A travessia –
18/1/2013
Ontem, às 22hs, confirmada a meteorologia favorável para os próximos dias, deixamos Puerto Williams.
Era noite. Não havia o que fazer. Este é um problema quando a gente navega, convidado, a bordo de um navio. O tempo custa a passar.
Aproveitei para baixar as fotos do dia no computador. Editei algumas para a próxima postagem quando chegarmos à Antártica. Depois, deitei na cama e terminei um dos livros que trouxe.
Estou dividindo uma cabine com “don” Francisco Ayarza, dono da empresa Nautilus, que contratei para reflutuar o Mar Sem Fim.
Uma figura: 79 anos (vai fazer oitenta a bordo, dia 30/1), barba rala e porte elegante. Ele lembra a figura do capitão Hadock, dos livros de Tim Tim. Não fosse a barba branca, eu diria que era uma cópia do capitão dos quadrinhos. Mas, ao contrário, é uma flor de pessoa. Amável, refinado e, sobretudo, calmo.
Começou a mergulhar nos anos 50, trabalhando em plataformas de petróleo na região do estreito de Magalhães. Quando este minguou, especializou-se em recuperar naufrágios.
Freqüenta a Antártica faz tempo, prestando serviços submarinos para as bases científicas do Chile, na baía Fildes, onde o Mar Sem Fim naufragou. Em 1989 foi chamado para estancar o vazamento de óleo do navio Baía Paraiso que naufragou em Palmer, próximo a uma base norte americana, na Península Antártica.
Os oficiais de bordo, da Armada da Argentina, escolheram um canal errado ao sair de Palmer. Não cartografado. O resultado foi um rasgo no casco provocado por uma pedra.
O imenso navio, que entre outros equipamentos levava dois helicópteros Sea King, afundou causando um acidente ecológico de grandes proporções. Em seus tanques havia 900 toneladas de diesel, 600 das quais, vazaram antes da chegada da equipe de don Francisco.
Como se vê, a recuperação do Mar Sem Fim está em boas mãos.
Na falta de acontecimentos notáveis, trivialidades cotidianas assumem protagonismo.
Alexandre, nosso editor/cinegrafista enjoou. Mas resistiu até o momento em que, desavisado, entrou no banheiro depois do Plínio ter usado “pra fazer aquilo”. Erro grosseiro. Quando “sentiu a infestação” era tarde. O estômago embrulhado desandou duma vez. A boca se encheu de saliva. Os olhos lacrimejaram. Não conseguiu segurar: Huuugo! Huuugo!
Passou o resto do dia na cama, ou casulo, como ele prefere dizer.
Ah, quase esqueci: hoje troquei a camiseta que usava desde que saí de São Paulo. E estou pensando seriamente em tomar banho amanhã.
De “relevante”, foi isto.
19/1/2013
Como sempre acontece, pontualmente às O7 hs, fomos acordados pelo apito indicativo do café da manhã. Tudo a bordo dos navios da Marinha do Brasil funciona a base de apitos. Em toda parte há altofalantes que retransmitem o som prododuzido pelo “senhor” Mestre, como dizem. São dezenas de toques diferentes. E cada um tem significado próprio: saída do cais, café da manhã, almoço, jantar, ceia, arriamento da bandeira brasileira, e por aí afora. Esta é uma tradição da marinha inglesa, chamada nos tempos do Império para organizar a nossa. Nos barcos a vela não havia a tecnologia de hoje. Para avisar a marujada sobre as manobras, usavam toques de apito. Herdamos a tradicão.
Depois do café saí para o convés. Abri a porta e senti o frio intenso e a forte cerração. Chegamos na Antártica esta madrugada, por volta das 06hs, quando cruzamos o paralelo dos 60 graus de latitude Sul, ou a Convergência Antártica, linha imaginária considerada a porta de entrada “da última fronteira” do globo.
