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Barragem do Canal do Valo Grande, Iguape e região

Barragem do Canal do Valo Grande, Iguape e região, há séculos prejudicando o vale do Ribeira

No século 19 Iguape era um dos mais importantes centros da região Sudeste. O porto ficava defronte à cidade. Por ele era escoada a produção agrícola da região, especialmente o arroz. O rio Ribeira de Iguape serpenteava por trás da cidade até atingir sua barra alguns quilômetros ao norte de Iguape. Para economizar tempo, decidiu-se abrir o canal do Valo Grande ligando o rio diretamente ao “Mar Pequeno”, onde ficava o porto. Tema de hoje: Barragem do Canal do Valo Grande.

A bobagem (até então desconhecida) feita no século 19 é algoz de Iguape e do Lagamar, o mais importante berçário de vida marinha do Atlântico Sul.

As consequências da Barragem do Canal do Valo Grande para Iguape e região

Como este site vem solitariamente denunciando, parte do mangue de Iguape agoniza pelo excesso de água doce que desce para o Mar Pequeno. E a linda e histórica cidade de Iguape foi cortada ao meio, tragada pela erosão provocada pela abertura da barragem.

“É terrível, a gente vem medindo a morte do mangue de Iguape todos os anos. E, com ele, a redução de todos os serviços ambientais que os manguezais prestam gratuitamente.” O alerta é da professora Marília Cunha Lignon, do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Registro, São Paulo. Desde 2010, ela pesquisa o manguezal de Iguape, no litoral Sul paulista.

O mangue de Iguape. Imagem, Mar Sem Fim.

Mar Sem Fim vem denunciando (desde 2007) a extinção desse que é um dos ecossistemas mais importantes do mundo .

“Com esses dois dados simples, podemos dizer que essa região perdeu a característica de estuário. E conseguimos calcular ainda a biomassa perdida. É sempre bom lembrar que mangue vivo sequestra carbono. Morto, ele libera carbono na atmosfera”, diz.

O que, em outras palavras, significa dizer que essa mortandade contribui, e muito, para o aquecimento global e a crise climática.

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Erosão: Canal do Valo Grande: passou de 4 metros para 400 metros de largura

Naquele período, o porto de Iguape era importante em movimentação de carga. Grande parte era escoada do interior até o porto por meio do rio Ribeira de Iguape, o maior do sul de de São Paulo que deságua no oceano.  Para encurtar o caminho entre o rio e o estuário de Iguape, abriram o canal.

Ele tinha entre dois e quatros metros de largura. O tamanho certo para dar passagem às embarcações da época carregadas, principalmente, de arroz. Com a pressão das águas, especialmente nas cheias, o canal foi ganhando corpo ao longo dos anos.

Hoje, tem média de 300 metros de largura. Em alguns pontos alcança 400 metros. Inundou várias áreas da cidade de Iguape.

Manguezal é o terceiro maior criadouro do mundo

Os dados são desesperadores para qualquer manguezal. Mas este integra o estuário considerado o terceiro maior criadouro de animais marinhos do mundo.

Ele está inserido na Área de Proteção Ambiental Federal (APA) Cananeia-Iguape-Peruíbe. Por suas características únicas, é reconhecido como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e do Sítio do Patrimônio Mundial Natural, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Solução para o problema é conhecida há décadas

O bom dessa tragédia ambiental é que o problema tem solução. “E já está definida, apenas não foi executada”, ressalta Marília Lignon. A solução, já conhecida há décadas, é fechar o canal do Valo Grande.

Governo Paulo Egydio Martins

E ele já foi fechado uma vez, como Mar Sem Fim abordou: “Aconteceu no anos 70 quando Paulo Egydio Martins era governador de São Paulo. Nesta época o Jornal da Tarde fez uma grande campanha pelo fechamento do Valo Grande. Paulo Egydio comprou a briga. Uma barragem de pedras foi construída, mas não durou muito.

A barragem do Valo Grande construída por Paulo Egydio Martins, `a espera da retomada dos trabalhos. Imagem, mar sem fim.

