A baía de Sepetiba (RJ) está morrendo

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 A baía de Sepetiba (RJ) está morrendo

Antes de mais nada, ela é imensa, com cerca de 440 quilômetros quadrados. Suas fronteiras são a Serra do Mar, a Baixada Fluminense, e a Restinga da Marambaia. Trata-se de um corpo de água salobra com enorme manguezal, e comunicando-se com o mar por meio de duas passagens, na parte oeste, entre os cordões de ilhas que limitam com a ponta da restinga e, na porção leste, pelo canal que a conecta com Barra de Guaratiba. Em seu interior há dezenas de ilhas e praias e, pela quantidade de sambaquis, quase 40, ficamos sabendo que nossos antepassados frequentavam a área. Naquele tempo a baía devia ser um formidável viveiro marinho. Contudo, mais uma vez nossa ação desastrada cobrou um alto preço. Assim como destruímos a baía de Guanabara, estamos no caminho certo para fazer o mesmo com a baía de Sepetiba.

mapa da baía de Sepetiba

 

Nossa impiedosa geração será cobrada

Já escrevi um par de vezes sobre os estragos que nossa geração estabelece. Quando digo ‘nossa’, me refiro à geração que hoje está na casa dos 60 anos. As pessoas com esta faixa etária, como este escriba, encontraram um litoral prístino quando crianças. Porém, demonstrando extraordinária capacidade destrutiva, vamos legar para as gerações futuras ‘um osso roído’.

Matéria de O Globo, março de 2023, acertou no título: Mar de lama: poluição afeta paisagem e futuro da Baía de Sepetiba. O texto de Camila Araújo e Custódio Coimbra tem como lead, ‘Dejetos industriais e esgoto são os maiores vilões; problema também inviabiliza o potencial turístico da região.’

Os jornalistas comentam o assoreamento da baía, sua imensa poluição pelo despejo diário de esgotos não tratados, e metais pesados, e a natural dificuldade enfrentada por pescadores artesanais que moram no entorno.

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Visita à baía de Sepetiba em 2006

O Mar Sem Fim visitou a região em 2006. Antes, na cidade do Rio de Janeiro, entrevistamos o professor Paulo Pereira de Gusmão, da cadeira de políticas públicas e ciências naturais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Recorremos ao diário de bordo daquela viagem: Ele nos deu sua visão sobre a Restinga da Marambaia. “A costa brasileira está cheia de exemplos do que não se deve fazer em termos de ocupação”. Por isto vê a Restinga como um laboratório vivo, “uma oportunidade de criarmos outro tipo de modelo de ocupação”. Apesar dela integrar a região metropolitana do Rio, e haver um milhão e trezentas mil pessoas nas cercanias, especialmente na borda continental onde fica o antigo porto de Sepetiba, hoje Itaguaí, e que engloba os municípios de Mangaratiba, Itacuruçá e Itaguaí, ele encara a área “como um laboratório vivo”. É que a Ilha da Marambaia, onde fica a restinga propriamente, ainda é muito pouco ocupada.

Naquela época o professor Paulo já criticava o modelo de segunda residência que faz as cidades incharem na temporada, e depois murcharem nos outros períodos do ano, gerando poucos empregos. ‘Alguns antigos caiçaras ou pescadores trabalham como caseiros, mas isto é tudo.’

‘A arrecadação é baixa, por isto não há saneamento básico, esgotos tratados, ou coleta eficiente de lixo’, ele dizia. E criticava os poucos empregos gerados por esta modalidade de turismo: ‘O comércio é fraco, os serviços também. E a pesca, a cada dia é mais escassa. Por isto quando chegar a vez da ocupação humana da Restinga, que ela descubra novas possibilidades.’

Baía assoreada

Contudo, a restinga não descobriu novas possibilidades. Infelizmente, ela está morrendo como contam os jornalistas de O Globo:

Baía de Sepetiba assoreada
Imagem, Custódio Coimbra, O Globo.