O vento era de 15 a 20 nós, de Nororeste. Vagas de 3 metros pegavam o Felinto Perry pela alheta. Bonito de ver. Um bando de pássaros pequenos, em razantes seguidos por planeios, brincava com o vento. Fizemos imagens boas. Alexandre, que ontem enjoou, acustumou- se ao balanço. Estava lépido.
Acabo e ouvir o apito indicativo do “rancho”, como eles se referem ao almoço. Vou descer para a “Praça d’Armas” (refeitório). A Marinha tem destas coisas: apitos, e palavras estranhas ao vocabulário leigo. Mas é fácil se acostumar.
Retomo a coversa mais tarde.
13 horas:
Retornei do almoço. Bifes com bacon, arroz, farofa e feijão preto. Doce de leite na sobremesa e cafézinho para arrematar. Come-se bem, e muito, a bordo. São quatro refeições por dia. Café da manhã às 07hs. Almoço, meio dia; o jantar é servido às 18 e 30 hs. Duas horas depois tem ceia.
Combinei com o Comandante Luiz Felipe gravar imagens das dependências internas do navio esta tarde: casa de máquinas, cozinha, sala de ginástica, passadiço (sala onde se comanda o navio), etc.
As condições de mar e vento continuam favoráveis, brisa fraca e vagas de 2 metros. Vamos aproveitar, e trabalhar.
17hs22:
Correu tudo bem nas gravações. Estou na cabine, de pé, usando o beliche acima do meu como mesa, para escrever no computador. Don Francisco lê em sua cama.
Terminado o texto é hora do drink. Combinação da nossa equipe. O banho pode esperar. Missão cumprida por hoje. Vou pra cabine dos três companheiros experimentar uma pinga especial que o amigo, Bruno Sechin, deu ao Plinio com a recomendação explícita de só bebermos na Antártica. Já estamos dentro de seus limites.
Fui!
(Chegaremos em Rei George nesta madrugada, por volta das 05hs da manhã)
20/1/2013
Às sete da manhã avistamos Rei George, distante 6 a 7 milhas. E tivemos mais uma boa notícia: o sol apareceu pela primeira vez! A Antártica, com sol, é o paraíso dos fotógrafos e cinegrafistas. As cores ganham intensidade; os contornos, nitidez. O ar limpo aumenta o campo de visão. E a paisagem belíssima se destaca. Surpreende. O conjunto é de arrepiar.
10hs 15 da manhã.
Estamos aproados para a ponta Leste da ilha Rei George para, em seguida, navegarmos até a enseada Martel. É nela que fica o que sobrou da Estação Científica Comandante Ferraz, destruída por um incêncio em fevereiro deste ano. O Comandante Luiz Felipe quer pegar uma barreira de conteção (de petróleo), para ser usada no reflutuamento do Mar Sem Fim. Em seguida vamos para a Baía Fildes, local de meu acidente.
A cada dez, quinze minutos, paro de redigir. Visto um monte de casacos e vou lá fora observar. A visão é espetacular. Se não fosse congelar de tanto frio, ficaria horas curtindo o visual. A temperatura no Verão, em dias de sol, nem é tão baixa. Oscila entre menos 5º, e mais 5º graus celsus. O problema é o vento. A sensacão térmica baixa pra menos 15º, 20º graus. Mesmo com roupa especial não dá pra ficar muito tempo exposto.
15 hs30
Missão cumprida em Martel. Paramos defronte ao que sobrou da Base Ferraz, perto do Ary Rogel (um dos navios polares brasileiros), e do Germânia (cargueiro fretado pela Marinha para ajudar a refazer a Base e retirar seus escombros). Ali, algo sem jeito, o Comandante Luiz Felipe me chamou: ele acabara de receber ordens superiores para que não gravassemos os escombros de Ferraz. E explicou: em fevereio o Comandante em Chefe da Marinha virá até aqui, então, fotos oficiais serão divulgadas. Ok. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
De todo modo, o objetivo principal do documentário não era Ferraz, mas o resgate do Mar Sem Fim. Expliquei aos dois cinegrafistas e continuamos gravando o entorno.
