Crime organizado no litoral: Estado omisso, elite apática

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Crime organizado no litoral: Estado omisso, elite apática

No final de 2024 estive no litoral extremo oeste do Ceará. Fui investigar um surto de especulação imobiliária. Tudo começou quando um empresário paulista comprou uma área de 12 milhões de metros quadrados na praia do Preá. Ele planeja investir R$ 4 bilhões em condomínios, resorts, clubes de kitesurfe e hotéis. O surto especulativo se espalhou rápido. Até a Diocese de Sobral entrou no jogo. Mas o mais chocante foi ver a presença escancarada do Comando Vermelho na região. Os bandidos anunciaram sua chegada com pichacões nas placas das estradas: “O C.V. chegou!”, “Respeite o C.V.”, entre outras. Então, percebi que o problema vai muito além do Ceará. Com o abandono da zona costeira pelo poder público, e a omissão das elites que frequentam, o crime organizado no litoral avança. E se instala em diversos Estados.

combate ao Crime organizado no litoral
Litoral do Paraná. Imagem,Roberto Dziura Jr/AEN.

Omissão, portos, e emergência climática contribuem para o crime

Para o pesquisador Marcelo Nery do Núcleo de Estudos da Violência da USP, “O litoral é uma área sensível com relação ao tráfico. Não só o tráfico que distribui entorpecentes e armas para o Brasil, mas como ponto de conexão entre aquilo que chega no Brasil e vai para outros lugares do mundo (Fonte: Jornal da USP ).”

Além disso, revela a matéria assinada por Lucas Torres Dias, Marcelo Nery aponta um outro fator específico do litoral, que é ser mais sujeito a desastres do clima. “Emergências climáticas estão acontecendo e tendem a ser cada vez mais frequentes. No litoral, isso também é uma realidade e esse contexto, como tendência, leva ao aumento da violência.” A razão para isso seria uma quebra de coesão social. Após um acidente ou desastre, a ordem estabelecida se fragiliza e também crescem as necessidades das pessoas, incluindo criminosos.

Mistério: quantos policiais federais tomam conta das ‘fronteiras molhadas’?

Antes de mais nada, é bom saber a definição de “fronteiras molhadas’: elas são os limites territoriais entre países definidos por corpos d’água, como rios, lagos ou oceanos. Agora que sabemos isso, vale recordar que a costa brasileira tem 7.500 km, dependendo da forma como é medida.

Neste imenso espaço, existem aproximadamente 380 terminais portuários: 210 terminais de uso privado (TUP), localizados em portos privados;  170 terminais arrendados em portos organizados (portos públicos), entre estes 36 portos públicos. Por eles, passam 95% das exportações brasileiras.

Muito bem, fiscalizar e controlar o que entra e sai destes 36 portos públicos, e 380 terminais portuários,  é uma tarefa que cabe à Polícia Federal e à Receita Federal. Mas ninguém sabe qual o efetivo humano destacado. Sabe-se, entretanto, que a fiscalização  é crítica. Sofre com baixa alocação de pessoal. Não há transparência plena sobre quantos servidores atuam por porto ou região. Estudos da FGV e do TCU apontam para a necessidade de mais investimentos em pessoal e tecnologia para suprir a deficiência de cobertura.

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Litorais da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Piauí na mão do crime organizado

O Mar Sem Fim mostrou diversas vezes que o litoral virou terra sem lei. Crimes ambientais, que no continente geram fiscalização e punição, no litoral passam batido. Nem Ibama, nem ICMBio agem. Os frequentadores também se calam. A paralisia é quase total.

Todos sabem o que acontece quando o Estado abandona uma região. O crime organizado ocupa o vazio. Aconteceu nas favelas do Rio e na Amazônia, transformada numa ‘central global de drogas’ conforme matéria de O Globo. Agora se repete no litoral, em vários Estados.

O Estado sempre chega atrasado. Só reage depois de massacres ou barbáries. Nunca planeja para evitar o flagelo. Mostra-se incapaz de cumprir sua missão mais básica: pensar o futuro da população.

No Nordeste os casos mais gritantes acontecem nos litorais da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, abrigo de mafiosos, Paraíba, Ceará e  Piauí.