“Os pescadores que dependem da baía para viver enfrentam todos os dias um mar de lama densa até chegar à água no trecho de Pedra de Guaratiba. São 200 metros empurrando o caíco, um tipo de bote, por cerca de dez minutos, até escapar do assoreamento e conseguir remar.”

Poluição também é forte

Entretanto, a poluição também é forte: “O alto nível de poluição na região não é de hoje. Nos últimos 20 anos, as praias de Sepetiba, Recôncavo, Cardo e Pedra de Guaratiba vêm registrando qualidade péssima, o pior índice de balneabilidade medido pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio (Inea). Nada que tenha feito as autoridades a, no mínimo, desenvolver um projeto para sanear a região.”

O parágrafo acima mostra a nossa omissão, em outras palavras, Nada que tenha feito as autoridades a, no mínimo, desenvolver um projeto para sanear a região. 

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boto morto em praia da baía de Sepetiba.
Equipe do Instituto Boto Cinza avalia carcaça de um animal encontrado na Ilha da Marambaia Foto: Marcio Alves / Agência O Globo.

Se isso acontece, é porque não reagimos. Ou reagimos pouco, não forçando o poder público a agir. É como  tenho dito, nossas elites estão adormecidas. Só agem quando aperta diretamente em seus bolsos; aquilo que é comum, um bem de todos, não merece reação à altura como o litoral que encontramos prístino, mas que estamos obliterando impiedosamente.

Quando visitei a região, quase 20 anos atrás, a situação já não era boa. Porém, longe de ser o que hoje mostra O Globo. A baía de Sepetiba foi severamente castigada pelo polo industrial e o porto. O polo teve seu início nos anos 60/70, quando várias indústrias pesadas ali se instalaram.

Para se ter uma ideia da poluição, em 2018, cerca de 200 golfinhos morreram em Sepetiba e os cientistas atribuíram as mortes ao morbillivirus, um vírus de transmissão aérea que causa sarampo em seres humanos, acredite se quiser.

Cia Mercantil Industrial Ingá, fabricante de zinco e outros metais

Estaleiros, terminais portuários, usina siderúrgica, duas refinarias de petróleo, extração de areia e brita, e ainda, e talvez a pior de todas, a Cia Mercantil Industrial Ingá, fabricante de zinco e outros metais. Ela se instalou na ilha da Madeira, município de Itaguaí, nos anos 60. Faliu, e fechou, nos 90.

placa da Ingá, baía de Sepetiba
Acervo MSF.

Contudo, deixou um enorme passivo ambiental: imensos tanques cobertos por um líquido onde se misturam água e metais pesados, notadamente o cádmio, chumbo, e o próprio zinco. Na época das chuvas, este material transborda, atinge o mangue à sua volta, e polui tudo ao redor, inclusive o estuário. Já não se catam mais ostras nesta área.

Caso estudado por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Quando lá estivemos o caso era estudado por professores da Universidade Federal, que fizeram propostas que iam do sepultamento da área com concreto, a exemplo de Chernobyl, até o seu uso controlado. Ao fim de nossa visita, escrevi o que parece hoje ser um vaticínio: “Temo que esta tenha sido uma das últimas visitas e registros ainda com a baía tendo vida.”

lago da Ingá, baía de Sepetiba.
Lago de rejeitos da Ingá na ilha da Madeira, poluindo até hoje, 30 anos depois da empresa fechar . Acervo MSF.

E pensar que a região era semivirgem, prístina, até os anos 70 do século passado! Como é possível alguém com 60 anos se conformar com este legado? Em apenas 60 anos, um átimo na vida de um planeta com 4,5 bilhões de anos, nós depredamos o entorno, inclusive as baías de Angra dos Reis e de Paraty.

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O Globo ouviu o biólogo Mário Moscatelli: “Até a década de 1970, o Rio Piraquê ainda era preservado, hoje é esgoto puro. Quem vive na região lembra com nostalgia. De 1950 até 1990, houve uma série de atividades industriais e portuárias que impactaram de forma intensa todo o ecossistema da Baía de Sepetiba. A dragagem para a criação do Porto de Itaguaí, por exemplo, foi uma das atividades que mais prejudicaram essa região.”

