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O Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela

No período das grandes navegações o Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela

Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela. Por mais de três séculos, a única forma de chegar era através dos mares. Como se sabe, somos fruto da epopéia náutica lusitana, um dos maiores acontecimentos da história mundial. E nos séculos 16, 17, e 18, especialmente, as embarcações que para cá vieram eram simples e precárias. Além disso, não havia cartas náuticas, nosso litoral era uma grande incógnita. Tudo isso resultou numa série interminável de acidentes, os naufrágios do Brasil. 

Baía de Todos os Santos e canoa baiana com duas velas. Aquarela do Tenente Robert Pearce, em 1819.

Bergantins, os primeiros barcos construídos no Brasil em 1531

A informação é do Instituto Baía de Guanabara: “Em fins de abril de 1531, a expedição de Martin Afonso de Sousa chegou ao Rio de Janeiro, aí permanecendo três meses. Logo, em terra, instalou a ferraria e construíram-se, no Caju, dois bergantins (escuna com velas quadrangulares em dois mastros) de 15 bancos, cada, utilizando-se para isso a mão-de-obra dos índios Tamoios.”

Foi então que começou o período em que o Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela.

O bergantim.

1550, o primeiro estaleiro

“Já em 1550, o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, mandou instalar oficialmente em Salvador uma empresa de conserto e fabricação de embarcações. Os portos brasileiros eram frequentados não apenas por razões comerciais, mas pela necessidade de se fazer reparos em navios depois de longos meses no mar (site Fapesp).”

Informação do historiador Sivar Hoepner Ferreira (Academia Paulistana de História): “Para realizar o ciclo de descobertas que revelaram a Ásia ao Ocidente, contribuindo assim para a mudança do curso da História, os portugueses transformaram a empírica marinharia medieval numa ciência que permitia navegar com relativa segurança em qualquer parte do mundo.”

As riquezas da nova terra atraem piratas, aventureiros, e outras nações

Logo depois da descoberta” espalhou-se na Europa, devido especialmente às cartas e viagens de Américo Vespúcio ao Brasil, notícias sobre as riquezas da nova terra. Foi o suficiente para despertar o imaginário da época. Já em 1555 os franceses invadiram o novo país e  fixaram uma colônia na baía de Guanabara, a França Antártica.

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Piratas vieram aos montes para estas plagas. Quem tinha um navio na Europa, cedo ou tarde vinha para o novo país. “O mapa de Jan Janes (abaixo), descreve a invasão do corsário holandês Spilbergen em 1615 e mostra que o porto de São Vicente teria, na época, duas barras, por onde entrariam grandes navios: vê-se até um galeão holandês fundeado defronte à Praia de Paranapuã (do blogcaicara).”

Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela.

Portugueses dominam a arte de construir barcos

Segundo o site da Fapesp, “Os portugueses dominavam a arte de construir todos os tipos de barco e de criar outros, como as caravelas, e foi essa indústria uma das responsáveis pela epopeia das grandes navegações naquele período.”

“Tal sucesso foi facilitado pela padronização que os portugueses adotaram das proporções e medidas dos vários modelos de navio, feita pelo estaleiro lisboeta Junta das Fábricas da Ribeira. O livro das traças (1616), de Manuel Fernandes, por exemplo, trazia desenhos detalhados de 20 tipos de barco, segundo conta o engenheiro Pedro Carlos da Silva Telles no livro  História da construção naval no Brasil (Fundação Estudos do Mar, 2001).”

Fernão de Magalhães e Thomas Cavendish

Entre outros navegadores e piratas famosos que estiveram por aqui, ainda no século da descoberta, estão Fernão de Magalhães que, antes de descobrir o estreito que leva seu nome e realizar a primeira circunavegação do globo, fundeou no Rio de Janeiro por uma semana para reabastecimento (1522).

Pouco depois, o terceiro a circunavegar o planeta foi o pirata Thomas Cavendish (1586). O inglês infernizou a costa brasileira. Incendiou construções de Ilha Grande, aprisionou navios, fundeou em Ilhabela, de onde ordenou a destruição de Santos e São Vicente. Azucrinou. E a cada vez que isso acontecia, navios iam a pique…ou tinham que ser reparados.

O Brasil foi escala, e estaleiro, na era da vela

Logo depois do desembarque de Cabral, os nautas lusos perceberam que o Brasil seria a melhor escala para a Carreira das Índias, as longas e perigosas viagens de comércio que fizeram, a partir do momento que Vasco da Gama cruzou o Cabo da Boa Esperança.