Ainda em julho de 2025 a BBC News publicou a matéria Paraísos dominados: como facções transformaram destinos turísticos do Nordeste em um grande negócio.

O primeiro parágrafo diz tudo, inclusive sobre a omissão do poder público, o único que finge que não vê o que acontece: ‘Coqueiros, águas mornas, frutos do mar… Venda de drogas à luz do dia, “olheiros” monitorando as esquinas, assassinatos violentos e uma vida local dominada pelo poder paralelo das facções. Essa descrição hoje serve para três dos principais (e mais bonitos) destinos turísticos de praia do Nordeste brasileiro: Porto de Galinhas, em Pernambuco; Pipa, no Rio Grande do Norte; e Jericoacoara, no Ceará’.

Mais adiante, revela o texto, ‘além das três praias, também há notícias de grupos criminosos atuando em outros destinos populares no Nordeste, como São Miguel dos Milagres, em Alagoas, e na região de Trancoso e Caraíva, na Bahia’.

Litoral potiguar, tão importante para a economia do Estado e a Máfia

O litoral potiguar, vital para a economia do Estado, virou refúgio de mafiosos. Terra de ninguém. Agora mesmo, em julho de 2025, criminosos armados invadiram pousadas. Uma afronta direta ao Estado.

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Em 2024, facções rivais disputaram território em Pipa, um dos destinos mais procurados do Rio Grande do Norte. Três pessoas morreram.

No mesmo ano, o jornalista Paulo Assad revelou em O Globo: “Cosa Nostra: como a máfia italiana usou construtoras e pizzarias para lavar dinheiro no RN e PB”.

É inacreditável. Só as elites deste país fingem que não veem. E seguem inertes, incapazes de defender o que ainda resta do litoral.

‘Cosa Nostra Entre As Dunas’

Além disso, os negócios da máfia italiana no Rio Grande do Norte foram o mote da impressionante matéria ‘Cosa Nostra Entre As Dunas’, de autoria de Allan de Abreu, para a Revista Piauí. É daquelas de tirar o sono.

Enquanto isso, o tráfico de drogas rola solto em Jericoacoara sem que o Estado intervenha. Parece um conluio entre o crime organizado, os prefeitos, a grande maioria dos quais pensa apenas nas vantagens que pode conseguir com o cargo, e muitas vezes até do governo de Estado que frequentemente se omite.

No sul da Bahia já mostramos através de matéria do repórter Fabio Victor da Folha de S. Paulo, que, em Porto Seguro por exemplo, a cidade mais populosa da Costa do Descobrimento, teve em 2022 uma média de 57,7 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes. Isso é mais que o dobro da taxa nacional de 23,3 e acima da média da Bahia, 47,1, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O bairro do Baianão, em Porto Seguro, aconteceu um protesto por um massacre que deixou 13 mortos, contou Fabio Victor. O Baianão abriga quase metade da população de Porto Seguro, incluindo a maioria dos trabalhadores do turismo. É também o território de uma grande facção local conhecida como Mercado do Povo Atitude.

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Santa Cruz Cabrália é ainda mais violenta que Porto Seguro

Santa Cruz Cabrália, vizinha de Porto Seguro e também um polo turístico, teve taxas de homicídio e letalidade policial ainda maiores em 2022. Lá, a violência se entrelaça com questões indígenas, revelou o jornalista da Folha.

Líderes indígenas atribuem a criminalidade nas aldeias ao aumento do turismo e da especulação imobiliária, processos dos quais se sentem excluídos. “A questão agora é sobre empresários, hotéis, restaurantes e barracas. E os indígenas, às vezes, são impedidos de construir suas ocas para se tornarem comerciantes. Isso gera impacto”, diz Syratã Pataxó, presidente do Conselho de Caciques da TI Coroa Vermelha.

Sudeste: Litoral de São Paulo nas mãos do PCC e C.V

No final de 2023 o Estadão publicou a matéria de  Marco Antônio Carvalho e José Maria Tomazela, Por que o litoral tem as cidades mais violentas de SP?

