Embarcações típicas e o turismo, algumas boas ideias
Uma das maiores riquezas culturais do litoral do Brasil são as embarcações típicas. Nesta altura do século 21 em que estamos, a maioria dos países do mundo já perdeu o seu acervo, fruto da tecnologia, dos preços mais em conta dos motores, ou até mesmo da infraestrutura ao longo de suas zonas costeiras. No Brasil, por uma série de razões, isto não aconteceu. Apesar dos avanços da infraestrutura na costa, as embarcações típicas persistem em navegar. Elas são maravilhosas, pintadas em cores vibrantes, muitas ainda dependem da vela como propulsor principal. Outras, abandonam as velas, mas são movidas a remo. São bens culturais dos brasileiros, tombados pelo IPHAN, mas desconhecidos da maioria da população. Hoje o assunto são as embarcações típicas e o turismo, algumas boas ideias.
Embarcações típicas
Entre as riquezas do litoral, que poucos conseguem enxergar, estão as embarcações típicas da costa brasileira. Um acervo riquíssimo, filho da tradição oral que hoje está nos estertores não fosse o trabalho maravilhoso de alguns abnegados.
O Brasil é o país mais rico do mundo em diversidade de embarcações típicas ainda em uso. Isso é fruto de nossa pobreza, talvez o único fruto decente desta situação indecente. Contribui para preservar a tradição náutica centenária que começou quando os nautas portugueses chegaram por aqui onde deixaram seus conhecimentos de construção naval.
Como já explicamos, à esta época o Brasil se tornou escala da Carreira das Índias, e estaleiro para reparos e construção das caravelas e naus que navegavam esta rota marítima. Nossas embarcações típicas são uma herança viva do encontro de europeus, asiáticos, e africanos, com os indígenas da costa.
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Ainda temos algo como 20 a 30 modelos, entre eles as jangadas de pau, semi-extintas por falta de matéria prima; ou os saveiros e lanchas rabo-de-peixe, da Bahia, que foram protagonistas da nossa história. Existem desde os tempos em que os nautas escolheram a Bahia como capital. E, apesar de imortalizados nas obras de Jorge Amado e Dorival Caymmi, a grande maioria do público, incluso baianos notáveis, ignora a história e beleza dos saveiros…
Mas, o Estado mais rico neste acervo é sem dúvida o Maranhão. Ali ainda existem grandes quantidades de modelos diferentes, entre as canoas-costeiras, iates, bote-proa-de risco, bianas, igarités, etc.
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No Nordeste temos as jangadas, as canoas de risco de Camocim, e os botes bastardos do Rio Grande do Norte e do Ceará.
O Sudeste conseguiu salvar apenas as canoas, são diversos tipos espalhados pelo Espírito Santo, Rio de Janeiro, e São Paulo.
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IPHAN nega ajuda à relíquia naval tombadaONG Canoa de Tolda aciona IPHAN e lança campanhaCanoa de tolda Luzitânia, preciosidade naval em perigoE a região Sul também conseguiu preservar diversos tipos de canoas, e uma linda canoa de pranchão, um dos barcos centenários tombados pelo IPHAN.
Algumas boas ideias
Felizmente, depois de anos a fio no ostracismo quase absoluto, alguns prefeitos de municípios costeiros acordaram de seu sono letárgico, e passaram a organizar regatas de seus barcos típicos.
Assim nasceu uma das mais tradicionais e lindas regatas da costa brasileira, a João das Botas, organizada na Baía de Todos os Santos somente para os pouco mais de onze ou doze saveiros que restaram, pela Marinha do Brasil, com apoio da prefeitura de Salvador que viu na atividade mais uma chance de criar atrativos para turistas.
É bom saber que se no Brasil estas embarcações são quase totalmente desconhecidas, na Europa elas são apreciadas demais. Franceses, ingleses, holandeses, e alemães entre outros, atravessam o mundo para ver estes lindos barcos navegando.