Uma cheia no caminho, no caminho tinha uma cheia…

Em 1983 uma grande cheia do Ribeira destruiu a contenção e a água doce voltou a invadir o Lagamar, situação que permanece até hoje”. A barragem foi reconstruída, como mostra a foto acima, mas nunca fechada.

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Entrevistas em Iguape sobre a Barragem do Canal do Valo Grande

Em seguida ao desastre provocado pela cheia, nova barragem foi construída desta vez com comportas para, sem cheias, abri-las; com cheias, fechá-las. As fundações desta nova barragem lá estão em Iguape, abandonadas.

Como somos insistentes, em agosto de 2020 entrevistamos várias autoridades do município de Iguape, inclusive o atual prefeito Wilson Lima, PSDB. Todos  favoráveis ao fechamento.

Então, por que ela não é fechada?

Hoje a maior atividade econômica de Iguape é o turismo. A cidade tem um casario histórico lindo, que faz de Iguape cidade do patrimônio histórico nacional; festas religiosas tradicionais (como a Festa de Agosto do Senhor Bom Jesus de Iguape) que estão entre as três mais importantes do País; e além disso, está localizada à beira-mar.

Mas a abertura da barragem destrói o mangue, compromete a reprodução de organismos marinhos, bloqueia a procura pelos turistas, como ainda impede a pesca esportiva outra importante atividade turística da região.

Segundo Wilson Lima, “o turismo de Iguape poderia ser extremamente potencializado com o fechamento da Barragem do Valo Grande. Porque nós poderíamos recuperar uma área extraordinária que, importante criatório de vida marinha, está neste momento com a vida comprometida.”

“Nós temos 1.400 famílias dedicadas à pesca artesanal (profissional), fora os informais que são muito numerosos. Ou mesmo os pescadores esportivos, atividade absolutamente significativa. A despeito dos problemas, temos marinas com taxas de ocupação muito altas, pescadores de todo o Brasil vêm para cá.”

E confirmou: “o turismo é a principal atividade econômica do município.”

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Sobre a situação do Valo Grande

“O governo do Estado estava trabalhando. Ainda quando Serra foi  governador, foram liberados R$ 9 milhões de reais pra fazer a contenção das margens do Valo Grande (das margens da barragem vale dizer para impedir a erosão), e começar a colocação das comportas.”

“Só que em 2009-2010, entrou ação civil pública promovida pelo Ministério Público.”

O MP é contrário às comportas abrindo e fechando segundo nossa fonte: “O MP é à favor do fechamento definitivo. Isso parou tudo, por que a questão ficou muito tempo sub judice, até que em 2019 uma canetada do Tribunal de Justiça revogou tudo.”

“O governo do Estado é favorável à proposta original do DAE – Departamento de Água e Esgoto, dos anos 80 de colocação das comportas e monitoramento até que determinada situação justifique o seu fechamento.”

E concorda com a proposta do DAE, diz que a decisão da Justiça “é uma decisão tacanha”.

“O que aconteceu?”

“O que estava sendo feito parou. E o governo do Estado recolheu cerca de R$ 3,5 milhões de reais, dos R$ 9,5 destinados pelo Serra inicialmente. Estes R$ 3,5 eram pra fazer o manual de operação da barragem,  e casa de máquinas. Era o que faltava. Veio a decisão judicial parou tudo.”

“Qual o problema?”

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“Retiraram-se as ensecadeiras que estavam a montante, e se removeu parte significativa da barragem a justamente (feita por Paulo Egydio). E potencializou  enormemente, brutalmente, o assoreamento do estuário.”

Alguém tem dúvida?

Wilson Lima, prefeito de Iguape: “Eu perguntei ao MP: ‘uma decisão que não se cumpre é uma boa decisão?”

“Porque é isso. A situação só se deteriora a ponto de chegar um momento que não vai ter retorno.”

