Naufrágio do Bayesian: erro humano não é descartado
O naufrágio do Bayesian, ocorrido na madrugada de 19 de agosto enquanto estava ancorado em um porto na Sicília, continua um dos assuntos mais comentados pela imprensa. E não é para menos: é extremamente raro que um barco com uma linhagem tão prestigiada, tanto no design quanto na construção, afunde tão rapidamente. A bordo estavam 22 pessoas, entre elas convidados do magnata da tecnologia inglês Mike Lynch e a tripulação. Só 15 passageiros foram resgatados.
Nesta quarta-feira, encontraram mais quatro corpos, e identificaram os dois primeiros desaparecidos: ‘o banqueiro Jonathan Bloomer e o advogado Chris Morvillo’, conforme informou o Corriere Della Sera. ‘Os outros dois corpos que acabaram de chegar são de um homem e uma mulher. O homem é definitivamente Mike Lynch, enquanto a mulher pode ser sua filha Hannah’, informou o jornal. Um quinto corpo ainda está dentro do barco.
Veleiro e tripulação ilustres
Assim como o barco, alguns dos passageiros eram ilustres a começar do proprietário Mike Lynch também conhecido como “Bill Gates britânico”, acompanhado pela mulher e a filha. Do mesmo modo, o presidente do Morgan Stanley International Jonathan Bloomer e sua mulher também estavam a bordo.
O motivo incomum da viagem era comemorar a absolvição, há apenas dois meses por um júri de San Francisco, de acusações de fraude ligadas à venda de sua empresa de software, a Autonomy, para a Hewlett-Packard por US$ 11 bilhões em 2011. A viagem foi organizada para celebrar a vitória legal. Assim, foram convidados funcionários das empresas de Lynch e até o advogado, Christopher Morvillo, do escritório Clifford Chance que o representou no caso da fraude.
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Devido à profundidade dos destroços, a 50 metros, os mergulhadores têm apenas 12 minutos para trabalhar antes de iniciar a lenta subida para descompressão. Isso atrasou a operação mantendo o suspense.
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O veleiro está deitado sobre o lado direito do costado. E, a despeito de estar desmastreado, os mergulhadores não encontraram qualquer perfuração visível no casco.
Nesta quarta-feira, mergulhadores contaram com a ajuda de um ROV (Veículo Remoto Operado). O “robô,” capaz de operar até 300 metros de profundidade, segundo o La Stampa, tem tecnologia avançada que permite investigar o fundo do mar e gravar vídeos e imagens detalhadas. Essas informações são essenciais para fornecer elementos precisos na reconstrução da dinâmica do acidente, atendendo a um pedido do Ministério Público de Termini Imerese.
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Especialistas apontaram para uma tromba d’água, um tornado sobre o mar que provoca ventos fortíssimos. Testemunhas descreveram vendavais furiosos e ventos semelhantes a furacões que deixaram uma avalanche de detritos perto do cais.
Ainda assim, a rapidez do naufrágio deixou a comunidade náutica e as autoridades italianas perplexas. O site especializado Superyachtfan noticiou que ‘uma obra-prima de engenharia náutica e do luxo encontrou um fim trágico perto da costa da Sicília’. E mais adiante enumerou suas qualidades: (o barco) ‘era conhecido por seu design de ponta, interiores elegantes e impressionantes recursos de navegação. No entanto, esse símbolo de luxo e inovação agora está no fundo do Mediterrâneo. O naufrágio da Bayesian enviou ondas de choque para todas as comunidades de iates e de tecnologia, ele era um testemunho de inovação, luxo e busca da excelência’.
Engolido pelo mar num átimo
O veleiro parece ter sumido, engolido pelo mar num átimo. Alguns sobreviventes relataram que o barco levou “de três a cinco minutos” desde o momento em que foi levantado pelas ondas até afundar, enquanto outros afirmaram que o processo durou apenas 60 segundos.
A rapidez do processo sugere a possibilidade da água ter entrado através de portas ou janelas abertas, o que seria uma negligência do comandante, ou até quebradas pela força do vento, enquanto o enorme veleiro pendulava depois de ter seu imenso mastro (75 m) quebrado pelo vendaval. O barco tinha quilha retrátil (com 10 m), mas ela estava recolhida segundo os mergulhadores. Este é um detalhe importante, a ser confirmado pelas investigações.
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Vale reforçar a velocidade com que o veleiro afundou e o fato de que os outros barcos ao redor não foram afetados. Isso pode indicar o erro da quilha recolhida durante o fundeio. O barco tende a balançar muito mais nas rajadas, ao mesmo tempo em que o ponto de equilíbrio fica mais elevado, tudo que não deveria acontecer durante mau tempo.
Outra dúvida que permanece é se havia alguém da tripulação na ponte de comando conforme determina a regra do mar. Outros comandantes que enfrentaram a peleja contam como se safaram, mas não mencionam qualquer ação por parte do superiate. Esta é outra questão para o inquérito.
CEO do The Italian Sea Group rejeita alegações de falhas no projeto
Segundo o Leading Britain’s Conversation, Giovanni Costantino, CEO do The Italian Sea Group, rejeitou as alegações de que havia falhas de projeto. “Sendo o fabricante de Perini, eu sei muito bem como os barcos sempre foram projetados e construídos”, disse Costantino, o design torna o modelo um “corpo inafundável”.
Mais um caso Titanic, ou apenas uma macabra coincidência?
‘Por volta das 4h da manhã todo o inferno se soltou’
Assim o pescador da aldeia de Porticello, Giovanni Lo Cocco, qualificou a tormenta ao conversar com a agência de notícias AFP, o inferno se soltou. O vídeo abaixo confirma, Giovanni apenas procurou uma figura de linguagem que traduzisse o que sentiu.