A Carreira das Índias foi uma rota exclusiva dos portugueses por cem anos, e permanece usada até hoje no comércio mundial (Tal conquista só encontra paralelo na saga dos Vikings ainda no século 8). Naqueles séculos longínquos, as naus e caravelas não duravam muito mais que meses, precisavam ser reparadas na ida ou na volta da demorada viagem às Índias. Qual o melhor local?

O mapa do Brasil, de Giovanni Battista Ramusio, Veneza 1556, mostra claramente. Para se ter uma ideia, o livro ‘O Outro Exílio’, de A. R. Razzam informa que “entre 1497 e 1612, zarparam de Lisboa 806 navios para a Índia, e apenas 420 regressaram. Tanto os da ida, como os da volta, muitos devem ter escalado no Brasil.

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O início da exploração sistemática da Mata Atlântica

Pode-se ver os nativos cortando madeira de lei para reparar naus e caravelas, além das próprias embarcações como que esperando os reparos que seriam feitos. Assim começou, juntamente com o cerco ao pau-brasil, a exploração sistemática da mata atlântica, a floresta úmida mais rica do planeta.

Curiosamente, a mais diversa porção de mata atlântica do Brasil ficava no sul da Bahia, não por acaso, local escolhido para a primeira capital do Brasil. Outros motivos da escolha, foram as correntes e ventos. Quem sai da península ibérica em barcos à vela é ‘empurrado’ para a direção da Bahia. Naquela época, tudo girava em torno do mar e de navios.

O mapa de 1556 já mostra a extração de madeira e naus e caravelas a espera.

Salvador tornou-se o porto principal da Carreira das Índias, o que contribuiu para aprimorar nossas tradições náuticas. O Brasil daquele tempo, olhava o mar de frente. Ele era a grande porta de entrada para as novidades que chegavam.

Portugal no final do século 16

Segundo o site  da Fapesp, “No final do século XVI, o governo de dom Francisco de Souza deu caráter oficial ao estaleiro da Ribeira das Naus, de Salvador, que já funcionava desde antes, com Tomé de Souza.”

“Monografia da Marinha do Brasil encontrada na internet (www.redebim.dphdm.mar.mil.br), confirma: “Em 1650, uma carta régia estabelecia que se deveria lançar ao mar anualmente pelo menos um galeão de 700 a 800 t. A tonelada correspondia à capacidade que o navio tinha de transportar tonéis. Segundo Telles, um navio de 100 t daquela época teria um deslocamento carregado de cerca de 250 t, segundo se entende hoje. A qualidade e abundância das madeiras brasileiras contribuíram para a forte atividade da construção naval da época.”

Holanda, potência marítima já no século 16

O livro Escravidão, volume 1, de Laurentino Gomes, aborda a questão: “Na segunda metade do século 16 os Países baixos já possuíam uma frota de mil grandes embarcações mercantis, o dobro da Inglaterra.” Ou seja, a Holanda já era uma potência marítima na época.

A frota holandesa em comboio por Simon de Vlieger, 1630.

“Eram também os maiores agentes comerciais da época, responsáveis pelo transporte de 900 mil toneladas anuais de carga, mais do que o volume total transportado em embarcações inglesas, espanholas, portuguesas e italianas.”

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E os holandeses e portugueses entraram em guerra na época da União Ibérica (1580 a 1640). O autor conta que “a guerra começou com ataques às ilhas de São Tomé e Príncipe, entrepostos do tráfico de escravos, entre 1598 e 1599. Depois capturaram dos portugueses Ternate e Tidore, as duas mais importantes ilhas das especiarias no Sudeste Asiático. Com isso assumiram o monopólio do fornecimento para a Europa.”

Holanda e as possessões lusitanas

Laurentino Gomes, em seu livro, traça um perfil do que aconteceu em seguida. “Ao mesmo tempo, devastaram a rede de comércio português atacando a rede de feitorias entre o Golfo Pérsico e o Japão…Por fim as Províncias Unidas conquistaram sucessivamente os entrepostos portugueses na costa do Ceilão, em Cochim e Malabar, na Índia.”

“No final desta grande ofensiva, os territórios que restaram aos portugueses no Oriente foram Macau, na China; Goa, na Índia, e algumas ilhas isoladas e distantes na Indonésia, como Timor, Flores e Solor.”

E o que isso tem a ver com nossa história?