“Cidades do litoral de São Paulo lideram a lista de localidades mais violentas do Estado, segundo indicador que reúne registros de roubos, estupros e homicídios. Peruíbe, Caraguatatuba, Mongaguá e Ubatuba estão entre os cinco municípios com os maiores índices de crimes praticados com violência, tendência que tem se repetido nos últimos anos na região.”

No litoral norte, PCC e Comando Vermelho se instalaram no sertão. Controlam o tráfico e, em breve, o comércio local. O Estado sabe, mas não age. Quase todos os últimos prefeitos dessas cidades foram acusados de corrupção, peculato, fraude em licitação ou nepotismo. É o caso de Válter Suman (PSDB), no Guarujá.

Em agosto de 2023, a “Operação Escudo” na Baixada Santista, marca da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), deixou um saldo brutal: 22 mortos.

Na mesma época, no litoral paulista, a prefeita de Ubatuba foi cassada. O de Ilhabela perdeu os direitos políticos. Pouco depois, a Câmara de Ubatuba “descassou” a prefeita, que acabou reeleita. O mesmo aconteceu com o prefeito de Ilhabela. Um retrato do entorpecimento coletivo: já não se distingue mais o lícito do ilícito.

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Líder do PCC é morto em Praia Grande

Desta vez o caso envolve Luken Cesar Burghi Augusto, 43 anos, um dos criminosos mais procurados do Brasil e apontado como líder do Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele morreu em confronto com policiais da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) em 9 de agosto, na Praia Grande, no litoral de São Paulo.

Enquanto isso, a elite paulista assiste tudo calada. Desde que conte com segurança privada em suas mansões ou condomínios, não se incomoda. A tolerância com os crimes ambientais, com a corrupção de prefeitos e vereadores, abriu espaço para o avanço do crime organizado no litoral. Agora, quem tenta tomar conta é o PCC, o Comando Vermelho, e outras facções. E tudo segue como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Rio de Janeiro, orla na mão da bandidagem

Na ex-capital federal a situação é ainda pior. Copacabana, uma das praias mais famosas do mundo e cartão postal do Brasil, passou por maus bocados. ‘Não há semana que a praia mais famosa do país não esteja no noticiário. Idosa morre ao bater a cabeça no chão depois de ser assaltada. Fã de Taylor Swift é vítima de latrocínio na areia. Os moradores do bairro estão em pânico’.

Os trechos entre aspas são de um lúcido e triste artigo de Mariliz Pereira Jorge, jornalista e roteirista de TV, publicado na Folha de S. Paulo, Anestesiada pelos absurdos, quero a carteirinha de carioca

Agora mesmo, julho de 2025, a Região do Lagos vive o caos em razão da invasão do bairro de Tucuns por traficantes do Comando Vermelho. Os bandidos atearam  fogo em vans da cooperativa local, em um claro ato de intimidação e extorsão, segundo conta o RLagos.

Em outra matéria, o RLagos descreve a situação: Identificado como Jorbi de Tucuns, criminoso do Comando Vermelho está aterrorizando motoristas e impondo domínio sobre bairros da cidade; PM e Polícia Civil ainda não conseguiram conter ações do traficante’.

Jorbi traficante que aterroriza Búzios, RJ
Jorbi o traficante que aterroriza Búzios. Imagem, www.guiaregiaodoslagos.com.br.

Mais cedo neste ano, em maio, a CNN publicou MP faz buscas contra integrantes de facções criminosas rivais em Búzios, dando conta de uma ação contra integrantes das facções criminosas rivais Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro (TCP), ambas disputando o tráfico de drogas.

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Paraty, prefeito Carlos José Gama Miranda, Casé, sofreu tentativa de assassinato

Em 19 de maio de 2015 o prefeito de Paraty, Carlos José Gama Miranda, Casé, e seu assessor Sérgio José Miranda, sofreram uma tentativa de assassinato ao deixarem a sede da prefeitura. Por aí se vê a ousadia dos bandidos.

A Agência Brasil explicou os motivos: ‘De acordo com o delegado titular da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, Fábio Cardoso, o crime foi encomendado e os suspeitos da ordem são dois irmãos. Eles foram presos em casa, em Paraty. Segundo Cardoso, a motivação do crime seria a reintegração de posse de um terreno, onde estavam morando há quase cinco anos’.