“Márcio França chegou a anunciar cerca de R$ 70 milhões para retomar o fechamento da barragem. Só que não houve de fato uma voz de comando (por parte do Governo de São Paulo) para fazer a retomada do projeto.”

“Quantificou-se quanto custaria a proposta do Ministério Público. Era quase como voltar ao Éden, ao Paraíso. A proposta demoraria cerca de 20 anos para ser realizada, e importaria em torno com RS 5 bilhões de reais. Não temos nem este recurso, nem este tempo.”

E finaliza: “a proposta do MP é completamente irrealista.”

A judicialização da abertura da Barragem do Canal do Valo Grande

“O caso chegou ao Supremo, o Ministro Lewandovsky”, prossegue, “apreciou em caráter de liminar e manteve a decisão aqui de Iguape, e confirmada em determinado momento pelo Tribunal de Justiça.”

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“Existe um litígio no consórcio necessário da questão do Valo Grande. O rio é federal e a resolução CONAMA contra a barragem do Tijuco Alto deslocou lá atrás a apreciação do licenciamento dos Estados de São e Paraná para o âmbito federal, sob argumento que se tratava de um rio federal, justamente. Então, quem tem que se pronunciar sobre o licenciamento é o Governo Federal, através do Ibama.“

“Agora, como se trata de obra no rio Ribeira, rio federal situado no Município de Iguape, no Estado de São Paulo, envolve a União, o Estado, e o Município. Depois, a barragem vem de decisão local da época do Império. Não se pode cobrar exclusivamente do Governo do Estado a solução, como queria o MP e em determinado momento foi confirmado pelo TJ e pelo Supremo em caráter de decisão liminar monocrática. Era preciso um esforço conjunto.”

“Ficou este imbróglio e a situação só se deteriora.”

“Quem tem razão é a proposta técnica do DAEE. O DAEE dizia que colocadas as comportas, e monitoradas, a tendência será o desassoreamento do canal, o Ribeira vai correr até sua foz desassoreando o leito do rio.”

“Mas esta confusão, que já dura 40 anos, lembra Nelson Rodrigues. A coisa mais difícil de ser enxergada é o óbvio, só o idiota da objetividade para ver com clareza.”

“Daqui a pouco vamos ter esta área toda comprometida definitivamente, assoreada.”

Governo do Estado de São Paulo recorreu da Justiça

“O governo do Estado (Governo Doria) fez uma coisa louvável. Pegou o plano estratégico da região, produto de colaboração coletiva, assumiu, e transformou no programa (de campanha) O Vale do Futuro, proposta que está sendo trabalhada, muito prejudicada por não haver destinação de recursos, e pela pandemia (que veio depois da promessa de campanha). Tudo isso comprometeu bastante a ideia.”

“Uma reunião com o secretário de infraestrutura, Marcos Penido, em fevereiro, pouco antes desta confusão toda (referindo-se à pandemia), tratou do problema do Valo Grande e Penido ficou de retornar sobre a proposta do DAEE, que é a melhor tecnicamente e também factível do ponto de vista financeiro.”

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“Salles (referindo-se ao ministro do MMA) conhece o problema. Mas parou tudo: pandemia e ano eleitoral, sabe como é…”

“Enquanto isso um município deficitário, necessitado, onze anos inadimplente, agora tudo aprovado, redondo, regular as contas de Iguape e no entanto temos que parar tudo porque a lei não permite que em ano eleitoral haja repasses, assinatura de convênios, quer dizer, na prática um ano perdido.”

O futuro de Iguape e a ‘obra redentora’

“Nós vamos continuar insistindo para a retomada do projeto técnico do DAEE, sua atualização, e colocarmos em prática. Não me conformo de ver uma coisa com potencial  tão extraordinário capaz de levantar o município inteiro, abandonada.”

“Na prática, estamos há 300 anos discutindo isso. Não é possível uma coisa destas.”

Ou você, acha que é possível continuar a lenga-lenga?