O jornal inglês The Guardian conseguiu uma foto de Giovanni mostrando o momento em que um foguete de emergência foi lançado de do bote salva-vidas às 4h35. O jornal publicou o depoimento do pescador.
Eu saí na varanda porque tenho dois barcos atracados no porto e fiquei preocupado com a tempestade que se aproximava. De repente, vi o veleiro a balançar. Peguei meu telefone para tirar a foto. O foguete de emergência foi lançado enquanto o veleiro já estava afundando
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A força da tromba d’água e a rapidez do naufrágio também provocaram a discussão sobre a influência, ou não, do aquecimento global e seu ‘saco de maldades’, entre eles os eventos extremos cada vez mais frequentes e poderosos.
Alguns ‘especialistas’ ouvidos pela imprensa europeia logo após o acidente disseram não ser ‘normal’ este tipo de tempestade no Mediterrâneo. Esqueceram-se de que também é anormal a temperatura da água do mar a 30º C, como no dia do acidente, e que bate sucessivos recordes há mais de um ano aumentando o risco de condições climáticas extremas.
Assista ao caos causado por um tornado em Formentea, Ibiza, poucos dias antes da tragédia em Palermo
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Comandante do Bayesian, o neozelandês James Cutfield
De acordo com o La Stampa, promotores do procurador de Termini Imerese, que abriu uma investigação sobre o naufrágio, ouviram-no ontem (terça, 20/10) até tarde da noite para reconstruir as fases dramáticas do naufrágio e conseguir detalhes técnicos úteis à investigação. Os interrogatórios continuam hoje (quarta, 21/10), os magistrados estão ouvindo todos os sobreviventes no resort Domina-Zagarella.
O jornal traçou um perfil de Cutfield, tido como um comandante experiente, que trabalhou toda a sua vida a bordo de grandes barcos e que conhece bem o Mediterrâneo. Este é o retrato de James Cutfield, 51, o capitão. A mídia neozelandesa, país de origem do comandante, também lidou com o assunto. O “NzHerald”, em particular, entrevistou o irmão de Cutfield, Mark, que confirmou que ele comanda barcos de luxo há cerca de oito anos.
Cutfield, principal testemunha da investigação, teve não só que reconstruir os terríveis momentos do naufrágio, mas tentar explicar como foi possível que um iate de 50 milhões de dólares, com sistemas tecnológicos de ponta e considerado praticamente inafundável fosse a pique. De acordo com a Associated Press, o barco estava disponível para fretamento por US $ 215.000 por semana.
“Nós não vimos isso chegando”
Segundo o La Republica, esta é a única frase que James Cutfield, o comandante do veleiro, consegue dizer: “Nós não vimos isso chegando (referindo-se ao mau tempo)”.
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Assim como quando cai um avião, um barco não afunda por um único motivo. Normalmente é uma cadeia de acontecimentos em sequência que provoca o desastre. Neste caso, alguns fatos indicam a possibilidade de erro humano. Um deles é a quilha retrátil estar levantada enquanto o barco estava fundeado, o que compromete a estabilidade durante mau tempo.
Além disso, a imprensa especula que algumas portas ou janelas estariam abertas, o que seria um imperdoável descaso. Por fim, há informações de que o capitão James Cutfield ‘não sabia da chegada do mau tempo’.
A meteorologia foi clara, ‘toda região em risco’
‘Não perceber’ a chegada de mau tempo seria, caso haja confirmação, o derradeiro erro na cadeia que fez o imenso veleiro afundar.
A previsão de tempo estava correta e alertava sobre o perigo. É obrigação do comandante monitorar constantemente o clima.
O vídeo abaixo é o único que mostra o Bayesian com seu enorme mastro cheio de luzes durante o vendaval. É difícil distinguir mas é possível vê-lo (o mastro iluminado) graças ao círculo vermelho. Depois de assistir meia dúzia de vezes, tudo que percebi foi um repentino sumiço das luzes.
Contudo, segundo a News.com.au um outro vídeo captado pelas câmeras de uma vivenda a apenas 200 metros do barco, mas ainda não divulgado, capta o momento exato em que ele afunda com 22 passageiros a bordo. “Em apenas sessenta segundos, vê-se o barco desaparecer”, disse o proprietário à agência italiana ANSA.
Aí estão as informações e especulações do momento. Entretanto, só saberemos o que de fato aconteceu quando o barco for resgatado e trazido à tona, e o inquérito for concluído. O Mar Sem Fim segue acompanhando.
Assista
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Parece que todo mundo menos eles sabia que o tempo ia ficar ruim. Melhor se preparar para o pior e esperar para o melhor.
Se o casco foi, de fato, atingido em cheio pela passagem de uma tromba d’água, o que se mostra possível pela quebra do mastro antes do afundamento e pela observação de não haver rupturas no casco, uma possível explicação é a ocorrência do “efeito sucção” ou “efeito bolha” que pode ocorrer pela rápida sucção de enorme volume d’água em torno do casco durante a rápida passagem da tromba d’água, fazendo com que o barco perdesse capacidade de flutuação subtamente, em poucos segundos (correspondente ao volume d’água deslocado pela embarcação). Lembrar que na tromba d’água a água é rapidamente sugada para cima, em direção às nuvens, e não despejada para baixo. Este fenômeno é estudado pois pode ocorrer em acidentes com plataformas de petróleo. (CíceroAssad, eng. Naval e eng. de Petróleo, [email protected])