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Navio parte em dois e ameaça ilhas Maurício no Índico

Navio parte em dois e ameaça ilhas Maurício no Índico, óleo atinge sítio Ramsar

O navio graneleiro  japonês MV Wakashio, com bandeira do Panamá, vinha da China para o Brasil carregando cerca de 4.000 toneladas de combustível  em seus tanques quando ‘escalou’ em 25 de julho um recife de coral na costa sudeste das Ilhas Maurício, no Índico. Não, não é erro nosso ‘o navio japonês com bandeira do Panamá’. Esta prática condenável é comum no transporte marítimo mundial, conhecida como navios de  bandeiras compradas, ou bandeiras de conveniência.  Nem bem assentou a poeira de um acidente que começou com uma carga trazida no porão de um deles, e acontece outro: Navio parte em dois, e ameaça ilhas Maurício no Índico.

Naufrágio nas Ilhas Maurício
Imagem, You Tube.

Navio parte em dois, e ameaça ilhas Maurício no Índico

Armadores, à procura de menos impostos, regras trabalhistas frouxas, e menos fiscalização em suas embarcações, registram seus navios onde acharem melhores condições. A isto chama-se  bandeiras de conveniência. Por ‘melhores’ entenda-se ‘mais frouxas’, ou até pior que isso.

Grande parte dos marinheiros que navegam pelos oceanos trabalham em regime análogo à escravidão. E as condições de muitos navios são para lá de precárias. Podem ser considerados estruturas flutuantes em frangalhos.

Era o caso do navio japonês MV Wakashio (a bandeira comprada, não necessariamente a condição do navio), com bandeira do Panamá; o mesmo caso do cargueiro Rhosus (este sim, podre de velho), de um armador russo mas com bandeira das Ilhas Marshal, minúsculo país insular da Micronésia, carregado em seus porões com 2.750 toneladas de nitrato de amônio que acabou por detonar Beirute.

Agora descobriu-se que o navio acidentado levava como combustível uma ‘bomba química’ autorizada pela IMO, Organização Marítima Mundial, uma agência da ONU, em cujo site está escrito:  ‘agência especializada das Nações Unidas responsável pela segurança e proteção dos navios e pela prevenção da poluição marinha e atmosférica por navios. O trabalho da IMO apoia os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU’.

Imagine se ela não fosse responsável pela segurança e proteção dos navios e pela prevenção da poluição marinha e atmosférica por navios.

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Transporte marítimo global: acidente em Maurício pode ter como causa uma ‘festa de aniversário’ a bordo

Em 16 de setembro de 2020 o site news.mongabay.com/  começou a desvendar os motivos pelos quais o estúpido acidente aconteceu. “Uma festa de aniversário a bordo pode ter sido a causa do derrame de óleo nas Ilhas Maurício, afirma o regulador do Panamá (bandeira do navio).”

“O navio japonês que encalhou em um recife de coral nas Ilhas Maurício pode ter mudado de curso para conseguir sinal de dados móveis para uma festa de aniversário a bordo, de acordo com investigadores do Panamá.”

Este foi o motivo do pior acidente ambiental do setor em 2020.

A festa devia esta muito boa…

“O capitão foi levado sob custódia em 18 de agosto por colocar em risco a navegação segura, já que as autoridades Mauricianas disseram que o navio não atendeu a várias ligações da Guarda Costeira.”

Eis aí mais um possível exemplo de negligência criminosa. Não foi o primeiro, nem será o único. Enquanto o transporte marítimo mundial continuar com suas regras frouxas, outros virão.

A agonia das Ilhas Maurício e do sítio Ramsar

A agonia das Ilhas Maurício começou no fatídico 25 de julho. Mas seu final ainda está longe de acabar. O graneleiro MV Wakashio, que navegava com seus porões de carga vazios,  acaba de partir-se em dois transformando o encalhe num tremendo acidente ambiental.

O diretor de assuntos marítimos de Maurício, Alain Donat, disse ao jornal local Le Mauricien que o navio se partiu nos recifes de Pointe d’Esny, uma área úmida classificada sítio Ramsar (zona úmida classificada como local de importância ecológica internacional ao abrigo da Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional), como o vizinho Blue Bay Marine Park também ameaçado.