Ubatuba, fandango e corrida de canoas caiçaras
Em Ubatuba, já faz alguns anos, a prefeitura organiza um festival de fandango, a dança e músicas típicas dos litorais de São Paulo e Paraná, juntamente com uma corrida de canoas caiçaras.
O evento cresce a cada ano e já faz parte do calendário turístico do município.
Embarcações típicas e o turismo: do Nordeste vem a novidade
Agora tomamos conhecimento do Encontro Povos do Mar, organizado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), no Ceará. O evento, que está em sua décima-primeira edição, neste ano organizou também uma exposição de arte em velas de jangadas unindo embarcações típicas e o turismo.
Segundo o Diário do Nordeste, a mostra foi aberta dia 12/12 e assim permanece até 16/12. Mais uma boa ideia que pode e deve ser copiada por outros municípios, de modo a valorizarmos algo que faz parte de nossa herança cultural, além de elevar a moral dos nativos da costa brasileira, sempre relegados e esquecidos.
Segundo o jornal, ‘Chamada de ‘Aquavelas’, a exposição deste domingo reuniu trabalhos de 11 artistas plásticos e levou cor e arte ao litoral fortalezense. Inicialmente, as velas coloridas das jangadas ficaram expostas para o público na areia e, depois, passearam pela orla de Fortaleza, rumo ao Rio Ceará.’
‘Para o consultor do Sesc Ceará, Paulo Leitão, as velas pintadas são “verdadeiras obras de arte flutuantes” que “vêm para celebrar toda a cultura dos povos do mar, além de simbolizar a importância da preservação do nosso litoral e de pensar ideias e soluções que dialoguem com o desenvolvimento sustentável”.
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O Diário do Nordeste acrescenta que ‘O encontro é uma celebração às danças, artesanias e costumes ancestrais dos povos que habitam o litoral cearense. Geralmente, reúne rendeiras, mestres da cultura, pescadores, artesãos e marisqueiras que vivem nas mais de 200 comunidades litorâneas do Ceará’.
Em Ilhabela, litoral norte paulista
Enquanto isso ocorre no Nordeste, em Ilhabela, litoral norte paulista, que deve sua existência às canoas de voga, alguns prefeitos ignorantes preferem esconder uma linda e centenária canoa de voga, a Vencedora, que estava em exibição na praça principal da cidade para, em seu lugar, construir um chafariz dos mais chinfrins, daqueles de cidades do interior sem imaginação.
Depois de assumir a primeira vez a prefeitura da ilha, Toninho Colucci escondeu-a num galpão e gastou dinheiro público ao mandar construir um chafariz. A linda história de Ilhabela, que usava estas canoas ainda à vela para escoar a produção de cachaça e outras culturas em Santos, e de lá trazer outros bens, parece envergonhar o prefeito.
Lamentável decisão.
Torcendo pra moda pegar
O Mar Sem Fim é um fã incondicional de nossas tradições náuticas. Sempre que possível as divulgamos neste site e em outros espaços. Como sugestão para quem quiser saber mais sobre este tesouro brasileiro sugerimos três livros: Embarcações Típicas da Costa Brasileira, deste escriba, lançado pela Terceiro Nome Editora.
Embarcações do Maranhão, de nosso amigo e guru, infelizmente falecido recentemente, Luiz Phelipe Andrés, da Horizonte Geográfico; e, finalmente, o livro Viva Saveiro, embarcações típicas da Bahia, da editora Solisluna, de Carlos Ribeiro e Pedro Bocca.
Fontes: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/exposicao-de-arte-em-velas-de-jangada-abre-11-encontro-povos-do-mar-1.3170056; https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2021/12/12/programacoes-ocupam-fortaleza-com-atracoes-ao-ar-livre-neste-domingo-12.html.