Não sei pra que lado olhar. A oferta de paisagens estonteantes é infinita. Apesar do frio, cortante como navalha, não resistimos a ficar do lado de fora, inclusive o Plinio, boquiabertos com as formas, texturas, e cores. Duro explicar: é incomum, superlativo e único. E tudo ao mesmo tempo.
Estamos navegando para a baía Fildes, a 15 milhas daqui, onde está o casco do Mar Sem Fim. É lá que vamos ficar enquanto durarem os trabalhos. Estou ansioso e preocupado. Os marinheiros brasileiros, que lá estiveram numa etapa anterior, garantem que o sinal de telefonia da base chilena é forte. “ Mesmo a bordo é possível usar a internet”, eles dizem. Não vejo a hora de passar este relato, e dividir com vocês as fotos que fiz.
Logo vou saber. Chegaremos em duas horas.
16hs 3O
Incrível. De azul, em segundos, o céu ficou cinza. Mais alguns minutos e baixou a cerração. Agora não se vê um palmo a frente do nariz.
O clima antártico é totalmente imprevisível. Num mesmo período, faz sol e calmaria numa hora, na outra, venta com força de furação.
Aproveitei para jantar. Macarrão alho e óleo. Sorvete de chocolate na sobremesa. E nada do tempo melhorar.
19hs 59
O Comandante acaba de entrar na cabine para informar que não vai ser possível fundear. Vamos capear, navegar de uma lado para outro a baixa velocidade, até o tempo cooperar.
A baía Fildes está na nossa frente, bem próxima, mas não conseguimos enxergar. E o sinal do telefne, pelo visto, é fraco. Tentei, e não consigo conexão.
Do jeito que vai, só amanhã consigo passar este texto.
21/1/
12hs 25
Acabamos de desembracar em Rei George. Neste momento eu e Plinio estamos na Captania dos Portos de Fildes, mesmo prédio onde ficamos quando abandonamos o Mar Sem Fim . Vieram conosco alguns oficiais do Felinto Perry, e don Francisco Ayarza. Vamos fazer uma reunião entre brasileiros, chilenos e russos, sobre o trabalho de reflutuação do Mar Sem Fim marcado para começar amanhã.
O Comandante de Fildes, Juan Villegas, contou que o tempo aqui está “maluco” , fora do normal. Tem ventando 6O a 7O nós quase todos os dias. Cerração também tem sido frequente. Enfim, as condições não estão nada boas.
Seja como for, amanhã começamos.
Vou informando cada nova etapa.
Até a próxima.
Jaime Regatieri 3 dias atrás
João.
Boas. “Ctrl+C e Ctrv+V”
Desculpe a insistência, mas depois de seu relato logo na chegada à Base de Fildes com o relato de Juan Villegas, de que o tempo esta “maluco”, repito minhas indagações anteriores.
Fico aqui em SP pensando (lógico que o contexto, no abrigo do lar é bem diferente do que esta vivendo e do que vivenciou quando do naufrágio do Marzão):
Admiro você por tudo que representa, conhece e o respeito que você tem pela natureza.
A cautela e o bom senso fazem parte de sua personalidade e acompanha seu perfil de navegador. Parabéns.
Ocorre que, voltará ao cenário da mesma armadilha no que tange a local e estação de uma ano atrás, e o pior: com incrível instabilidade meteorológica, atestada pelo Juan Villegas, só que agora para retirar o Marzão.
A cena corre o risco de se repetir mais uma vez? Pois o contexto é muito semelhante (parece que agravado pela ação humana e de forma cada vez mais rápida). Corre-se o risco de, mais uma vez, ventos fortes empurrarem imensos blocos de gelo, toneladas e mais toneladas de pressão sobre quem quer que esteja flutuando da baía Fildes.
Após esta terrível experiência vivida, como tentar precaver-se, de que durante a reflutuação não possa vir outro furação?