Ou seja, o acidente aconteceu em meio a uma rede de reservas naturais protegidas internacionalmente, tornando-o desde já no pior já acontecido no Índico para a biodiversidade marinha daquele oceano.

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Navio sai do curso

O MV Wakashio deveria passar a pelo menos 22 milhas da costa de Maurício. Mas saiu da rota, e chocou-se aos recifes colados à costa como se vê na imagem. Em outras palavras, ‘escalou’ a ilha.

De acordo com a Deutsche Welle “A empresa japonesa disse que está investigando por que seu navio, que deveria ficar a pelo menos 22 milhas da costa, saiu do curso. Nagashiki enviou uma equipe de especialistas para ajudar na limpeza dos danos.”

A distância da praia mostra o quão fora da rota estava o MV Wakashio. Imagem, Paris Match.

Abriram a Caixa de Pandora?

Já não basta uma pandemia pra colocar a humanidade de joelhos? Depois, em meio à ela, a emblemática Beirute é destruída por uma explosão que chocou o mundo. Agora mais este acidente ecológico sem precedentes naquela região que vive do turismo em razão da beleza de seus mares e da vida marinha.

Ilhas Maurício, conheça

A cerca de 2.000 km da costa sudeste do continente africano, a pequena Maurício (área de 2.040 km²) foi descoberta em 1505 pelo nauta português Pedro de Mascarenhas. Mas não ficou muito tempo em posse dos lusos. Em 1598, o holandês Van der Neck tomou posse da ilha e a batizou em homenagem a  Maurício de Nassau, o mesmo que encabeçou o enclave holandês no Nordeste brasileiro. Os holandeses lá ficaram até 1710. Então, em 1712 vieram os franceses e sua companhia das Índias Orientais. Assim era no passado…

A cor da agua era o maior ‘ativo’ das Ilhas Maurício. Imagem, Twitter@MauritiusGuide.

Mas não foram só lusitanos, holandeses e franceses. Em 1810 depois da guerra franco-britânica, as Ilhas Maurício foram ocupadas pelos britânicos. Situação que perdurou até a Segunda Grande Guerra, quando começou o processo de independência que culminou em 1957 com a ‘autonomia’ da ilha por parte da Inglaterra.

A população, hindu, majoritária, resolveu dar um basta

A esta altura, a população hindu, majoritária, resolveu dar um basta. O clima esquentou. A tal ponto que, para evitar uma explosão social, em 1968 Maurício ganhou sua independência,  passando a ser conhecida como República da Maurícia sendo seu primeiro presidente Sir Seewoosagur Ramgoolam. Por sua história singular, o país é membro da Commonwealth, da Francofonia e da União Africana.

Junto com a ilha da Reunião e Rodrigues, Maurício faz parte das Ilhas Mascarenhas.  Trata-se de uma sociedade multiétnica, composta por indianos, na maioria, e uma minoria  de origem tâmil, africana, chinesa e europeia (principalmente francesa). Fala-se inglês e francês. O português também tem crescido a ponto de que uma de suas metas é fazer parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Mas também fala-se crioulo mauriciano e oito línguas de origem asiática.

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Além de açúcar, chá e tabaco, o turismo é a força motriz da economia.

Maurício hoje

Com uma população de 1.264.000 mil pessoas, as “Ilhas Maurício são um dos países mais densamente povoados do mundo, com mais de 630 habitantes por quilômetro quadrado, que vive da cana-de-açúcar e do turismo.”

“Sua beleza atrai milhares de turistas todos os anos, especialmente para viagens de lua-de-mel, decididos a desfrutar este paraíso conhecido no mundo como “Ilha Praia”.

Empresa de navegação é reincidente

De acordo com o site www.lexpress.fr “A empresa Mitsui OSK Lines, que opera o graneleiro MV Wakashio que encalhou nas Ilhas Maurício, já se envolveu em acidentes, incluindo um derramamento de óleo em 2006.”

E lamenta: “Este é um desastre ambiental sem precedentes para as Ilhas Maurício desde que o graneleiro MV Wakashio atingiu um recife em Pointe d’Esny em 25 de julho. As 3.800 toneladas de óleo combustível e 200 toneladas de diesel que carregava começaram a derramar nas águas azuis sobrenaturais pelas quais a ilha é conhecida no Oceano Índico.”

