❯❯ Acessar versão original

Invasão da tilápia no mar brasileiro prova omissão

Invasão da tilápia no mar brasileiro prova omissão

Por omissão das autoridades ambientais nas três esferas do poder, o litoral e o mar brasileiro há muito estão ao deus-dará. Quem manda, de fato, é a especulação imobiliária. Já no mar o poder é difuso, assim, normalmente os mais fortes se impõem. O Ibama, a quem compete fiscalizar, tem apenas três barcos! Ao mesmo tempo, o MMA não tem políticas públicas para combater espécies invasoras que já ameaçam a fauna marinha, como são os casos do coral-sol, do peixe-leão, ou do meixilhão-dourado. Contudo, agora veio à tona uma notícia muito pior: a invasão da tilápia, um peixe africano de água doce, no mar brasileiro.

Tilápia em praia brasileira
Uma tilápia na praia. Perigo à vista!

O Mar Sem Fim canta esta bola desde 2006

Quando da nossa primeira viagem pela costa brasileira (2005 – 2007), fizemos o alerta ao chegar em Salvador e entrevistar Max Stern, da Bahia Pesca. A estatal tem como missão “fomentar a aquicultura e a pesca, mediante a implantação de projetos sustentáveis, observando a natureza econômica, social, ambiental e cultural, como forma de contribuir para o desenvolvimento do estado da Bahia.”

Criação de tilápias no estuário de Cairu, Bahia. Acervo MSF.

Como a realidade é sempre diferente dos desejos expressos em ‘missões de empresas’, ao chegar ao estuário de Cairu, próximo a Morro de São Paulo, quase caí de costas ao analisar de perto a criação de tilápias que o Estado promovia em áreas sensíveis, como são os estuários.

Projetos baianos de criação de tilápias em estuários

Recorro ao diário de bordo daquela etapa da viagem: “Quando entrevistei Max Stern, da Bahia Pesca, ficou atravessado em minha garganta o entusiasmo com que ele falou de um de seus projetos, que trata da criação de tilápias em estuários. Para meu espanto, Max vibrava ao comentar a alta produtividade que conseguem, enquanto eu tentava imaginar o mal que poderia fazer mais esta espécie invasora aos mangues e à vida marinha baiana.”

Especialistas da universidade mostram o perigo

Assim, tirei a dúvida com especialistas da universidade como sempre faço. Miguel Accioly, especialista da UFBA. À época, ele estudava a questão. “Accioly sugere que por trás desta iniciativa do governo estão ONGs financiadas por empresas e empresários muito poderosos dos ramos de mineração e petróleo, cujas atividades não são bem vistas pela população (ele se referia na época à Odebrecht, atual Novonor) e que, por isso mesmo, precisam trabalhar sua imagem…

Em 2023, a comunidade científica confirma a invasão das tilápias no mar brasileiro

Em outubro de 2023, a pesquisadora Ana Clara Sampaio Franco, do Laboratório de Ictiologia Teórica e Aplicada, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, e seus colegas publicaram um artigo na revista Aquatic Ecology no qual discutem as ‘evidências de Tilápias detectadas em ecossistemas marinhos e salobras costeiros brasileiros. Foram obtidos dezenove registros, sendo a presença deste invasor sugerida como maior após os períodos chuvosos.’

PUBLICIDADE

Na hora da despesa é comum a fuga de alguns exemplares. Assim começam os problemas. Acervo MSF.

‘Nossas descobertas’, diz o artigo, ‘destacam o potencial de um invasor tipicamente de água doce se espalhar pelos ecossistemas marinhos, levantando preocupações em relação ao licenciamento de projetos de aquicultura em rios e estuários, uma vez que a tilápia pode afetar significativamente a biota nativa brasileira’.

Era só o que faltava! Segundo o que Ana Clara explicou ao g1, “Nós temos registros que vão desde o Maranhão até Santa Catarina, passando por Espírito Santo, São Paulo e pelo Rio de Janeiro. Detectamos que esses casos não eram isolados, o que consideramos preocupante.”

Tilápia é o peixe mais cultivado no Brasil

Em tempo, a tilápia é o peixe mais cultivado no Brasil. Ana Clara também denunciou a compra de pacotes tecnológicos para a aquicultura de espécies que não são nativas, assim como faz a carcinicultura, que optou pelo uso do Panneus vanamei, um camarão oriundo do Pacífico.

“As estruturas de criação não são imunes a falhas, por isso acontecem escapes. Há também descartes de aquicultores equivocados, que soltam essa espécie exótica invasora nos rios. O Brasil, apesar de deter uma das maiores biodiversidades do mundo, compra pacotes tecnológicos para aquicultura de espécies que não são daqui. Em vez de explorar nosso potencial.”

