Arrastões devastam o krill na Antártica em nome da aquicultura
Já escrevemos uma boa dezena de posts mostrando os problemas ainda não resolvidos da criação de peixes em cativeiro. Este é um problema discutido mundialmente, desde que ficou claro que a indústria da pesca tira dos oceanos mais que sua capacidade de reprodução. Esta percepção foi a mola propulsora da criação de peixes em fazendas marinhas. A grande maioria destas fazendas, seja no hemisfério norte, seja no sul, cria o salmão. Ocorre que o peixe é carnívoro e, para produzir um quilo de carne de salmão, usa-se mais de um quilo de outras espécies de peixes que se tornam farinha de peixe para alimentar as criações. Em outras palavras, a conta não fecha, é insustentável. Mesmo assim a atividade cresce ao ponto de ameaçar um pequeno crustáceo que vive na Antártica e é a base da cadeia alimentar. Os famigerados arrastões devastam o krill na Antártica.

A produção da aquicultura no mundo
A FAO revela que em 2022 e pela primeira vez na história, a aquicultura superou a pesca de captura como o principal produtor de animais aquáticos. A produção aquícola global atingiu 130,9 milhões de toneladas, das quais 94,4 milhões de toneladas de animais aquáticos, ou 51% da produção total desses animais.

Já a pesca do krill (Euphasia superba), espécie de pequeno camarão da Antártica, segundo o Discovering Antartica começou na década de 1970. Havia preocupação na época de que a pesca do krill afetasse negativamente todo o ecossistema marinho antártico, porque o krill é uma importante fonte de alimento para muitas espécies de baleias, focas, aves e peixes. O krill é usado basicamente para ração animal, ração para a aquicultura, e isca para pesca. As capturas de Krill atingiram o pico de mais de 500.000 toneladas em 1981/2. Depois que a frota soviética parou de operar no início dos anos 90, a captura caiu drasticamente. Contudo, agora ela está aumentando novamente, atingindo recordes que preocupam os cientistas.
Acontece que o krill é mais que a base da cadeia alimentar na Antártica. O pequeno camarão é um dos maiores sumidouros de carbono da Terra. Um estudo feito em 2019 mostra que a biomassa de krill é capaz de remover até 12 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera anualmente.
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De acordo com matéria da Oceanographic Magazine, a pesca de krill cresceu ao longo dos últimos 15 anos impulsionada por investimentos – feitos principalmente pelo maior player do setor, a Aker (uma empresa multinacional com sede na Noruega que opera principalmente dentro de petróleo e gás, mas tem mãos na criação de salmão e na pesca de krill através de sua subsidiária, Aker Qrill) – o negócio da pesca de krill aumentou.

Hoje, há 14 navios autorizados a pescar o krill no Oceano Austral operando sob as bandeiras do Chile, China, Coreia do Sul, Noruega e Ucrânia. Mas a frota continua a crescer: a China lançou seu mais recente navio no início deste ano, enquanto o Aker Qrill da Noruega – que responde por quase 70% das capturas de krill no Oceano Antártico – anunciou o lançamento de um novo arrasto em 2026.
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Vamos recordar que a Noruega já foi pega de calças curtas outras vezes. Por exemplo, o país é um dos poucos que ainda caça baleias. Mas você sabe qual o destino da carne do animal? Ração para cães, acredite se quiser.
Arrastões devastam o krill em 2025
Eles pescam sobretudo nas águas da Península Antártica. Segundo revelou o Oceanographic Magazine, em 2025 não demorou muito para que as frotas chegassem a uma captura recorde de 620.000 toneladas – um número sem precedentes – em apenas alguns meses. Alarmado com a magnitude dos números dentro de uma escala de tempo tão pequena, o fechamento preventivo da pescaria foi desencadeado em 1o de agosto.
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Farelo de krill é usado na aquicultura e alimentos para pets
O maior mercado para o farelo de krill são as criações de salmão, seguido pela indústria de alimentos para animais de estimação. Em agosto deste ano, pesquisadores associados à Aker Qrill publicaram um estudo na revista científica Aquaculture, no qual apresentaram os “benefícios dos produtos de krill” e seu impacto positivo no crescimento, saúde e qualidade dos filés de peixes cultivados, numa tentativa clara de aumentar o mercado de krill.
As capturas de krill na Antártida têm crescido constantemente nos últimos anos, passando de 106.000 toneladas em 2006 para 518.000 toneladas em 2025. Este ano, pela primeira vez, as capturas atingiram o limite legal de 620.000 toneladas (limite estabelecido pela Convenção para a Proteção dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos ou CCAMLR – um órgão internacional composto por 26 países e pela União Europeia, com a missão de proteger os ecossistemas marinhos e regulamentar as atividades humanas no Oceano Antártico) na metade do ano.
Entretanto, parece que correr mais este risco em nome da criação de peixes marinhos em cativeiro, e a indústria dos pets não convenceu os cientistas, já que quem sentirá o impacto devastador desse nível de pesca excessiva será a vida selvagem que depende dessas águas outrora ricas como fonte de alimento essencial.
Cientistas pedem moratória da pesca do krill
Na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas deste ano, em Nice, França, vários grupos e personalidades, incluindo a renomada oceanógrafa Sylvia Earle e o ator Benedict Cumberbatch, pediram uma proibição completa da pesca de krill, criticando a indústria como uma “atividade não essencial” que está impactando um dos ecossistemas mais frágeis do sistema – uma mais feita pelo agravamento da crise climática.

A pesca excessiva demonstrou, ao mesmo tempo, que as medidas tomadas pela Convenção para a Proteção dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos – CCAMLR – tomadas em 2024 para melhor distribuir a pesca na Antártica fracassaram.
Philip Trathan, pesquisador do British Antarctic Survey diz que o impacto dessa pesca excessiva já se nota sobre algumas populações de baleias. “Há sinais claros de que as taxas de gravidez entre as baleias jubarte estão diminuindo”, diz ele. “E isso pode sugerir que o krill está se tornando limitado para essa espécie.”
Para Trathan, e muitos outros pesquisadores, “as capturas devem permanecer baixas até que a ciência esteja pronta” para compreender melhor o impacto da captura de krill nas populações de baleias e pinguins.
“Se você olhar para onde o krill vai, é para coisas que realmente não precisamos”, diz Alistair Allan. “Não é fornecer uma base essencial para a segurança alimentar global; não é alimentar o mundo. Foi colocado em alimentos para animais de estimação, é colocado na aquicultura de salmão para alimentar peixes de criação, e vai para supostos suplementos de saúde.









