Randau Marques, pioneiro do jornalismo ambiental
Dia 9 de abril de 2020 um infarto fulminante encerrou a vida de um pioneiro do jornalismo ambiental. Randau Marques, do irreverente e inovador Jornal da Tarde, nos deixou. O jornalista era tão avançado para a época quanto o vespertino que o consagrou. Muito antes do acirramento do aquecimento global, ou da percepção da acidificação dos oceanos, ele disparava petardos de sua trincheira na redação, alertando sobre os perigos da degradação ambiental.
Foi um visionário da causa ambiental ainda nos anos 70 e 80 do século passado. Sem o saber, ‘fez com que o Jornal da Tarde acabasse indiretamente sendo um dos fatores de articulação do movimento ambientalista em São Paulo’, como lembrou o diretor de redação à época, Rodrigo Mesquita.
Na foto acima, Randau palestra ao lado de outro titã do ambientalismo brasileiro: Paulo Nogueira Neto.
Randau Marques, pioneiro do jornalismo ambiental
O Mar Sem Fim já relembrou nestas páginas como foram importantes para o movimento ambiental as décadas de 70 e 80. Muito disso deve-se a Randau Marques e ao Jornal da Tarde, indiretamente, criadores da mais importante ONG brasileira, a SOS Mata Atlântica, da qual foram membros fundadores.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemVírus da gripe aviária mata milhões de aves mundo aforaArquipélago de Mayotte, no Índico, arrasado por cicloneAcidente com dois petroleiros russos ameaça o Mar NegroSó isso dá ideia da importância deste paulista de Icaçaba, no interior de São Paulo. Randau também criou a expressão ‘Vale da Morte’ ao se referir a Cubatão, na Baixada Santista, cuja poluição desenfreada fazia nascer crianças sem cérebro, portadores de anencefalia, em razão dos gases venenosos emanados do polo petroquímico da região.
A tragédia de Cubatão
Segundo Rodrigo Mesquita, ‘foi ele que levantou toda a tragédia de Cubatão. Tem fotos da Serra do Mar que estava desmoronando. Ele acabou nesse processo de cobertura e cunhou o termo ‘Vale da Morte’, algo muito forte.”
PUBLICIDADE
O termo pegou, e passou a ser o ‘sub-título’ do município santista quando empregado pela mídia. O ‘Vale da Morte’ envergonhou os governantes da época. A poluição era tão forte que provocava a chuva ácida dizimando a cobertura vegetal da Serra do Mar na área. Até que o JT publicou a grande reportagem de Randau, estampando na capa uma foto que entrou para a história com a legenda: ‘A Serra do Mar Está Desabando’.
A reação do poder público
Imediatamente, após a denúncia, começaram as reações. Não havia naquele tempo a polarização desta época sem-vergonha em que o mal da ignorância é escancarado como virtude nas redes sociais. O governador Franco Motoro tombou a Serra do Mar, ao mesmo tempo em que CETESB começava as ações que reverteram a dramática situação de Cubatão.
Leia também
A importância do som para a vida marinhaAtivista Paul Watson, da Sea Shepherd, preso na GroenlândiaReino Unido corrompe Áreas Marinhas ProtegidasEm Junho de 1985, o Governador Montoro concretiza medida que abrange todos os remanescentes da Mata Atlântica, de forma contínua, preenchendo os vazios existentes entre parques e reservas, e declara o tombamento integral da Serra do Mar e dos remanescentes da Floresta Atlântica em toda a região costeira do Estado.
Foi a primeira vez que se deu tratamento conjunto ao sistema florestal costeiro em uma unidade federativa. O ato de Montoro foi seguido por seu colega do Paraná, José Richa, que também tombou a parte da Serra do Mar no Estado.
Muitos anos, e esforços depois, Cubatão se livrou da alcunha de Randau, e deixou de ser o ‘Vale da Morte’.
A luta pela Jureia, sul de São Paulo, nos anos 80
Em plena ditadura militar, esta foi outra campanha emblemática. De um lado os militares, na outra ponta, idealistas que mais tarde ficam conhecidos como ‘ambientalistas’. Os primeiros, através da NUCLEBRÁS, queriam implantar duas usinas nucleares: Iguape 4 e Iguape 5. A área era disputada pelo setor imobiliário (Gomes de Almeida Fernandes) e pelos militares. Os primeiros estavam de olho na beleza da região, e suas praias desocupadas, prontos para implantarem os famigerados condomínios e loteamentos que tanto estragam nosso litoral.