Baía ‘dada’ para a indústria

O jornal também ouviu Alexandre Anderson de Souza, presidente da Associação dos Homens e das Mulheres Amigos do Mar (Ahomar): “A Baía de Sepetiba vivia cheia e tem potencial turístico enorme e pouco aproveitado. Era muito visitada, um local de veraneio. Hoje, infelizmente, é uma baía dada para a indústria.

Poluição industrial e o esgoto são o problema número um

Carlos Minc, ex-ministro de Meio Ambiente também depôs: “A poluição industrial e o esgoto são o problema número um. As dragagens feitas na região levantaram metais pesados como cádmio e zinco, que ficaram depositados no fundo da baía.”

A matéria mostra que ‘Em 2022, 225 mil toneladas de resíduos foram retiradas de 37 rios e canais que desembocam na Baía de Sepetiba, a exemplo do Rio Piraquê. A intervenção foi feita pela Fundação Rio-Águas, da Secretaria de Infraestrutura da capital. O Inea afirma que o assoreamento é decorrente da erosão e que a região apresenta um problema histórico de ocupação desordenada. Segundo o órgão, não há previsão para intervenções no rio.’

pescadores baía de Sepetiba.
Eu jamais comeria um peixe ou crustáceo oriundo da baía de Sepetiba. Por falta de opção os pescadores insistem. Imagem, Agência O Globo / Márcio Alves.

Veja bem, são ‘225 mil toneladas de resíduos que foram retiradas de 37 rios e canais’. E apesar disso, ‘não há previsão para intervenções no rio’. Ou seja, a situação de absoluto descalabro permanecerá. Para os órgãos públicos do Rio de Janeiro, a baía de Sepetiba não é importante. Ela que apodreça do mesmo modo que a Baía de Guanabara!

A única esperança é o novo marco do saneamento, em ‘perigosa análise’ pelo governo Lula que é contrário às concessões para a inciativa privada como aconteceu no Rio de Janeiro. A Cedae foi privatizada e a empresa Rio + Saneamento tem a obrigação de universalizar os serviços em 11 anos, até 2033.

A ver se Sepetiba resistirá até lá.

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Comentários

11 COMENTÁRIOS

  1. Infelizmente estamos entregues a um poder público escroto e que só arrecadação nossos impostos para benefício próprio. Podemos citar as nossas rodovias entregues à própria sorte por décadas, nenhuma manutenção por décadas. Como a iniciativa privada pode arrecadar milhões com os pedágios eles ás privatizam. Agora me diz um coisa e as nossas baías como não tem como privatizar estão virando um esgoto à céu aberto. Triste Brasil!!!!

  2. Tenho 50 anos e já tomei banho na praia da Brisa , Pedra de Guaratiba e Sepetiba. Até pescaria c rede e tarrafa a beira mar já fiz. Hoje o somatório de esgoto e resíduos provenientes da dragagem do porto acabou, quando tinha maré alta a água chegava na área da prada Brisa e Ponta Grossa na Pedra de Guaratiba. Apesar do esgoto ser extremamente ruim o maré tentava fazer sua renovação da água, mas os resíduos da dragagem sedimentados junto as praia e mangue acabou de vez c essa região. Veremos até onde vai chegar, em Paraty talvez ?

  3. Cobrar a “nossa geração”, de quem tem 60 anos” da poluição da baía de Sepetiba, é a mesma coisa que cobrar de ninguém. Quem são os responsáveis objetivamente diretos e que podem fazer algo? A Secretaria de Estado de Meio Ambiente, a CEDAE, as prefeituras dos municípios que deixaram a ocupação desordenada, a Marinha, e por fim, a própria população dos municípios afetados, que pouco se importa e se mobiliza muito pouco ou nada.