Bem, segundo Laurentino, “em seguida os assaltos de se concentraram em diversos pontos do litoral brasileiro. A Paraíba e o Espírito Santo foram atacados em 1625. A Bahia foi ocupada em maio de 1624, retomada em 1625 e novamente assediada em 1626. Nesta última ocasião, embora a investida tenha fracassado, os holandeses não saíram de mãos vazias…”

Planta da restituição da Bahia, com a chegada da armada Luso-Espanhola em 1625 a Salvado

Bahia, porto negreiro no século 17

Segundo Laurentino Gomes, os holandeses não foram felizes na última investida contra a Bahia. “Mas um relatório da empresa naval dos Países Baixos descreve em detalhes as cargas dos navios aprisionados no porto na ocasião do ataque: uma barca com 250 escravos de Angola, um navio de Angola com negros, um navio de Angola com 280 negros…”

“E o autor relaciona mais quatro navios aprisionados e diz: “estes números são um retrato da importância do porto negreiro de Salvador na época do frustrado ataque holandês.”

Escravos em navio negreiro.

Holandeses no Nordeste

Laurentino Gomes: “O passo seguinte foi o ataque a Pernambuco. Em fevereiro de 1630 um exército de 3 mil homens, apoiado pela poderosa esquadra das Províncias Unidas, desembarcou na Praia de Pau Amarelo, ao norte de Olinda…O Recife também se rendia às forças invasoras.”

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“Começava ali uma duríssima guerra pelas lavouras e engenhos de açúcar, que envolveria as regiões vizinhas – Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará – e só terminaria em 1654. Enquanto isso, corsários holandeses atacavam os navios negreiros em alto-mar. Num só ano, entre 1647 e 1648,  cerca de 200 naus mercantes portuguesas foram capturadas ou afundadas por estes piratas.”

Gravura de Lemaire Sculp mostra bairro da Boa Vista no século 17.

O Atlântico Sul mudava de mãos. Dos portugueses, passou aos holandeses. E todo este movimento náutico no litoral do Brasil, das duas maiores potências marítimas européias, contribuiu para aprimorar a carpintaria naval do Brasil colônia.

Olinda em 1630, em gravura do acervo do Museu do Estado de Pernambuco.

Maior navio do século 17, ‘made in Brazil’

Os carpinteiros daqui se aprimoraram. A fantástica oferta de madeira era infindável. E a técnica naval melhorava dia a dia. Não foi por outro motivo que o maior navio do mundo no século 17, até então construído, foi o Galeão Padre Eterno. E made in Brazil.

O galeão Padre Eterno.

O Padre Eterno era um colosso: seis pontes (ou conveses), e 180 escotilhas (o que quer dizer 180 canhões). Podia carregar até 4 mil caixas de açúcar de 680 quilos cada. E exibia um mastro colossal, feito de tronco de uma única árvore, medindo na base quase três metros de circunferência, o que significa que, para abraçá-lo, seria necessário que três homens fizessem um círculo de mãos dadas à sua volta (Saiba mais sobre o galeão Padre Eterno).

Brasil foi escala para quem demandava os Mares do Sul

Nos séculos 18 e 19 o Rio de Janeiro entra na Rota dos Mares do Sul. Nosso destino está inexoravelmente ligado ao mar e à navegação. Só os brasileiros não sabem.

Infelizmente, com o baixíssimo nível de ensino que existe no país de Macunaíma,  essas são consideradas ‘questões menores’.

As escolas de nível médio, e até as Universidades, passam geralmente por elas de forma insignificante. Não por outro motivo nosso litoral está ao deus-dará e, mesmo assim, não desperta muita comiseração para a maioria dos brasileiros.

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O rio de Janeiro ao tempo da Rota dos Mares do Sul.

O fato é que quando as nações preponderantes da época, especialmente Inglaterra e França, começaram a explorar os Mares do Sul, novamente a parada obrigatória, em razão das distâncias, das correntes marinhas e da direção dos ventos, foi o Brasil. Desta vez, o porto escolhido mudou para o Rio de Janeiro.

James Cook, Darwin, e cia.

De James Cook na viagem do Endeavour, 1768; até Oswald Brierly, a bordo da Galatea, 1867; ou Bellingshausen (1778 – 1852), em sua épica viagem de circunavegação,  os maiorais da vela de então, fizeram suas paradas no Rio.

Até mesmo Darwin. Isso aumentava o tráfego, e deixava mais aprendizado naval. O Rio também foi parada obrigatória para os navios ingleses da carreira da Austrália desde que a “First Fleet” (a frota inglesa que levou os primeiros 1.300 degredados e soldados para a Austrália em 1788) ali fundeou.”

Com esta bonita história náutica, por que decidimos ‘dar as costas’ para o mar?

Fontes virtuais: https://revistapesquisa.fapesp.br/2011/11/30/por-mares-sempre-navegados/; http://www.hottopos.com/videtur2/sivar.htm; http://baiadeguanabara.org.br/site/?page_id=4828http://www.redebim.dphdm.mar.mil.br/vinculos/000006/000006f8.pdf.

Navio Prof. W. Besnard, destino: museu

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