O Canal do Valo Grande dividiu Iguape ao meio, e causa sérios problemas à biodiversidade do Lagamar
No século 19 Iguape era um dos mais importantes centros da região Sudeste. O porto ficava defronte à cidade. Por ele era escoada a produção agrícola da região, especialmente o arroz. O rio Ribeira de Iguape serpenteava por trás da cidade até atingir sua barra alguns quilômetros ao norte de Iguape. Para economizar tempo, decidiu-se abrir o canal do Valo Grande ligando o rio diretamente ao “Mar Pequeno”, onde ficava o porto.
O Canal do Valo Grande foi aberto para facilitar o embarque e desembarque no porto de Iguape
Foi um desastre. O Canal do Valo Grande, que deveria ter 40 metros de largura, sofreu os problemas da erosão causada pela força da água do Ribeira de Iguape. E a cidade de Iguape quase foi engolida.
Canal do Valo Grande inviabilizou o porto de Iguape, e ameaça a biodiversidade do Lagamar
Pior: junto com a enorme vazão vieram toneladas de sedimentos e muita água doce. Os sedimentos assorearam o Mar Pequeno e a barra de Icapara, por onde entravam os barcos e pequenos navios, inviabilizando o porto.
E a água doce, que continua a fluir livremente até hoje, está matando o manguezal da região e provocando o fechamento de bocas de rios com capim. Enquanto providências não são tomadas pelo poder público, o manguezal de Iguape agoniza. Como as cidades estão interligadas pelo estuário, há sério risco de que os problemas encontrados hoje em Iguape avancem, atingindo uma área cada vez maior.
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Em 2017, após um inquérito que se arrastava desde 2001, o Ministério Público do Estado de São Paulo, em ação civil pública, venceu a primeira batalha contra o governo paulista para fechar o canal.
A Justiça condenou o Estado de São Paulo. E exigiu que “o réu”, realizasse “o fechamento definitivo e em tempo integral da barragem do Valo Grande”. Ordenou ainda que retirasse “a vegetação macrófita e exótica acumulada no Complexo Estuarino-lagunar de Iguape-Cananeia, principalmente nos manguezais e no Mar Pequeno, em 30 dias”.
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Não se sabe por qual motivo, até hoje o governo do Estado de São Paulo apela nas demais instâncias.
O que é o Lagamar?
O Lagamar é um gigantesco estuário cercado pelo maior trecho contínuo de mata-atlântica do Brasil. Ligando os dois extremos, Paraná e São Paulo, há uma série de canais que começam em Iguape, sul de São Paulo, e seguem até Paranaguá, no norte do Paraná recebendo a água do mar por várias “aberturas”, ou barras.
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Salvador, BA, condomínio e espigões ou mangue e Mata Atlântica?Consema: ‘manipulação do conselho para facilitar interesses do Governo do Estado’Boa nova! Programa Vizinhança Solidária Ambiental em CaraguatatubaO interior dos canais e baías são cercados dos dois lados por vastos manguezais, um dos mais importantes ecossistemas marinhos: várias espécies de peixes, crustáceos e moluscos, além de uma infinidade de aves marinhas que usam suas copas como habitat, dependem dele para seu ciclo de vida.
A vida ameaçada pelo Canal do Valo Grande
Os canais também são procurados por mamíferos marinhos como os botos-cinza; e tartarugas, especialmente a tartaruga-verde. Já o interior da mata atlântica abriga espécies ameaçadas de extinção como a onça-parda e os bugios, ou animais endêmicos e também ameaçados, como mico-leão-da-cara-preta, ou o papagaio-de-cara-roxa.
849 espécies de aves, 370 anfíbios, 270 mamíferos, e 350 espécies de peixes
Entre os ecossistemas associados, neste trecho de 200 quilômetros de extensão (Iguape até Paranaguá), destacam-se a mata de restinga, dunas, praias, costões rochosos, lagunas e terrenos alagadiços. Estudos mostram que este formidável conjunto abriga 849 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 tipos de répteis, 270 de mamíferos, e 350 espécies de peixes. Assista ao programa que fizemos.