Prefeitura do Rio decepa mangues por árvore de Natal
A atual prefeitura do Rio de Janeiro parece competir pelo título de gestão mais desnorteada do País. À medida que o aquecimento global avança, a ex-capital afunda em decisões absurdas. Em 2023, o prefeito Eduardo Paes (PSD) decidiu que a praia da Barra da Tijuca sofria ameaça de erosão. Em vez de ouvir especialistas, optou por enterrar faixas de concreto armado sob a areia para “conter ressacas”. A ideia desafia qualquer noção básica de ciência costeira. O projeto previa gasto de R$ 11 milhões, sem estudo de impacto ambiental e imposto em regime de urgência. Agora, por causa de uma árvore de Natal na Lagoa Rodrigo de Freitas, a prefeitura autorizou decepar o manguezal local. A decisão destruiu vegetação protegida e revoltou pesquisadores, ambientalistas e moradores. O Rio, já quebrado moral e financeiramente, segue governado por improviso, ignorância ambiental e desprezo pela ciência.

É possível mitigar o aquecimento, mas não o desvario
Apesar da potência destrutiva do aquecimento global, especialmente sobre o litoral, ainda há maneiras de mitigá-lo. O assunto não sai da mídia, das teses acadêmicas, e das discussões nas cúpulas mundiais como a COP30 que quebrou os oceanos. Uma das maneiras é restituindo aquilo que nossa volúpia retirou: mangues, restingas, e dunas. Contudo, não há como mitigar a burrice, a má-fé, ou a ignorância. Esse parece ser o caso, não só do Rio de Janeiro, mas de inúmeras cidades costeiras cujos principais algozes são seus prefeitos.

A ideia estapafúrdia, escolhida a dedo para escangalhar de vez a orla carioca, de enterrar faixas de concreto sob a areia da praia da barra da Tijuca, provocou uma rebelião entre os professores das seis universidade cariocas. Ao verem as imensas máquinas escavando as areias da praia, 26 especialistas da UFRJ, Uerj, UFF e PUC-Rio reagiram. Organizaram um abaixo-assinado alertando para os riscos da obra, que pode, na verdade, agravar os danos futuros.
Ato contínuo, o Ministério Público entrou em ação e proibiu que a mutilação seguisse. A praia da Barra da Tijuca foi salva pelo gongo. Desta vez, no entanto, não deu tempo. Quando o biólogo Mario Moscatelli, que cuida do manguezal da cidade há anos foi verificar o que aconteceu, depois de alertas da população, era tarde demais.
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— Fui surpreendido com mensagens de frequentadores denunciando corte de manguezal. Vim rapidamente para cá e identifiquei cortes completamente indevidos numa área onde o manguezal fazia sombra e não oferecia nenhum tipo de perigo para os transeuntes — afirmou. — A gente cuida dessas árvores 365 dias por ano, há 36 anos. Eu mesmo fazia as podas preventivas. E o que encontrei foi um arrasa-quarteirão, declarou ao jornal O Globo.
Segundo Moscatelli, a prefeitura cortou o manguezal para “desobstruir” a vista de uma árvore de Natal. A justificativa não se sustenta.
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— Árvores de manguezal, em área de preservação permanente e em pleno período reprodutivo, não podem sofrer corte, salvo em caso de risco iminente. Esse risco não existia. O que se viu foi a derrubada de mangue vermelho no auge do período reprodutivo.
— Após o corte, o trecho virou uma Avenida Brasil, totalmente exposto, sem qualquer sombra para os pedestres. Portanto, erro técnico, corte em período reprodutivo, sem oferecer perigo algum aos frequentadores, e ainda expondo o passeio ao sol pleno, em pleno verão. Só falta explicar quem ganha com isso.
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Exploração de petróleo ao largo do Amapá: conheça o lado bomPraia dos Ingleses (SC) destruída depois da engorda conforme previsãoRecifes de corais de águas quentes atingem ponto de inflexão— Falei com a prefeitura, com a Comlurb, com a subprefeitura para saber quem foi o irresponsável, o incompetente, que praticou esse crime ambiental. Não dá para aceitar isso depois de 36 anos de trabalho de recuperação, com apoio da imprensa e parceria institucional — criticou.
— Existe um frisson em torno da inauguração (da árvore de Natal), mas o projeto de recuperação da Lagoa já dura 36 anos. Quem fez isso precisa ser identificado e punido. A Lagoa é um ambiente natural delicado e precisa ser cuidada o ano inteiro — afirmou.
Ignorância ou apenas má-fé?
Nem todos sabem disso. Prefeitos de cidades costeiras, porém, têm obrigação de saber. Os manguezais prestam serviços ecossistêmicos vitais. Eles funcionam como berçários da vida marinha e de aves. Eles protegem a linha da costa contra a erosão. Mangues também atuam como um sumidouro imbatível de gás carbônico. Um hectare de manguezal retira da atmosfera até quatro vezes mais gases de efeito estufa do que a mesma área de floresta tropical. Por causa disso, há um frenesi mundial em torno do replantio de mangues como já mostramos. Porém, enquanto o mundo planta, as antas de plantão em Pindorama as decepam.
Já é hora da população perceber que a eleição de prefeitos pode ser até mais importante que outros cargos mais cobiçados como governadores, senadores ou deputados, e até mesmo presidentes. Quanto mais perto da população, mais importante é a ação da autoridade. Melhor seria deixar cavalgaduras em seu ambiente, no pasto.
Acompanhe o desabafo do biólogo Mario Moscatelli
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