Imagem, https://www.indian-ocean.com/.

O site informa que  “este não é o primeiro acidente em que a empresa japonesa dona do navio, Mitsui OSK Lines, está envolvida. Em 2006, o petroleiro Bright Artemis, que ela operava, foi danificado ao tentar resgatar a tripulação de outro navio, causando um vazamento estimado de 4.500 toneladas de petróleo bruto no Oceano Índico.”

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E Mais: “A Mitsui OSK Lines também se envolveu em outros acidentes, incluindo o naufrágio de um de seus navios porta-contêineres em 2013 no Oceano Índico.”

Irresponsabilidade da indústria naval mundial

Mas o acidente revela ainda outro aspecto pouco louvável da indústria marítima mundial. O capitão indiano do navio, Sunil Kumar Nandeshwar, e seu vice estão atualmente detidos nas Ilhas Maurício sob suspeita de negligência.

E porquê um capitão indiano num navio japonês com bandeira do Panamá? Como já explicamos este caso levanta questões de onde vem a tripulação, quão bem eles são treinados e quão apropriadamente são liderados por seus oficiais. Freqüentemente, eles são de países em desenvolvimento, não são bem pagos e não são supervisionados o suficiente, então é a isso que a empresa deve responder agora.

População junta cabelo humano pela luta contra o óleo

A população do pequeno país, este sim considerado ‘um paraíso’ ambiental, luta em desespero para remediar a catástrofe. E usam cabelo humano para conter o óleo. A informação é da BBC. “Cabelo humano não absorve a água, mas apenas óleos. Por isso os mauricianos começaram a colher grandes quantidades para lutar contra o derramamento.”

“Por toda a ilha, salões de beleza oferecem descontos ou até cortes gratuitos para os moradores que doarem seus cabelos. Um grupo de voluntários se dedica a colocar o cabelo, junto com a palha e a cana, nos sacos, que são cilindros flutuantes usados para conter o petróleo na superfície da água.”

“Romina Tello, fundadora da agência ecoturística Mauritius Conscious, confirmou à agência de notícias Reuters que “existe uma grande campanha em toda a ilha para se juntar cabelo”.

A atitude dos mauricianos nos remete ao que aconteceu em 2019 com a avalanche de óleo no Nordeste, e a reação da população da região que, ante a omissão do poder público e o desastre que lhes batia à porta, arregaçou as mangas e foi à luta com a cara e a coragem. Só algum tempo depois do exemplo de cidadania, recebeu algum equipamento e orientação.

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O acidente de Maurício não tem apenas esta coincidência com o que se passou em nosso litoral, há outros pontos em comum como se verá mais abaixo.

A empresa de navegação

O express.fr informa que “A história da empresa de navegação baseada em Tóquio remonta a 1878, quando a trading Mitsui & Co começou a operar uma ligação de barco a vapor entre Nagasaki e Xangai.”

“Renomeada Mitsui Steamship em 1942, seus navios, como muitas outras empresas privadas japonesas, foram usados para transporte militar antes e durante a Segunda Guerra Mundial.”

Apesar de ser novo, e aparentemente estar em boas condições, o desastre é catastrófico para a pequena Maurício. Imagem, Nagashiki Shipping.

Em 1999, nova mudança de nome. Rebatizada  Mitsui OSK Lines, ela opera cerca de 740 navios em todo o mundo e emprega mais de 1.000 pessoas. O graneleiro MV Wakashio, lançado em 2007 e operado pela Mitsui OSK Lines, é propriedade da empresa japonesa Nagashiki, com sede em Wakayama. Ele havia passado na inspeção anual sem problemas em março, de acordo com a ONG ClassNK.

A população de Mauricio culpa o governo por omissão na demora para tomar providências tão logo houve o encalhe.“Estamos em situação de crise ambiental”, admitiu em entrevista coletiva o ministro do Meio Ambiente, Kavy Ramano. “Esta é a primeira vez que enfrentamos tal desastre e não estamos suficientemente equipados para lidar com este problema”, acrescentou o Ministro das Pescas Sudheer Maudhoo.”

