Amazônia e litoral do Nordeste, é hora de mudar. Chega de amadorismo no Ministério do Meio Ambiente
“Estamos pagando hoje o preço com os desastres de Mariana e Brumadinho. E o governo Bolsonaro não ajudou nada, até agora, a resolver os problemas reais do setor ao reduzir o status do Ministério do Meio Ambiente (que até cogitou de extinguir) e tolerar entrevistas e declarações de membros de sua administração desqualificando a defesa do meio ambiente.” A frase é de José Goldenberg, professor emérito da USP, e ex-ministro do Meio Ambiente, em artigo publicado no Estadão (18/02/2019 ) sob o título ‘Licenciamento e desastres ambientais‘. Foi no início do governo. Menos de dois meses depois da posse. O desastre de Brumadinho era considerado, até o derramamento de óleo no Nordeste, o maior desastre ambiental brasileiro. E é considerado o pior acidente de mineração do mundo, com 252 mortos e 18 pessoas desaparecidas até hoje. Depois vieram os desastres na Amazônia e litoral do Nordeste.
Outubro de 2018 – Campanha presidencial
“Isso vai nos colocar em uma saia-justa enorme no mundo. Enchem a boca, como se apenas nós exportássemos soja, carne. Mas temos muitos concorrentes. A União Europeia já não tem boa vontade nenhuma em nos fazer concessões. Imagine em um governo que confirme seus piores temores. Seremos marginalizados. Vão dizer que é carne e soja produzidas à base da destruição da Amazônia.” Vaticínio de de Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente ao O Estado de S. Paulo, na matéria ‘Absurdo falar em desmatamento zero’ que repercutia os disparates da campanha de Bolsonaro que ameaçava transformar o MMA em apêndice do Ministério da Agricultura. Menos de um ano depois do alerta, o Acordo da União Europeia com o Mercosul está ameaçado.
Multas do Ibama
“Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar”, disse reiteradas vezes o presidente ainda em campanha. Foi copiado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles que, seguindo diretrizes, afrouxou multas e fiscalização (o número de operações do Ibama na Amazônia caiu 70% de janeiro a abril de 2019 em relação ao mesmo período de 2018). Aí estão, Amazônia e litoral do Nordeste, dois desastres ambientais a escancarar o amadorismo do Ministério do Meio Ambiente.
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Ao demonizar a academia, multas, e o ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro e Salles deram sinal verde aos desmatadores ilegais. Quando começaram as queimadas, como esperado no período seco, o Ibama já havia sido decepado de 21, de seus 27 superintendentes regionais. Salles, sempre disposto ao confronto, mandou para casa a ‘memória do ICMBio’ (fevereiro, 2019) e, com eles, a eficiência. Deu no que deu.
Perda de tempo acusando ONGs
Enquanto o presidente perdia tempo acusando ONGs, inimigos do agro aproveitaram. Começou a pressão internacional. Só então veio a reação. Bolsonaro despachou o Exército para conter as queimadas. Era tarde. O estrago na imagem do País, e ao agronegócio, estava feito (Dados do Prodes, do Inpe, ainda não disponíveis, devem confirmar até o final do ano a porcentagem de floresta perdida. Os do Deter, também do Inpe, e motivo da exoneração de Ricardo Galvão, apontam aumento da área desmatada de 45% em comparação com os três anos anteriores.).
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Outubro de 2019 – calamidade pública no litoral do Nordeste
“Não obstante a extrema gravidade do desastre ambiental, com todos os dados e impactos demonstrados, e ainda a decretação de emergência pelos Estados de Sergipe e da Bahia, fato é que a União se mantém omissa, inerte, ineficiente e ineficaz. Não há, pois, razão plausível mínima para não se implementar, de imediato, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional. É, pela legislação e pelos fatos reais, que se impõe.” O trecho entre aspas é parte da ação que Procuradores de nove Estados do Nordeste ajuizaram para obrigar o governo federal a acionar em 24 horas o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por óleo em Água, cujos conselhos Executivo e de Suporte, foram destituídos por Bolsonaro.
