Marina Silva finalmente olha o mar: criação do Parque Nacional do Albardão
Quando todo o processo está pronto para a criação de uma nova área protegida, em outras palavras, o estudo técnico, a proposta de criação, o diagnóstico ambiental, e o mapa da proposta, então o ICMBio inicia a última fase, a das consultas públicas. É nesta etapa que finalmente, depois de muitos e muitos anos, nós chegamos para a criação do Parque Nacional Marinho do Albardão, no litoral do Rio Grande do Sul. Trata-se de um antigo pleito de pesquisadores, academia e ambientalistas. Marina Silva finalmente assumiu o cargo. Assim a agenda ambiental marinha, que estava totalmente travada desde 2019, começa a andar. Foram precisos 15 meses do atual governo, por isso estamos muito atrasados vis-à-vis os países que levam mais a sério a conservação marinha como o Chile, por exemplo.
Por que um Parque Nacional Marinho no Albardão?
Algumas das praias do litoral gaúcho, especialmente do litoral médio para o sul, são as mais selvagens do Brasil. Felizmente, grandes trechos ainda estão livres da chaga da especulação e da sanha de destruição que nosso modelo de ocupação da costa impõe. Só por isso, manter a paisagem original, já seria motivo para um parque nacional. Como insistimos em lembrar, a proteção da paisagem é um princípio constitucional desde a Carta de 1934, passando pelas de 37, 1946, 1967,1969 e 1988.
Mas, para além de uma paisagem espetacular, agreste, rústica, absolutamente diferente de tudo que existe no litoral brasileiro, algumas praias do Rio Grande do Sul constituem um refúgio pouco explorado, onde a natureza ainda reina quase que intocada pela presença humana.
O documento da consulta pública assim descreveu o espaço do novo parque: Nesta região do extremo sul do litoral brasileiro encontra-se também a região conhecida como “Albardão”, uma área com características geológicas, geomorfológicas e biológicas únicas, que a conferem especial valor para conservação, com um vasto campo de dunas bem desenvolvidas, que abriga grande diversidade de fauna e flora, e de grande beleza cênica.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemCOP29, no Azerbaijão, ‘cheira à gasolina’Município de Ubatuba acusado pelo MP-SP por omissãoVerticalização em Ilha Comprida sofre revés do MP-SPProximidade com as lagoas costeiras
Como é possível ver pelo mapa, o parque fica ao lado da lagoa Mirim, que é parte de um sistema hidrológico que inclui uma sucessão de lagoas, lagunas, e banhados que se comunicam entre si (e algumas com o mar), importantíssimo para o Estado. Afora estas, uma longa linha de praias guarnecidas por dunas frontais é a característica preponderante do litoral do Rio Grande do Sul.
A proximidade com o sistema hidrológico torna a área do parque ainda mais importante para ser protegida. Segundo o ICMBIo, os processos oceanográficos que ali ocorrem, a forte influência das águas da pluma do rio da Prata e do complexo estuarino da Lagoa dos Patos-Lagoa Mirim, além dos processos de transporte de água subterrânea da Lagoa Mangueira para a região costeira, contribuem para que seja uma das regiões ecologicamente mais importantes da plataforma continental brasileira.
PUBLICIDADE
Os reflorestamentos com Pinnus na planície costeira gaúcha
À exceção dos reflorestamentos com Pinnus na planície costeira gaúcha, uma bobagem com raízes nos anos 70, o resto ainda tem a mesma fisionomia de ‘antão’. O cenário ganha vida com um espetáculo constante de aves nativas e migratórias que enchem o céu e as praias, criando um balé dinâmico e colorido.
Na linha de fronteira entre o mar e a terra, lobos e leões marinhos encontram um santuário para repouso, após longas jornadas vindos do extremo sul do continente. Esses mamíferos marinhos, frequentemente vistos descansando nas areias ou brincando nas águas rasas, adicionam um charme peculiar à paisagem.
Leia também
Ilha da Queimada Grande, ou Ilha das Cobras, e a ameaçada Jararaca-ilhoaPiauí, o ‘pole position’ na destruição da Mata AtlânticaGestão da APA de Ilha Comprida e a omissão da Fundação FlorestalEntre as mais notáveis espécies de peixes, e preocupantes, encontram-se os elasmobrânquios, como o cação-anjo, a raia-viola e o cação-bico-doce, todos enfrentando riscos de extinção devido à pesca excessiva e à degradação de seus habitats. Além disso, as águas dessa região são de crucial importância para a toninha, o cetáceo mais ameaçado do Brasil, que luta por sobrevivência em meio a um ambiente cada vez mais afetado por nossas ações. Tartarugas-marinhas também fazem da região o seu habitat.
Por último, o mar defronte à área do novo parque é rota das baleias jubartes e francas, que anualmente sobem a costa brasileira. É pelo ‘excesso’ da biodiversidade do local, e sua fisionomia ainda personalíssima, que dissemos no início ser um consenso há muitos anos a necessidade da criação deste parque.
A proteção integral, a costa gaúcha merece
Entre as 12 categorias de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC, os parques nacionais são uma das melhores porque, ao mesmo tempo que permitem a visitação para quem quiser, por ser uma UC de proteção integral, não é permitida a retirada de quaisquer recursos, sejam eles vivos ou minerais.
O papel de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul
É de crucial importância que o governador do Estado, Eduardo Leite, adote a ideia. Um parque nacional numa região tão selvagem é algo que vai valorizar ainda mais o litoral do Estado.
Além disso, Marina Silva ainda não se manifestou sobre planos para a zona costeira. Na primeira vez em que ocupou o ministério, a agenda ambiental simplesmente ficou ao largo. Marina e Lula 1 e 2 só deram bola para o bioma amazônico.
Fora a criação de meia dúzia de RESEX, mais nada foi feito para o litoral no primeiro mandato da ministra. Agora, neste segundo, a consulta pública aberta pelo ICMBio inaugura as ações do MMA para a zona costeira mas, mesmo assim, nos custaram 15 meses para sair das empoeiradas gavetas da autarquia. Sabe-se lá até quando esta boa vontade com os mares e o litoral persistirá. Por isso, mais que nunca é preciso que Eduardo Leite encampe a ideia, e fique no ‘pé’ da ministra e dos políticos que representam o Estado em Brasília.
Assine o baixo-assinado em favor da criação do parque nacional
Para aqueles que gostam de participar das boas pelejas da vida, saiba que há um abaixo-assinado rolando nas redes sociais. O Mar Sem Fim e este escriba assinaram. Caso queira, clique aqui.
Um primeiro passo…
Marina deu o primeiro passo fora da Amazônia. Entretanto, ainda falta muito pra podermos dizer que a ministra realmente assumiu o cargo. Por exemplo, falta a recategorização da Rebio dos Arvoredos, SC; a ampliação de Abrolhos incluindo o banco Royal Charlote; um plano central para combate à erosão; outro para o replantio de manguezais e restingas em toda a costa brasileira e, finalmente, fiscalização até hoje inexistente. A ver como agirá daqui pra frente a ministra, por enquanto, da Amazônia.