Frustrada a temporada de camarão na laguna dos Patos

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Frustrada a temporada de camarão na laguna dos Patos e suas consequências

À primeira vista, este pode parecer um tema secundário ante o terror que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Sim, não há dúvida que é. Contudo, é o drama de milhares de pescadores da maior laguna da América do Sul, com 265 quilômetros de comprimento por 60 de largura. Um imenso e importante berçário, um estuário, também destruído ao menos por certo tempo. Assim, está no foco primário deste site, por isso consideramos que merece ser conhecido pelos amantes do mar em geral: a frustrada temporada de camarão na laguna dos Patos, e suas muitas consequências.

Barcos de pesca da Lagoa Mirim.
Barcos de pesca da lagoa Mirim. Acervo MSF.

O camarão-rosa e a laguna dos Patos

A laguna fornece 30% do camarão consumido no País, ou 16 mil t por ano. Daí pode-se imaginar o tamanho da cadeia envolvida só com o camarão, desde o pescador, até chegar à mesa dos consumidores. Da mesma forma, fica claro mais uma vez que o problema pontual da laguna será sentido muito além das fronteiras do Estado.

A laguna ainda é o habitat e criatório para linguado e tainha, dois peixes nobres que também farão falta aos respectivos mercados e cadeias produtivas.

Para nossa surpresa, a prefeitura de Pelotas, um dos centros de pesca da laguna, já antevia desde 1º de fevereiro que a temporada de camarão seria frustrada neste ano, e pelo mesmo motivo, excesso de água doce. E isto quando ainda não se sabia da violência extrema que viria mais tarde pela frente.

Pescador saindo da lagoa Mirim para entrar em Santa Vitória do Palmar.
Pescador saindo da lagoa Mirim para entrar em Santa Vitória do Palmar. Acervo MSF.

Em 31 de janeiro o site Pelotas informou que ‘às vésperas da abertura da temporada de camarão – de 1º de fevereiro a 31 de maio –, pescadores artesanais da Colônia Z3, do Pontal da Barra e da Balsa consideram a safra frustrada. Os grandes volumes de chuva registrados no ano passado na região e no Estado elevaram o nível da lagoa, impedindo a entrada da água salgada do mar com as larvas do crustáceo. Está confirmado que não haverá evento, como tradicionalmente ocorre, para marcar o início do período liberado para captura’.

A laguna é um estuário, um importante ecossistema marinho

A laguna dos Patos é um estuário, e mais uma amostra da importância ambiental do litoral do Rio Grande do Sul; estuários são um dos mais importantes berçários marinhos e estão diminuindo no mundo inteiro.

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Recentemente publicamos um post que demonstrava este ‘sumiço’. Das 32 maiores cidades do mundo, 22 estão localizadas em estuários. Não é surpreendente que as atividades humanas tenham levado a um declínio na saúde dos estuários, tornando-os um dos ecossistemas mais ameaçados da Terra. Agora, um novo estudo revela que os seres humanos alteraram quase metade dos estuários do mundo, e 20% dessa perda ocorreu nos últimos 35 anos.

Pescador de camarão da Laguna dos Patos
Pescador de camarão da Laguna dos Patos. Acervo MSF.

E também publicamos uma avaliação da NOAA, segundo a qual os estuários são alguns dos ecossistemas mais produtivos do mundo. Muitas espécies animais dependem de estuários para alimentação e como locais para nidificar e procriar. As comunidades humanas também dependem de estuários para alimentação, recreação e empregos.

Com a invasão de água dos rios formadores do Lago Guaíba, a água da laguna dos Patos fica mais doce e fria. Assim, a larva não entra na laguna, não há pesca. É preciso ainda, avaliar o que pode causar a montanha de lama e areia que desceu dos rios, e mantém a laguna totalmente turva. Quanto tempo ela permanecerá como nós a estamos vendo nos últimos 30 dias?

Prejuízos financeiros de R$ 200 milhões só na laguna

O Jornal Nacional de 29 de maio publicou matéria em que entrevista o secretário de pesca de Rio Grande, Bercilio Luiz da Silva: “Nós pescamos aqui mais de 16 mil toneladas de camarão ao custo médio de R$ 10 o quilo, digamos assim. São quase R$ 200 milhões de prejuízos que tem a região, especialmente o pescador que depende da pesca do camarão”.

Mercado de Rio Grande
Mercado de Rio Grande onde a população vinha pegar seus frutos do mar bem frescos. Acervo MSF.

O JN entrevistou ainda, o pescador Flaidali Vitaca Santana, que lamentou ao lembrar da cadeia produtiva: “A gente gera renda para o pessoal que trabalha com o peixe, que faz o filé, que vai para banca, quem vende, quem transporta. Então, a gente gera bastante emprego através da embarcação, através do pescado. É tristeza. Família de quem trabalha conosco sem ganhar também junto conosco. Então é triste”.

Alguns números da pesca

A gauchazh informa que em Rio Grande a Colônia Z1 tem 920 pescadores artesanais cadastrados que tiram deste trabalho o sustento. Também há trabalhadores que descascam os camarões, além das peixarias e restaurantes que comercializam o produto. Já Pelotas conta com mais de 800 pescadores artesanais licenciados.

Frigoríficos mandam pegar a carga no porto de Santa Vitória do Palmar.
Frigoríficos mandam pegar a carga no porto de Santa Vitória do Palmar. Acervo MSF.

A Folha de S. Paulo, em matéria de Leonardo Fuhrmann (24/5), traz informações ainda mais sombrias. ‘Desde junho do ano passado, os barcos dos pescadores da lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, não servem para a sua principal função: o trabalho matinal da pesca de linguado, tainha e camarão, principais peixes e crustáceo do estuário. Neste mês, as embarcações ganharam novas funções. Além de servirem para distribuir água potável, alimentos e produtos de higiene para as comunidades tradicionais, acabaram se tornando moradia para as famílias de pescadores’.

O período do defeso

Entre junho e setembro acontece o período do defeso, ou seja, época da reprodução das espécies, portanto, a atividade é proibida. Quando passou a ser livre, o estuário já estava com excesso de água doce. De lá pra cá, até a hora em que escrevo este post, tudo que acontece é a entrada de mais água doce no estuário, além de manchas imensas de lama e areia.

Segundo o Fórum da Lagoa dos Patos, ao todo, na região atuam cerca de 14 mil pescadores. O Fórum assim justifica o gráfico abaixo:

‘A distribuição dos pescadores artesanais é apresentada na tabela a seguir, enfocando os dados aqueles vinculados aos fóruns de pesca situados nos municípios que margeiam a Lagoa dos Patos (Fórum da Lagoa dos Patos e Fórum do Delta do Jacuí), bem como as informações dos pescadores do Comirim e o Fórum do Litoral Norte que estão próximos à Lagoa dos Patos’.

pescadores artsanais da laguna dos Patos.
Pescadores por região segundo o Fórum da Lagoa dos Patos

Que siga com este post o nosso abraço solidário aos gaúchos que tanto têm sofrido, mas com tamanha altivez que tornaram-se uma lição para todos os brasileiros. Bravos!

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Comentários

1 COMENTÁRIO

  1. Bom dia. O pescador têm uma profissão de incertezas, sempre na esperança de dar uma boa safra. Nossa classe já vem sofrendo com a desigualdade do preço do nosso peixe,ao se comparar com o estado vizinho em santa Catarina. Agora com essa catástrofe,muitos perderam seus aparelhos de pescas. Além de ficarmos sem a safra do camarão e da tainha. E essa catástrofe vai se arrastar por muito tempo ainda.

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