Desgoverno ambiental
O governo não sabe o que fazer. Perdido, dispara acusações como fez o presidente sugerindo que foi ação criminosa da Venezuela. O governo não age, quando muito, reage. E, às pressas na última hora, despacha funcionários da Petrobrás para limparem as praias. Passados 50 dias do acidente, já considerado o maior acidente ambiental do Brasil, o governo ainda não decretou emergência ambiental. Espera o quê? “Um alarme nacional deveria ter sido dado. Não entendo por que não foi. Investigar a causa é preciso, mas conter danos é essencial. Prevenir custa mais do que remediar. Agora a conta será cara”, declaração de Miguel Accioly, especialista em gerenciamento costeiro, da Universidade Federal da Bahia em declaração ao jornal O Globo (15/10/2019).
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O primeiro, a falta de humildade. Negligência, e disposição ao confronto, em segundo e terceiro lugares respectivamente. Ricardo Salles, que não compreende a complexidade da pasta que assumiu, demonizou técnicos, cientistas, ONGs e que tais desde que assumiu o ministério. Como se fosse fácil comandar a pasta do Meio Ambiente num país como o Brasil, com seus muitos e emaranhados biomas, e suas enormes diferenças sociais.
Salles Perdeu seu braço direito
Tanto fez que perdeu seu braço direito meses depois de assumir. O único ambientalista na cúpula do Ministério do Meio Ambiente, Adalberto Eberhard então presidente do ICMBio, pediu demissão depois de agressiva investida de Salles contra servidores do órgão em evento público registrado em TVs e redes sociais. O ministro ficou sozinho no MMA. Registre-se que servidores do Ibama que atuam em seis Estados e no Distrito Federal enviaram representação ao Ministério Público Federal (DF) em que pedem que o órgão apure a conduta do ministro do Meio Ambiente. Eles acusam o ministro de adotar práticas de “assédio moral coletivo”.
Litoral do Brasil entregue ao deus-dará
Há muito que o Mar Sem Fim alerta que o litoral está ao deus-dará. O mar e o litoral não chamam a atenção como a Amazônia. Não há escândalo internacional. Ninguém vê o que está debaixo d’água, só o que aparece acima das praias. E praias são apenas um dos ecossistemas marinhos atingidos. Talvez o menos importante. Mas recifes de corais e mangues, os dois mais importantes, estão comprometidos no Nordeste por décadas!
Ricardo Salles não tomou qualquer providência eficaz
Quase dois meses depois do início dos derrames o ministério de Ricardo Salles não tomou qualquer providência eficaz. Especialistas da academia alertam e membros do MPF ajuízam ações para obrigar o governo a agir. Mas ele mesmo não faz senão retirar óleo de praias, para colocar onde? Até hoje foram retiradas da praias, e somente delas, mais de 900 toneladas de petróleo em forma de piche. O material é extremamente perigoso e poluente.
Limpeza de praias na raça
E a limpeza das praias está sendo feita com ajuda de voluntários já que as equipes oficiais são insuficientes. Foi preciso o vice assumir para mais uma vez o Exército ser despachado. Tardiamente. Cidadãos, pescadores, surfistas e outros, tentam evitar mais estragos, quase sozinhos, e sem equipamentos e instrução. A reação beira improvisação de leigo. Nada de mais se fosse obra de um dono de casa de segunda residência. Mas não é aceitável vinda do ministro de Meio Ambiente sob pena de comprometer o País, em especial, mas não apenas, os nordestinos.
É no que dá “reduzir o status do Ministério do Meio Ambiente”. O Brasil paga mais uma conta pelo descaso do governo federal, e por um alheio ministro do Meio Ambiente.
Amazônia e litoral do Nordeste e o óleo chegando em Abrolhos, único banco de corais do Atlântico Sul
Agora, na rota das manchas de óleo está o arquipélago de Abrolhos, um parque nacional marinho, único em biodiversidade em todo o Atlântico Sul. E até agora Ricardo Salles não tomou qualquer providência para proteger este ‘hot spot’ da costa brasileira. Ao contrário, ignorante como demonstra desde que assumiu, agiu contra parecer de técnicos do Ibama e colocou sete blocos de perfuração de petróleo no primeiro leilão da ANP que aconteceu em 2019. Foi mais uma derrota em sua trajetória ministerial. Apesar de ter sido um leilão recorde, os blocos de Abrolhos não receberam qualquer lance. Se o óleo realmente chegar em Abrolhos, aguardem reação internacional igual, ou superior, à das queimadas na Amazônia.
Ilustração de abertura: http://negociosecarreiras.com.br/o-renascimento-do-brasil/