Assista ao vídeo e saiba mais

Os motivos do encalhe

Por mais que o Mar Sem Fim pesquisasse em sites (e mídia) de língua inglesa e francesa, não encontramos referência ao motivo da grotesca saída de rota. Terá sido desleixo do capitão, como o caso célebre do Exxon Valdez, no Alasca, cerca de 30 anos atrás?

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Ou o capitão e oficiais quiseram dar uma espiadinha no ‘paraíso’, como fez  Francesco Schettino do Costa Concordia na ilha de Giglio, Mediterrâneo, 2012?

Agora voltamos às coincidências de que falamos acima. Então vamos recordar o encalhe do navio MV Stellar Banner, operado pela empresa sul-coreana Polaris, que levava minério de ferro da Vale para a China.

Coincidência com encalhe de navio da Vale no Maranhão

Aconteceu na saída do porto de Itaqui, Maranhão, em 2020. Apesar dos canais de entrada e saída de portos serem balizados, e os navios terem equipamentos de última geração para não entrarem em enrascadas, o dito cujo encalhou e acabou afundado pela Marinha do Brasil, contribuindo para mais um baque ecológico no maltratado litoral do Brasil.

O Stellar Banner não era um navio qualquer, mas o monstro de ferro com nada menos que 340 m de comprimento por 55 metros de largura, carregado com 294,8 mil toneladas de minério de ferro.

Desde que o acidente aconteceu, a dona da embarcação de triste memória em desastres ambientais, a Vale, não se pronunciou, muito menos a Marinha do Brasil.

Dias depois do acidente, o Mar Sem Fim ligou para o 4º Distrito Naval responsável pela área, para saber os motivos do encalhe. Apesar da insistência, não recebemos resposta.

Ao publicar este post, e motivado por comentário de um leitor, voltei a ligar ao 4º Distrito, e desta vez fui ouvido. A Marinha do Brasil encaminhou ao site a seguinte nota: “A Marinha do Brasil, por intermédio da Capitania dos Portos do Maranhão, informa que continua em andamento a investigação sobre o acidente da navegação ocorrido com o Navio Mercante Stellar Banner, no dia 24 de fevereiro deste ano, na Baía de São Marcos, em São LuísMA. O Inquérito Administrativo sobre Acidente e Fato da Navegação, instaurado para apurar as causas, consequências e responsabilidades, está dentro do prazo de conclusão e pode ser prorrogado, conforme as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM-09). “

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A sinistra similaridade é esta: como é possível acidentes nestas condições, em espaços sinalizados de todas as formas inclusive a geografia (caso de Maurício), monitorados por equipamentos de última geração a bordo, ainda assim acontecerem provocando terríveis danos ecológicos?

Óleo no Nordeste e novo acaso

As coincidências não acabaram. Assim como os mauricianos acusaram o governo de omissão na demora da reação, o ministro do Meio Ambiente do Brasil demorou 38 dias para pôr os pés nas praias nordestinas quando do derrame de óleo de 2019. Não tomou nem uma medida, sequer procurou os prefeitos dos municípios mais atingidos, mas tirou fotos para seu Instagram. Procuradores de nove Estados do Nordeste ajuizaram ação contra a omissão federal.

Mas tem uma sutil diferença nestes dois casos, os mauricianos sabem qual a origem do óleo.

Acidentes, por piores que sejam, têm um lado positivo: podemos aprender com eles, e assim evitá-los. Mas no transporte marítimo mundial e suas mamatas escusas como as das regras frouxas dos ‘navios de bandeiras compradas’, e omissão de outras companhias e capitães, a lição parece não ter sido aprendida. O caso do Exxon Valdez aconteceu 30 anos atrás.

Até quando?

Imagem de abertura: Paris Mach.

Fontes: https://www.dw.com/en/ship-leaking-tons-of-oil-off-mauritius-splits-in-two/a-54582332; https://www.ilhasmauricio.net/informacao-geral; http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/seu-destino/mauricio; https://www.lexpress.fr/actualite/societe/environnement/ile-maurice-la-societe-derriere-le-mv-wakashio-deja-impliquee-dans-des-accidents_2132744.html; https://www.parismatch.com/Actu/Environnement/Alerte-maree-noire-sur-l-Ile-Maurice-le-desastre-ecologique-en-images-1697519.

Gelo da Groenlândia e o ‘ponto de inflexão’

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