Bombardeio em Alcatrazes, Marinha do Brasil insiste na sandice
Não há nada que se compare ao arquipélago paulista dos Alcatrazes em todo o litoral brasileiro. Alcatrazes é extremamente rico em biodiversidade. Sua vegetação, com remanescentes de Mata Atlântica, é única. Há várias plantas endêmicas, como a orquídea Rainha do Abismo. Entre as nove espécies de répteis três são endêmicas e ameaçadas de extinção, um tipo de jararaca (Bothrops alcatraz), a perereca (Olylogon alcatraz) e uma espécie de rã, criticamente ameaçada de extinção, conhecida como Cycloramphus faustoi, homenagem ao biólogo Fausto Pires de Campos. Em termos de avifauna, é um dos locais mais importantes do Atlântico Sul. Algumas aves marinhas só nidificam ali. Há dezenas de espécies, e milhares de indivíduos que transformaram Alcatrazes em seu habitat. Já foram contadas 20 mil aves no arquipélago. Mas há um grande problema que persiste: Bombardeio em Alcatrazes, Marinha insiste na sandice.
Bombardeio em Alcatrazes, Marinha insiste na sandice
Antes de iniciar quero abrir um parêntese para explicar minha relação com a Marinha do Brasil. Muitos anos atrás fui até condecorado com a Medalha Amigo da Marinha, por meu trabalho de divulgação da cultura náutica.
Relação com a Marinha do Brasil
Sempre tive uma ótima relação com a força que, por outro lado, foi sempre simpática aos meus pleitos. Por exemplo, quando dirigia a rádio Eldorado, lançamos a regata Eldorado-Brasilis, até hoje uma das mais longas regatas de percurso que o País já teve. De Vitória, no Espírito Santo, para Trindade, a 600 milhas de distância, ida e volta.
Por segurança dos velejadores, era preciso que um navio da Marinha escoltasse a flotilha. A regata teve inúmeras edições, sempre com um navio da MB para garantir a retaguarda.
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Por esta amizade com a força, e inúmeros de seus comandantes, tive o privilégio de fazer uma regata Recife-Fernando de Noronha, a bordo do espetacular navio-escola Cisne Branco.
Naufrágio e colaboração da Marinha
Finalmente, quando tive meu acidente na Antártica, mais uma vez a Marinha do Brasil em muito colaborou. Naquele fatídico verão de 2012 houve uma série trágica de acidentes na ilha Rei George, local da base brasileira, Comandante Ferraz.
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Três acidentes em 2012 na Antártica
Foram três em sequência. Primeiro, uma balsa da MB naufragou em frente à base Ferraz quando transportava óleo diesel para a estação. Felizmente, agiram rápido, e não houve dano ambiental.
Pouco depois, a base Comandante Ferraz pegou fogo e foi consumida em pouco tempo. Dois militares morreram, e a base praticamente derreteu.
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Finalmente, em abril daquele mesmo ano, o Mar Sem Fim naufragou em Rei George. De volta ao Brasil, fui chamado a Brasília para conversar com o então Gerente do PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro), o Contra-Almirante Silva Rodrigues.
A Marinha queria saber quais providências eu tomaria, uma vez que nada que não seja oriundo da Antártica pode ficar lá. De um palito de fósforo, aos escombros de uma base, ou ao casco de um barco naufragado.
O navio Felinto Perry
Respondi que faria todo o possível para resgatar o barco sem provocar um acidente ecológico. Como resposta, o Contra-Almirante informou que no verão seguinte, 2013, a MB iria mandar um navio maior para a Antártica, o Felinto Perry, para começar a trazer de volta os escombros da base brasileira, e gentilmente ofereceu-me uma carona.
Empresa especializada em resgates
Naquele ano contratei, às minhas custas, uma empresa chilena especializada que levaria um contêiner de equipamentos, além de uma equipe com seis mergulhadores até Rei George.
Minha ‘sorte’?
Minha ‘sorte’, se é possível assim dizer, foi o incêndio em Ferraz no mesmo ano, não fosse isso, além da equipe, e do rebocador que contratei para trazer de volta o Mar Sem Fim, ainda teria que alugar espaço em algum navio para levar os equipamentos do resgate, e a equipe, até o local do naufrágio.
Preâmbulo necessário
Por todos estes motivos, sempre tive uma excelente relação com a Marinha do Brasil. Este preâmbulo foi necessário para que não fique uma impressão errada de minha parte.
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Porque, a despeito do respeito que tenho pela MB, também tenho sérias críticas pela insistência em bombardear o mais notável berçário de aves do Atlântico Sul.
A mais longa e emblemática batalha do ambientalismo brasileiro
Foram mais de 30 anos de uma luta entre ambientalistas, liderados por Roberto Bandeira, um dos fundadores do Projeto Alcatrazes, iniciativa da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro (SDLB), e pelo biólogo Fausto Pires de Souza, de um lado; e a Marinha do Brasil, do outro.
Roberto, Fausto, e seus companheiros, não suportavam a ideia daquela preciosidade se tornar alvo de tiros dos canhões da Marinha, por imposição, sem discussão com a sociedade, e de uma hora para outra.
Fauna e flora de Alcatrazes e o bombardeio em Alcatrazes
Ao todo foram catalogadas 1.300 espécies de fauna e flora, sendo que 93 estão sob algum grau de ameaça de extinção.