Dois ex-presidentes, que primavam pela ignorância, também sugeriram a criação de tilápias, um deles, em reservatórios da Amazônia!

O boom da criação de tilápia no Brasil e no mundo

A revista Exame, em matéria de 2012, confirmou o boom da criação de tilápia no Brasil e no mundo. “Foi num lance prodigioso de avanços comerciais e técnicos que a produção global de Tilápia mais do que dobrou na última década, passando de 1,5 milhões de toneladas em 2003 para 3,2 milhões de toneladas em 2010, devido principalmente à expansão da aquicultura.”

Atualização em 24 de outubro

Este post, de 22 de outubro, despertou enorme curiosidade tendo batido seguidos recordes de leitura, então, fomos atrás de mais informações.

Assim, encontramos um texto no Blog Do Desenvolvimento de 2019, que é um braço da agência de notícias do BNDES, portanto do governo federal, bastante incomum se considerarmos o estudo Impact of the invasion from Nile tilapia on natives Cichlidae species in tributary of Amazonas River, Brazil (Impacto da invasão da tilápia do Nilo sobre espécies nativas de Cichlidae em afluente do Rio Amazonas, Brasil) publicado pela Embrapa Amapá quatro anos antes, ou seja, 2014.

PUBLICIDADE

Embrapa Amapá (2014) contra BNDES e Embrapa (2019)

O incomum neste caso, é que o estudo da Embrapa Amapá (2014) aborda o problema causado pelas tilápias em afluentes da Amazônia, enquanto o texto do Blog do Desenvolvimento (2019) ‘em parceria com a Embrapa’, comenta   “o estudo setorial Potencial e Barreiras para Exportação de Tilápias, desenvolvido pelo BNDES em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e apresentado em workshop sobre competitividade internacional do mercado brasileiro de tilápias, realizado em 2018, na sede do Banco.”

Entre outras, este trabalho comenta as ‘oportunidades e barreiras’ (barreiras relacionadas apenas à oscilação cambial e não os problemas de espécies invasivas) para exportação de tilápias brasileiras’.

Ao que parece, este post foi lido também por funcionários do Ministério da Pesca e Aquicultura que, segundo o Globo Rural de 23 de outubro, informou que “não há negociações para a importação de tilápias do Vietnã’. E, mais adiante, destaca o Globo Rural, “a Pasta diz que foi surpreendida pelas especulações que circulam sobre o tema”.

Ao nosso ver, estas informações demonstram o pandemônio e os desencontros do poder público, que se somam ao desleixo das autoridades ambientais emprestando mais uma vez atualidade ao grande Stanislaw Ponte Preta, autor da canção Samba do Crioulo Doido, de 1966.

Omissão do poder público confirmado

E, mais uma vez, deixando clara a omissão do Poder Público sobre tudo o que diz respeito ao mar e ao litoral. Para Ana Clara, “chegamos à conclusão que não existe no Brasil uma base boa, unificada e atualizada de dados sobre as estruturas de aquicultura, as espécies que são cultivadas e onde são cultivadas em pequena e média escala. A ausência desse levantamento não nos permite traçar com exatidão as possibilidades de ocorrência da tilápia.”

“Nativo da África”, diz a matéria da Exame, “esse peixe invasor foi trazido para o Brasil na década de 70. O animal, de carne suave e firme, se adaptou tão bem em nossas águas que, atualmente, representa, ao lado da carpa, outra espécie exótica, mais de 60% do cultivo de pescados em viveiro em todo o país.”

As criações são intensivas

Como as criações são intensivas, fertilizantes e restos de ração acabam poluindo os locais onde ficam as criações. Essas substâncias provocam a eutrofização, ou seja, a água fica sem oxigênio suficiente para sustentar a vida.

PUBLICIDADE

O mesmo processo acontece nas criações de salmões, como já explicamos anteriormente. Infelizmente, as criações de peixes ainda estão longe de ser sustentáveis.

Portanto, devido a mais esta falha das autoridades, nosso problemático mar territorial, que enfrenta a pandemia de plástico, acidificação e poluição, terá mais uma espécie invasiva para competir com as nativas.

É com este ‘zelo’ que a zona costeira as autoridades ambientais tratam o mar brasileiro.

Assista ao vídeo para saber mais

Neste outro vídeo é possível ver claramente um cardume de Tilápias em Arraial do Cabo

Bali, Indonésia, ‘paraíso’ ou depósito de lixo?

Sair da versão mobile