conjunto reforça o que sempre dissemos, o litoral do País está ao deus-dará, e nada indica que haverá qualquer mudança para melhor. Uma das provas é o ícone do ambientalismo mundial Marina Silva. Desde que assumiu, dois anos atrás, ainda não se pronunciou sobre o litoral. Há meses este site requisita uma entrevista com a ministra para falarmos sobre a zona costeira. Nada. Infelizmente, nada…

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