As previsões do Commanders, além de confiáveis, podem garantir o tempo necessário para reflutuar o Marzão e dar tempo para sair da “boca do dragão” antes que ela feche suas mandíbulas?
Estou na torcida e expectativa para que dê tudo certo desta vez.
Não consigo imaginar quão duro esta sendo para você cada momento destes, mas tenho certeza que dispõe de estrutura psicológica e física para mais esta estapa.
Não me deixe sem respostas em relação à “reentrada na boca do dragão de gelo” para esta operação de resgate do Marzão desta linda, deslumbrante, maravilhosa, mas não menos perigosa área.
Saudações.
Bons Ventos.
Jaime.
Olá, JAIME, desculpe a demora na resposta. Nem sempre conseguimos sinal forte a bordo, como agora.
Bom, vamos lá: sim, existe o risco de sermos cercados por gelo de novo. O mesmo fenômeno que encontrei em abril do ano passado, está de volta: o jato inercial frio, que me foi explicado pelo professor Villela – veja matéria no blog depois do naufrágio- mas, se vier o gelo, desta vez estamos mais protegidos. O F Perry é imenso, forte, com todos equipamentos necessários para enfrentar, e vencer este desafio.
Bom, amigo, acho que é isto.
Abraçao, até a próxima
joão, valeu ! cada foto bonita, abração a vocês todos ! vai dar tudo certo !
Nós estamos com vocês de coração e espírito, um dia essas águas e, certamente, vamos Cruzeiro do Sul e boa parte do gelo caipirinhas antartido
ESTOU NA TORCIDA, VAI DAR TUDO CERTO. BOA SORTE A TODOS.
Obrigado, amiga, abracos
Obrigado,MARIA, grande beijo.
Estamos acompanhando o “o resgate do Marzão*, mais uma pródiga aventura destinada aos poucos homens de coragem, determinação e sobretudo de forte espírito de equipe. Com certeza vcs sairão renovados destas atribuições. Sucesso… Daqui, a nossa modesta contribuição de energia, mas entusiasta torcida !!!
Walter, obrigado amigo, legal saber que vc está na área. abraços
João estou acompanhando todos os dias as histórias, estou torcendo bastante para você e pro Tio Plínio,
estou realmente feliz que esteja tudo dando certo, e como você mesmo recomendou, e já comecei a ler as histórias de Sir Ernest Henry Shackleton e eu estou amando.
Boa Sorte, Um grande beijo a vocês dois, Carol
Obrigado Carol, muito simpática a sua mensagem. Plinio, ao meu lado, manda beijos, diz que “ama vc” e que ele viu, e tirou muitas fotos de focas e pinguins.
Beijão, minha querida, até breve.
OI JOÃO QUE PRAZER PODER ACOMPANHAR E PODER IMAGINAR A BELEZA DESSE LUGAR , ESTOU MUITO FELIZ POR ESTAR DANDO TUDO CERTO , E TENHO CERTEZA ASSIM CONTINUARÁ
SINTO A ALEGRIA E O ENTUSIASMO DO PLININHO POR ESTAR AI , E FICO FELIZ POR VOCÊS Beijos, Arlete
Querida Lelé, muito obrigado pela mensagem. Plinio,ao meu lado no momento em que respondo, manda beijos.
Oi Joao, Feliz chegada. Alegre por estar tudo correndo bem. Sucesso nas próximas etapas. Grande abraço a voce Plininho e a todos da tripulação. Paulo
Obrigado, Paulo, bom saber que temos torcida. abraços
Estamos na torcida para que de tudo certo
Abraços a todos e boa sorte!
Ok,Brother, grande abraço.
boa tarde, estou acessando tds os dias o seu site pois s´assim consigo ter uma pequena certeza que meu esposo que está a bordo Sargento Schiavon está bem… Continue relatando assim que puder a viagem , ok , que Deus proteja tds vcs.
Olá, Cristiane, obrigado pela mensagem. Vou prcurar o Sargento Schiavon pra dizer de sua torcida e votos. Grande abraço.