Esclarecimento do Mar Sem Fim sobre o governo Doria

Em 10 de agosto de 2020 publicamos o post Governo Doria ameaça Fundação Florestal confirmando descaso,  que denunciava a medida de extinguir a Fundação Florestal (cuida de todas as UCs do Estado) para fazer economia em razão da queda de arrecadação produzida pela pandemia.

No post, criticamos o governo Doria que, ao nosso ver, não se preocupou com as questões ambientais como a cidade, e o Estado, merecem.

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Fundação Florestal, aquecimento global, e o ridículo projeto para ‘despoluir o rio Pinheiros’

E citamos várias questões em aberto, não só a extinção da Fundação Florestal (medida que o Governo já descartou em razão da repercussão negativa), e outras como a omissão com o transporte público e as questões do aquecimento global; a falta de preparação dos municípios/estado para enfrentarem eventos extremos (apesar do altíssimo custo em vidas humanas e em valores, estudados e alertados pela academia); a proposta de despoluir o rio Pinheiros em quatro anos, um projeto cosmético como seu genitor; a omissão de Doria quando era prefeito que contribuiu por fazer com que as áreas de mananciais hoje estejam nas mãos de criminosos, etc.

Valo Grande

E criticamos o fato do Governo de São Paulo ter recorrido da decisão da Justiça sobre o Valo Grande. Não sabíamos que o projeto defendido pelo MP custaria R$ 5 bilhões, muito menos que demoraria 20 anos.

Desculpas aos leitores

Por causa disso, pedimos desculpas aos leitores. Mas não à Doria. Apesar de ter agido corretamente ao recorrer, o governador jamais explicou estes motivos à opinião pública e, como ficamos sabendo agora, apesar de ter prometido em campanha  o projeto de revitalização do Vale do Ribeira o mais pobre do Estado, O Vale do Futuro, não destinou verbas para tanto.

Falar é fácil; fazer, nem sempre. Quanto às outras críticas ambientais que fizemos, permanecem atuais e a omissão injustificável quando o aquecimento global mostra alarmantes sinais de que fugiu ao controle.

A ciência

Todos os cientistas com quem conversamos recentemente, do glaciologista Jefferson Simões, à Carlos Nobre, representante do Brasil no IPCC confirmam, passando por Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe e atual professor da USP, que o aquecimento saiu do controle.

A ignorância, comodismo, e a incoerência de muitos brasileiros

Este tipo de post agrada parte dos visitantes ‘arrivistas’, mostram as pesquisas do Google Analytics; fenômeno confirmado pelas redes sociais, e os milhares de  ‘ambientalistas da rede’ que denunciam o corte de árvores já mortas, ou ‘defendem a  vida’ de gatos abandonados por irresponsáveis donos de pets que ficam de saco cheio dos animais a cada etapa do difícil processo de levá-los para dentro de casa, e os soltam nas ruas; e se recusam a se informarem sobre o extermínio que estes bilhões de ‘bichanos’ provocam no mundo.

O mesmo pessoal que chia pelo desmate da Amazônia, mas se lixa para o certificado da origem da madeira  ao comprarem o produto. Estes ‘ativistas’ das redes preferem culpar ONGs estrangeiras a dar atenção  às inúmeras provas de que 80% da madeira ilegal da Amazônia é vendida em São Paulo e Rio de Janeiro.

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Mas não é só em relação à compra da madeira que os ‘ativistas’ em rede se omitem. Eles se empapuçam de camarões produzidos nas fazendas do Nordeste, vendidos no Sul, Sudeste e Centro Oeste, sem nunca buscar informação já disponível, sobre a destruição ambiental que a carcinicultura provoca.

Chiar pelo desmate da Amazônia no conforto de casa, sem mudar hábitos insustentáveis; e degustar camarões em festas de família achando que ‘brotaram do nada’, é fácil, criticar os outros mais ainda, mas fazer sua parte…

Veja a situação do Lagamar na região de Iguape, fruto da abertura da Barragem do Canal do Valo Grande

Imagem de abertura: mangue de Iguape agoniza, imagem, Mar Sem Fim

Explosão cambriana, o big bang da evolução

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