E o litoral, a quem cabe fiscalizar?

Só por desencargo pesquisei no ‘Oráculo do século 21’, o Google. Para minha total surpresa, encontrei no site da FAB a matéria ‘Há 80 anos, sua missão é vigiar e proteger o litoral brasileiro (referindo-se à Força Aérea Brasileira)’.

A primeira frase é: ‘Vigiar e proteger, 24 horas por dia, uma área de aproximadamente 13,5 milhões de quilômetros quadrados. Essa é a missão dos três Esquadrões que compõem a Aviação de Patrulha da Força Aérea Brasileira’.

Mas não se engane, a sequência do texto demonstra que não é bem assim: No dia 22 de maio de 1942, pilotos brasileiros utilizaram uma aeronave B-25 Mitchell para atacar, durante a Segunda Guerra Mundial, o submarino italiano Barbarigo, que, quatro dias antes, havia lançado torpedos contra o navio mercante brasileiro Comandante Lyra, que resultou na entrada do Brasil no conflito. A partir de então, a FAB iniciou as atividades de cobertura de todo o litoral nacional’.

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Ou seja, é claro que se a MB detectar algum problema ela pode recorrer aos aviões da FAB. Mas a ‘fiscalização’ resume-se a isto: ações durante a Segunda Grande Guerra, e apoio à Marinha em casos especiais. Perguntamos de novo, quem fiscaliza este mar sem leis?

A fiscalização da pesca artesanal e industrial

Para controlar os quase 30 mil barcos de pesca, sendo que 90% são embarcações artesanais, portanto não se afastam muito da costa, a responsabilidade recaiu sobre o Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (PREPS), instituído em 2006.

O objetivo, segundo o governo, ‘é gerar dados sobre a atividade pesqueira através do monitoramento remoto da embarcação de pesca e auxiliar na salvaguarda da vida humana no mar e nas ações de fiscalização. A participação no PREPS é obrigatória para todas as embarcações de pesca com Arqueação Bruta (AB) igual ou superior a 50 ou com comprimento total igual ou superior a 15 metros’.

Contudo, segundo a Oceana, de acordo com a “Auditoria da Pesca no Brasil –2020” publicada pela ONG,  2.894 embarcações nacionais têm obrigação legal de aderir ao PREPS;  entretanto, dados fornecidos pela GFW destacam que desse total, apenas 1,4 mil embarcações aderiram efetivamente ao Programa, o que representa cerca de 6% do total de barcos inscritos no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP).

O problema do PREPS é claro: quando uma embarcação se recusa a instalar o equipamento que mostra sua posição, praticamente nada acontece. Mesmo criado em 2006, o programa manteve os dados fechados por 15 anos. Só em 2021 o Brasil passou a publicá-los na plataforma Global Fishing Watch. Vale lembrar: o país foi um dos últimos das Américas a aderir ao sistema.

O IBAMA e a fiscalização do litoral

Cabe ao IBAMA fiscalizar o litoral em certos casos. Segundo o site da autarquia, ‘O Ibama coloca-se hoje como uma instituição de excelência para o cumprimento de seus objetivos institucionais relativos ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental’. 

O site ainda expõe as principais atribuições do IBAMA: Exercer o poder de polícia ambiental é uma delas. A outra é ‘Executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente’. E, finamente, ‘Executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente’.

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Ilustração, Folha Press.

Experimente, caro leitor, pesquisar no Google “quem fiscaliza o litoral?” Além da matéria da FAB e  do IBAMA, há outra da Folha de S. Paulo com o título, Ibama tem apenas três barcos para fiscalizar 7.300 km do litoral brasileiro. É isso, ou seja, é tudo ficção. O papel aceita tudo porém a realidade é outra. Embora a matéria da Folha seja de 2015, as coisas não mudaram muito de lá para cá.

Segundo o Portal da Transparência  o IBAMA conta com 3.994 servidores em exercício. Se considerarmos que a maior parte destes quase 4 mil funcionários trabalham em gabinetes de Brasília, chega-se a conclusão que é impossível fiscalizar como era de esperar.

Segundo matéria de O Globo, de 2024,  ‘São 1.698 fiscais, entre os do Ibama e do ICMBio, que precisam cuidar não só da área de 1,7 milhão de quilômetros quadrados de florestas protegidas, mas combater crimes em todos os biomas e inspecionar cargas em aeroportos, portos e indústrias poluidoras’. 

Um déficit de pessoal estrutural

Tenha certeza que este déficit não é pontual, é estrutural, ou seja, sempre foi assim. Ilustração, O Globo.