A biodiversidade no mar e o bombardeio em Alcatrazes
No mar, no entorno das ilhas, são centenas de tipos entre peixes como a garoupa, tubarão-martelo, cação-anjo, raia-viola, e raia-manta que, apesar de ameaçada de extinção, é impiedosamente caçada pela esculhambada pesca no Brasil. Tartarugas-verdes e de pente também se encontram por lá, ambas ameaçadas de extinção.
Bombardeio em Alcatrazes gera incêndio em 2002
O estranho procedimento numa ilha de imensa biodiversidade custou caro. Numa das ocasiões, um incêndio provocado pelos tiros irrompeu no Saco do Funil, provocou sérios danos à ilha principal dizimando cerca de 20 hectares do que restava de mata nativa nativa.
Não se sabe quantos animais, aves e répteis morreram no incêndio.
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Marinha do Brasil finalmente cede
Alcatrazes, formada por cinco ilhas grandes, quatro pequenas e cinco lajes, se tornou uma estação ecológica, ESEC, em 1987. Naquela ocasião, a ilha principal ficou fora da Unidade de Conservação porque era justamente nela que a Marinha praticava tiro ao alvo.
Bombardeio em Alcatrazes interrompido pela Justiça
Foram anos de convencimento para que a Marinha do Brasil finalmente abrisse mão da ilha principal, Alcatrazes. Os bombardeios foram interrompidos entre 1991 e 1998, por força de uma liminar. Começava a briga na Justiça.
Maior ninhal do Atlântico Sul
O arquipélago abriga o maior ninhal do Atlântico Sul de aves marinhas entre visitantes e residentes. Milhares delas, de 100 espécies diferentes, usam o arquipélago para se reproduzir: fragatas, atobás, gaivotões, três tipos de trinta-réis, um deles ameaçado de extinção, e diversas outras.
Vitória parcial em 2013
A pressão continuou até que finalmente, em junho de 2013, a Marinha anunciou oficialmente que deixaria de atirar na ilha principal e que não se opunha mais à criação do parque, desde que a Ilha da Sapata fosse mantida fora da unidade, para continuar servindo aos treinamentos de tiro.
30 anos fechado ao público
Durante todo este tempo, o arquipélago ficou fechado pela MB. Para ir até lá, só por motivos especiais, e com autorização da Marinha.
Novo parênteses…
Aqui é preciso abrir outro parênteses para ser o mais honesto possível. Particularmente, acredito que o ‘fechamento’ do arquipélago, ainda que impositivo, teve ao menos um lado positivo: mesmo com o incêndio, os 30 anos fechados contribuíram para a manutenção da biodiversidade.
Revis em 2013
Finalmente, em 2016, o presidente Michel Temer, e seu ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, transformaram Alcatrazes em Revis (Refúgio de Vida Silvestre), uma das categorias de unidades de conservação do Brasil.
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Bombardeio em Alcatrazes, na laje da Sapata em 25 de novembro de 2021
Este site ficou sabendo que haverá bombardeio na Laje da Sapata em 25 e 26 de novembro.
O arquipélago deve novamente ser fechado para que os navios da Marinha treinem a pontaria de canhões na Laje da Sapata, ao mesmo tempo em que funcionários do ICMBio serão embarcados como ‘observadores’ do exercício de tiro ao alvo.
A volta do bombardeio demonstra total falta de sensibilidade da Marinha do Brasil
Este site considera uma sandice continuar com os tiros, mesmo que sejam de um tipo especial de munição, em local tão biodiverso. Já era hora da Marinha comprar alvos especiais que podem ser colocados em alto-mar, sem provocar danos ao meio ambiente, em que pese serem caros e importados.
Se por acaso a sugestão for ultrapassada, que a MB desenvolva aqui mesmo um tipo de alvo móvel que sirva. O que não dá mais é praticar tiro ao alvo em ilhas; no século 21, um bombardeio ao bom senso.
Imagem do Brasil no exterior: pária ambiental
No momento em que se discutem os reflexos da COP 26, e da COP 15, a COP da biodiversidade; em que o mundo condena o Brasil por três anos de descaso ambiental, especialmente na Amazônia; é inaceitável a falta de sensibilidade da Marinha em momento tão crítico de declínio da biodiversidade mundial, teimando em treinar a pontaria de seus canhões numa ilha, parte importante de um arquipélago da ‘Amazônia Azul’.
‘Hóspedes de um hospício’
Isso nos lembra o jurista Miguel Reali Júnior, comentando o Brasil atual, em poderoso e contundente artigo publicado no Estado de S. Paulo (6/11/2021) com o qual nos identificamos:
Pude perceber, à distância, que a vida no Brasil me inseria em meio doentio contaminante, a transformar todos em hóspedes de um hospício, no qual por mimetismo se adquirem os jeitos e trejeitos dos pacientes alienados
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Não é hora de treinar tiro ao alvo com canhões em um local tão rico em biodiversidade. Nem agora, nem nunca mais, a não ser que fôssemos mesmo ‘transformados todos em hóspedes de um hospício’.
E, você, o que acha?
Imagem de abertura: Atenção: a imagem mostra um canhão de navio atirando, não se trata de navio da MB, foi apenas o mais próximo que achamos. A imagem vem do https://newsbeezer.com.
Fonte: https://infograficos.estadao.com.br/especiais/alcatrazes/historia.