  4. Como bem disse o João Lara Mesquita, nossa geração vai ser muito cobrada pela tragédia e descaso ambiental que geramos nos últimos 50 anos.
    Duas coisas que transcendem classes sociais no Brasil são o uso e ocupação do solo, e os problemas ambientais que isso causam, como poluição por esgoto e tudo mais.
    É relatado aqui nesse blog, com muita propriedade o que ocorre no litoral, onde pobres e ricos constroem sem qualquer critério, e ninguém se preocupa onde vai ser lançado o esgoto, a coleta de lixo etc.
    Mas esse não é um problema que atinge só o litoral, todas as cidades brasileiras tem essa chaga.
    Na baía de Sepetiba não foi diferente, em nome de “geração de empregos”, “desenvolvimento” e outras tantas promessas, foi um descaso total com o meio ambiente. E não foi só pelas indústrias. Quantas pessoas ao construir se preocupam com esgoto, lixo, ou se está em área de preservação ambiental.
    É fácil apontar culpados, mas essa conta é de todos nós, como sociedade.

    • Até que tentamos, na década de 80, com a “Comissão de Defesa da Baía de Sepetiba”. Um pequeno grupo de pessoas, preocupadas com o processo de destruição da baía. Afinal, na infância, as praias da orla de Sepetiba eram de águas claras e abundância de peixes e crustáceos. Lembro-me, nos anos 60, que na Praia de Sepetiba, eu e minha irmã pegávamos camarão na beirinha. Com as mãos ou uma caneca. Víamos filhotes de linguado, siris e outras espécies que ali se reproduziam. Não havia barcos de arrasto, não havia concentração populacional, não havia tanto despejo de esgotos, residencial e industrial. Mas já havia a Ingá, contra a qual lutamos em vão. Havia os pescadores, somente preocupados com a sua sobrevivência, havia a completa ausência de qualquer política de preservação daquele ambiente. Nos anos 80, diga-se, havia um pesquisador da UFF, Luiz Drude, que tinha mapeado os principais problemas da Baía de Sepetiba. Havia o vereador Luiz Felisberto de Carvalho, que, como também filho de Santa Cruz, encampou a nossa luta. Até conseguimos jogar uns recifes artificiais para rasgar as redes de arrasto. Mas eram muito poucos. Cutucar a Ingá. Divulgar para os nativos, os problemas que se avolumavam. As ameaças que despontavam. A verdade é que nunca houve engajamento da população. Cada um cuidando do seu próprio umbigo, como imagino que ainda seja assim. De lá, em 90, fui para Goiânia. Hoje, estou aqui, em Salvador. As realidades, com pequenas variações, tratam de um mesmo tema. Depois do que vimos nos últimos quatro anos, esta não deve ser uma questão prioritária. Quando, há muito, deveria…

  5. Vale ressaltar o trabalho importantíssimo realizado pelo Instituto Boto Cinza na região, em prol da conservação desse cetáceo, cuja existência na vizinha Baía de Guanabara está reduzida a pouquíssimos exemplares.
    Em 2017 visitei a Baía de Sepetiba em companhia de Leonardo Flach, biólogo coordenador do Instituto.
    Uma alegria ver os botos em volta de nossa embarcação!
    Muito triste ver o legado que nossa geração (a dos 60 anos, como você menciona) está deixando aos que vêm depois de nós.

  6. O que eu lembro, Thyssen/Krupp despejou toneladas de metal pesado em Sepetiba. Ainda despeja? A República enfeiou o Rio, o que a vida de 300 anos de escravidão não conseguiu. Coisa pública não é conceito português respeitável. Pertence a ninguém. Sabemos que nossas periferias são semelhantes. A vista de Sepetiba é ainda mais bonita que a da Guanabara? A serra do Mendanha é um colosso tratado como porcaria. Quando as montanhas encostam no mar brasileiro e a terra / deixa de ser chã, na expressão de Pero Vaz de Caminha, que vai morrer em Calicut

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