Transporte marítimo global, é preciso mudar
Sondando as redes sociais, dei com a declaração: “Maurício é conhecido por suas belas praias, águas cristalinas e biodiversidade única. É comovente ver as imagens dos ilhéus tentando limpar o enorme derramamento de óleo de uma empresa de navegação global no coração de sua maior lagoa de coral. O transporte marítimo global deve assumir suas responsabilidades. E oferecer apoio ao povo de Maurício para limpar a poluição e garantir o monitoramento de longo prazo e a reabilitação de todo o local.” Transporte marítimo global, é preciso mudar.
Transporte marítimo global: acidente em Maurício pode ter como causa uma ‘festa de aniversário’ a bordo
Em 16 de setembro o site news.mongabay.com/ começou a desvendar os motivos pelos quais o estúpido acidente aconteceu. “Uma festa de aniversário a bordo pode ter sido a causa do derrame de óleo nas Ilhas Maurício, afirma o regulador do Panamá (bandeira do navio).”
“O navio japonês que encalhou em um recife de coral nas Ilhas Maurício pode ter mudado de curso para conseguir sinal de dados móveis para uma festa de aniversário a bordo, de acordo com investigadores do Panamá.”
A festa devia esta muito boa…
“O capitão foi levado sob custódia em 18 de agosto por colocar em risco a navegação segura, já que as autoridades Mauricianas disseram que o navio não atendeu a várias ligações da Guarda Costeira.”
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Transporte marítimo global, é preciso mudar
O Mar Sem Fim fala sobre isso faz tempo. Em nosso post sobre o acidente nas Ilhas Maurício, voltamos a abordar o tema. E já comentamos os problemas dos navios de cruzeiro, um sonho de consumo para muitos. Mas pesadelo para os mares do planeta: a maioria joga lixo no mar.
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Para se ter uma idéia, a maior empresa de cruzeiros do mundo, Carnival Corp., foi multada nos Estados Unidos em US$ 40 milhões de dólares por ser reincidente. Por fim, escrevemos sobre quem é quem na poluição: carros, navios, ou aviões. Não duvide. São ‘eles’ de novo.
By the way, a declaração é de Sir Richard Branson, fundador do Virgin Group. E um forte defensor da sustentabilidade dos oceanos, em declaração à revista Forbes.
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Diz a Forbes, “O grupo defende uma revolução dos combustíveis limpos no transporte marítimo global. Fazem isso por meio da Carbon War Room. A empresa, lançada por Richard Branson e Virgin Unite em 2009, que se concentrou em mover o transporte marítimo em direção a alternativas sustentáveis. E desenvolver roteiros de energia limpa para pequenas economias insulares.”
Indústria naval se recusa fazer as mudanças
O mundo gira, e a Lusitana roda. Mas a indústria naval fica parada. “Sir Richard Branson também é membro do Ocean Elders, um grupo influente de 23 líderes empresariais e governamentais globais que defendem um oceano mais sustentável.”
“Os Ocean Elders incluem o Príncipe Albert de Mônaco, a ex-subsecretária de Estado dos EUA Catherine Novelli, a Rainha Noor da Jordânia, os Ocean Explorers Sylvia Earle e Jean-Michele Cousteau, o pioneiro da aviação solar Bertrand Piccard, o diretor de cinema James Cameron, a primatologista britânica Jane Goodall, fundador da CNN Ted Turner e do navegador nativo havaiano Nainoa Thompson que navegou ao redor do Pacífico em uma canoa polinésia de casco duplo projetada 700 anos atrás.”
“No dia em que foi revelado que o governo de Maurício (na verdade funcionários da IMO, Organização Marítima Mundial, uma agência da ONU soube-se mais tarde), planejava descartar o Wakashio – a maior classe de navio de carga do mundo – em um local altamente sensível ao meio ambiente conhecido por seus criadouros de baleias, grandes questões foram impostas ao transporte marítimo global.”
“A indústria global fez lobby para ser excluída do Acordo de Paris. Argumentam que as emissões do transporte marítimo representam apenas 3% das emissões globais de carbono.”
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Um dos problemas, como este site alertou, é o tipo de combustível usado pelos navios. Uma espécie de óleo pesado, de consistência de uma semi graxa que precisa ser misturado com diesel igualmente poluente para movimentar as embarcações. A emissão de CO2 de um navio equivale a mais de 83 mil automóveis. Alguns poluem tanto quanto uma cidade. Os maiores consomem 363.399,5 litros por dia!
As metas de emissões do transporte marítimo global
As emissões do transporte marítimo global são responsáveis por 8% de todas as emissões de dióxido de enxofre no mundo. Isso os torna um dos mais poluidores e fonte de chuva ácida.
Já, sobre as metas, diz a Forbes “A indústria de transporte marítimo argumentou que eles são grandes demais para serem regulamentados. E que a auto-regulamentação do setor por meio da IMO – Organização Marítima Mundial – é a solução para cumprir compromissos climáticos.”
“Metas (da indústria marítima) autorrelatadas de 70% menos emissões até 2050 – trinta anos a partir de hoje – foram criticadas por ambientalistas como “muito pouco, muito tarde, muito longe”.
“Ambientalistas argumentam que o transporte marítimo global não leva a sério as mudanças. Em vez disso, indicam metas em um futuro distante para adiar a realização de etapas importantes exigidas hoje.”
E você, acha que a indústria leva a sério a questão?