Vale uma explicação: em quase todos os municípios costeiros, a regularização fundiária nunca anda. Vive empacada, pulando de um governo para o outro. E por um motivo simples: ninguém quer resolver. Prefeitos e comparsas lucram com a bagunça.

Essa omissão é o que alimenta a grilagem e a especulação imobiliária. Sem regularização, tudo vira terra de ninguém. Um terreno sem dono oficial é convite para o suborno, a fraude, e o favorecimento de grupos “amigos” do poder.

‘Angra dos Reis é a segunda cidade onde a polícia mais mata no Brasil’

Matéria de O Globo, de 2023, mostra que ‘o cenário paradisíaco de Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio, vem, há cerca de seis anos, se misturando à criminalidade no município’.

Mais adiante, o texto revela que ‘segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cidade tem a segunda polícia que mais mata no país, considerando as taxas a cada 100 mil habitantes’…Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, de 2018 a 2023, houve 304 mortes pela polícia em Angra…O aumento da letalidade coincide com o período de migração de traficantes e milicianos para Angra.

Em janeiro de 2025, a  CNN  revelou a prisão de Diego Guimarães Barbosa, o “Senhor da Guerra”, conhecido por promover a guerrilha entre facções para ampliar território no Rio de Janeiro. Ele foi preso no Espírito Santo.

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Ilha Grande

É oportuno recordar que foi no presídio de Ilha Grande que nasceu o Comando Vermelho. Acontece que mesmo 30 anos depois de o presídio ser desativado a criminalidade prossegue alta e cada vez mais violenta. Em 2023 o empresário Douglas Veneo Tavares Ferreira, que havia alugado uma casa na praia da Longa, teve a ousadia de reagir a um assalto. Acabou assassinado com oito tiros pelas costas.

E os influentes ricos que frequentam Angra? Você viu algum deles comentar o assunto? Propor soluções? Discutir saídas?  O silêncio é absoluto. Desde que estejam protegidos por seguranças armados e lanchas blindadas, fingem que nada acontece ao redor.

Região Sul: líderes de facções que brigavam pelo domínio do litoral do Paraná foram mortos

Litoral do Paraná, 2021: ‘A Polícia Militar do Paraná desencadeou  a Operação Rio II para cumprir 17 mandados de busca e apreensão e 14 de prisão contra um grupo criminoso envolvido com tráfico de drogas, homicídios e outros crimes no Litoral do Estado, informou o site do Governo.

Tráfico de drogas e extorsão nas praias de Florianópolis

Em março de 2025 o site do governo de Santa Catarina publicou POLÍCIA CIVIL DEFLAGRA OPERAÇÕES VOLTADAS AO COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS E À EXTORSÃO DE COMERCIANTES NAS PRAIAS DE FLORIANÓPOLIS.

crimes no litoral
Imagem, Governo de Santa Catarina.

A situação é idêntica ao que acontece nos outros Estados: ‘As investigações revelaram a existência de uma quadrilha organizada, atuante na comercialização de drogas em quiosques localizados nas praias da cidade. Além do tráfico, o grupo utilizava ameaças e extorsões contra comerciantes da região, visando garantir seu domínio territorial e expandir seus lucros ilícitos’.

A gravíssima situação que as elites não veem

Antes de mais nada, recordemos um bordão  mais que verdadeiro em terras de Santa Cruz: sem a força da opinião pública as coisas não andam, ou andam de lado. É por esta razão que chamamos a atenção desta gente.

De acordo com o o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), ‘a influência do crime organizado sobre agentes públicos tem sido um fator determinante para sua expansão’.

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É por isso que também denunciamos o estrepitoso silêncio das elites que frequentam o litoral. Silêncio é sinônimo de conivência, e esta, de portas abertas ao crime. Lincoln Gakiya alertou: “O crime organizado tem montado seus próprios bancos. Espanta sim a evolução do crime organizado (Fonte: CNN)”

Você sabia que no litoral do Paraná, o segundo menor do País, mais de 100 morreram na guerra entre facções?

Temos que pressionar Lula para que vete o estropício ambiental aprovado pelo Congresso Nacional.

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