No meio deles, espremidos, os idealistas. A beleza da história é que foram estes os ganhadores da peleja.
Em 1986, durante o Governo de Franco Montoro, foi decretada a Estação Ecológica que englobou a área da Reserva Estadual Itatins (criada em 1958). Um ano depois, em 87, foi finalmente implantada a Estação Ecológica Jureia-Itatins através da Lei/Estadual 5.649/87.
PUBLICIDADE
Como já dissemos aqui, aqueles eram os anos em que prevalecia o utopismo. Até que chegamos ao século 21, quando algumas ONGs deixam de lado o meio ambiente e trabalham para não perderem seus patrocínios.
Felizmente, Randau não está mais entre nós para ver no que deu seus esforços. Mas, entre os pioneiros, ele deixou saudades e admiração.
Os órfãos de Randau Marques se manifestam
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, onde Randau trabalhou por 21 anos, “foi definido por amigos e colegas de trabalho como um repórter brilhante, responsável por trazer à tona grandes temas da área ambiental, como o desmatamento da Amazônia.
Além da SOS Mata Atlântica, ajudou a formar outra ONG, a Oikos, em plena ditadura militar. Fábio Feldmann conta que atuou também como assessor especial da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e foi responsável por muitas reuniões anuais. Foi ele quem fez essa ponte com a comunidade científica brasileira.”
De notícias, para denúncias ambientais
Segundo Roberto Klabin, atual presidente da SOS Mata Atlântica,”foi um grande repórter! Era muito inteligente, corajoso, competente e provocador. Com ele não existia trégua, apenas a contínua ocupação do espaço das notícias pelas denúncias dos crimes e desmandos no meio ambiente.”
A caça à baleia
José Truda Palazzo Jr. ‘ele foi um dos grandes responsáveis pelo fim da caça às baleias no Brasil. Repercutia o tema intensamente no JT. Tipo de pessoa que faz muita falta ao movimento ambientalista. Um dos grandes heróis na luta contra a caça de baleias no Brasil! Daquelas poucas pessoas que fazem realmente a diferença.”
As perdas de 2020
Angela Kuczach, diretora da Rede Pró UC: “Muitas perdas em muito pouco tempo: Randau, Angelo Machado, Roberto Antonelli…o ambientalismo ficou muito mais pobre nos últimos dias.”
PUBLICIDADE
Contra a caça desenfreada de jacarés, e a favor do Pantanal
Adalberto Eberhard: “Companheiro nos tempos da guerra contra o extermínio de jacarés no Pantanal. Triste notícia!”
O precursor do jornalismo ambiental
Sérgio Vaz, colega no JT: “Randau de Azevedo Marques foi precursor do jornalismo voltado para o meio-ambiente no Brasil. Muito, mas muito antes de grandes nomes como André Trigueiro, Liana John, antes mesmo de nosso colega e patrão Rodrigo Mesquita, um dos fundadores do SOS. Mata Atlântica, Randau Marques já escrevia suas belas, bem fundamentadas reportagens sobre meio-ambiente no Jornal da Tarde.”
Clayton Lino: “Mais uma perda irreparável para o meio ambiente, pioneiro e mais importante jornalista ambiental no início do movimento das décadas de 70 e 80.”
Samuel Barreto: “Uma grande perda. Marcou toda uma geração, inclusive a minha.”
O novo jornalismo
Ulisses Capozzoli: “Ninguém soube explicar, e esta era a essência do Randau, primeiro repórter dedicado às questões ambientais, no adorável Jornal da Tarde, o novo jornalismo de Norman Mailer, Truman Capote e outros que, mesmo sob a ditadura, existia por aqui.”
Imagem de abertura: O Estado de S. Paulo
Fontes: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,morre-o-jornalista-randau-marques-aos-70-anos,70003266698; https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/10/morre-pioneiro-no-jornalismo-ambiental-e-fundador-da-sos-mata-atlantica.htm?fbclid=IwAR1YECqaOKSjicA6BQI4oo-ZBkyw1ic6BH9WXgvp4be-88oGZte_Tb51aCQ; http://50anosdetextos.com.br/2020/randau-marques/?fbclid=IwAR0hH3h5YfuXIg4eibtQKuK7gzAVkOW81x5pE9tuhqrHCNVyhtLsGHsbRxA.