‘Relíquia de dinossauro’
É com esta expressão que a Forbes se refere à indústria de transporte marítimo mundial.”Continua a ser a única indústria global que se destaca como uma relíquia de dinossauro de uma antiga era do carbono.”
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“O Wakashio viajou milhares de milhas através do oceano em linha reta, montando diretamente em uma das maiores e mais bem preservadas estruturas de recife de coral da região e espalhando seu conteúdo escuro em meio aos frágeis ecossistemas que o cercam.”
O tipo do graneleiro que ‘escalou’ os recifes de Maurício
“O Wakashio – a maior classe de embarcação no oceano e semelhante em tamanho aos maiores porta-aviões dos EUA, a Classe Nimitz – se chocou contra os recifes de coral da minúscula ilha vulcânica de Maurício em 25 de julho.”
“Começou a se fragmentar 12 dias mais tarde. Seu casco gigante ficou raspando contra a lagoa de coral imaculada do estado insular do Oceano Índico por quase 1 quilômetro durante o período de encalhe. Enquanto isso, ilhéus desesperados assistiam impotentes, clamando por ajuda internacional.”
A Forbes explica que a tentativa de salvamento supervisionada pelos proprietários e aconselhada pela Organização Marítima Internacional foi um fiasco pior que os 7 a 1. As barreiras de proteção de óleo eram insuficientes, mal implantadas, permitiram que cerca de 300.000 galões de óleo combustível pesado vazassem na lagoa.
Como já dissemos, o local do acidente não podia ser pior, em meio a vários corais protegidos pela UNESCO, áreas de nidificação de tartarugas, manguezais, gramas marinhas e outros importantes habitats de reprodução de peixes.
Os navios com ‘bandeiras de conveniência’
Para além dos problemas apontados, a Forbes lembrou o que o Mar Sem Fim alerta faz tempo: o absurdo dos navios de bandeiras compradas. Este foi o caso do Rhosus construído em 1986, de um armador russo com bandeira das Ilhas Marshall, em cujos porões navegava a carga que destruiu Beirute.
Com as regras frouxas que conseguem, grande parte dos milhares de tripulantes trabalham em regime análogo à escravidão, e latas velhas que mal boiam recebem aval para navegar.
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Capitães irresponsáveis e despreparados
Muitos destes navios, tanto os de ‘bandeiras de conveniência’ como outros, são entregues a capitães despreparados e irresponsáveis como o do navio Wakashio que ‘escalou’ os recifes de Maurício, ou o capitão do Exxon Valdez, que destruiu o Alasca cerca de 30 anos atrás, porque no momento em que deveria estar no passadiço comandando as manobras, preferiu beber em sua cabine.
Ou ainda o capitão do navio de cruzeiro Francesco Schettino, do Costa Concordia, que deliberadamente saiu da rota para dar uma ‘espiadinha’ na ilha de Giglio, Mediterrâneo, 2012, e acabou naufragando matando vários passageiros, ocasião em que Schettino fugiu de bordo deixando os passageiros reféns de sua irresponsabilidade.
“Como o navio é de propriedade de japoneses, mas tem bandeira do Panamá, especialistas precisam ser levados de avião para realizar uma inspeção completa do acidente e fazer um relatório.”
“Esta complexa lacuna nas regulamentações internacionais de transporte marítimo está adicionando ainda mais confusão à situação local. Enquanto isso milhares de ilhéus se ofereceram para cortar seu próprio cabelo para fazer barreiras de contenção com palha seca da cana-de-açúcar e suas roupas para proteger a costa de Maurício.”
Mas o transporte de cargas não é importante? Sem dúvida, 95% do comércio mundial é feito sob estas condições. Por sua brutal importância para a humanidade, deveriam ter vergonha na cara e pôr ordem na casa.
Conclusão
A Forbes tem a palavra: “Em um mundo onde uma geração mais jovem é mais sensível à sua pegada de carbono e as fábricas e indústrias trabalham para diminuir suas emissões em meio a tensões geopolíticas e a pandemia do coronavírus, ainda restam dúvidas sobre se essa indústria representa o futuro.”
Forbes ainda lembrou os escabrosos casos de outras indústrias poluentes como a automotiva, ‘que não conseguiu se auto regular’ (dããrrr), ao se referir ao escândalo da Volkswagen, comentado nestas páginas, que ‘acabou custando em multas à empresa US$ 25 bilhões’.
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“A indústria de transporte marítimo global permaneceu em silêncio sobre quais ações devem ser tomadas. Não está enviando um sinal de que o mundo pode confiar que eles farão a coisa certa se deixados por conta própria. Com este silêncio, a autoridade moral da indústria naval parece ir na mesma direção do Wakashio – para o fundo do mar.”
É hora de mudar!
Imagem de abertura: GETTY IMAGES
Fontes: https://www.forbes.com/sites/nishandegnarain/2020/08/19/sir-richard-branson-calls-for-big-change-in-global-shipping-following-mauritius-oil-disaster/?fbclid=IwAR3LcEinEF4dT0wBow8QUFioxJVeDI_4USvxw6HiN5LgswrTOrnQJaRk_ac#6edd4d9d2a95; https://news.mongabay.com/2020/09/birthday-party-on-ship-may-have-led-to-oil-spill-in-mauritius-panama-regulator-says/?fbclid=IwAR38fMzRCTnd52e6NHHB6qVEYHEgwZFgvOEuMVYOAnD_ZrDlDjmxnkJTgAs.