Parabéns pela reportagem mas é preciso deixar clara a cpntribuição dos povos originários para a náutica como construtores de jangadas e canoas e posteriormente dos quilombolas da Baía de Todos os Santos que ao juntarem as técnicas ancestrais africanas e indígenas com as lusitanas sobrevivem das águas até hoje. Veja o Quilombo Conceição de Salinas com o seu Bordejo de Canoas
João, tudo bem? Existe em alguma cidade brasileira um museu dedicado a essas embarcações ou ao passado náutico? Já visitei um ou dois museus navais no exterior que foram muito interessantes, mas não sei se temos algo parecido no Brasil. Seria incrível admirar a riqueza e a história desse acervo num só local. Abraços.
Sim, Luiz, existem dois que eu saiba. O maior, em termos de acervo, fica em São Francisco do Sul, Museu do Mar; o outro, cujo nome não me recordo, no Rio Grande, RS, um museu vinculado à FURG, Fundação Universidade do Rio Grande. A canoa de pranchão, mostrada no post, é parte do acervo deste museu. abs
foi inaugurado agora o museu do mar em Salvador e tem uma embarcação dentro mas falta muito
A primeira fortaleza erigida no Brasil, o forte São João na entrada do canal de Bertioga, foi construída em 1536 para proteger a vila de São Vicente do ataque de tupinambás canoeiros oriundos de Yperoig, atual Ubatuba, que se utilizavam desse canal para sua empreitada guerreira. Navegar de Ubatuba até a entrada do canal da Bertioga com embarcações movidas a remo, mesmo hoje, é uma façanha impressionante, imagino então, quão grande era o esforço desses guerreiros que cumpriam essa jornada, com suas pesadas canoas, no início do século XVI.
Digo isso porque, moro em Santos e cada vez mais, vejo a rampa da Ponta da Praia ser tomada por coloridas canoas havaianas. Inclusive há pouco, acompanhei uma dessa embarcação sendo levada para a água, feita em fibra com cores vibrantes tinha no costado a inscrição (sic)“Santos Canoe Club”. E, infelizmente, em nenhum lugar encontro referências sobre os bravos canoeiros tupinambás e suas embarcações, antepassadas das belíssimas canoas de voga, que provavelmente dominaram esse trecho do nosso litoral antes da chegada dos europeus
Nada contra a prática desse esporte, a canoa havaiana, mas me entristece ver que estamos importando uma tradição distante e com isso apagando um rico passado: o nosso.
Felizmente, lendo essa matéria tive a grata satisfação de saber que ainda temos pessoas preocupadas em preservar nossas tradições navegadoras, acredite, para um ilhéu caiçara como eu, isso é muito importante. Parabéns por mais uma bela matéria
Ubiratan: por pensar de forma semelhante sempre recomento o relato de Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, onde ele conta sua epopéia quando foi sequestrado do Forte de Bertioga pelos tupinambás, e levado de canoa até a aldeia de Cunhabebe, na baía de Angra dos Reis! As façanhas destes índios em canoas pelo nosso litoral são incríveis e muito pouco cultuadas. Abs.
João, porque você esqueceu o Norte? Pará e Amapá, para falar de mar; e os outros Estados, para falar de rios, têm sua coleção de velas e pô-pô-pôs, que navegam sem cessar e, diferentemente de Ilhabela, mereceram em Belém, espaços públicos de memória.
Oi,Ana, da próxima vez vou incluir os barcos típicos da região Norte. Abraços
João, seu trabalho tem sido fundamental para o registro, divulgação e manutenção da tradição de nossas embarcações regionais, seus métodos construtivos e a valorização dos nossos caiçaras e Mestres que ainda se utilizam e vivem destas maravilhosas embarcações. Que os prefeitos e responsáveis pelo turismo de nossa costa possam, com mais ênfase, promover e valorizar este nosso patrimônio cultural. Aliás, seu livro, citado acima, é maravilho e o mais abrangente. Parabéns.
Muito obrigado, caro amigo, tomara que os prefeitos sigam estes exemplos. abraços