Viagem da Kika, ilha dos Estados até Itajaí, relato nº 15
A temporada nos mares do sul terminou tristemente e o imponderável se impôs. Nossos amigos Sophie Bely e Arnaud Dhallenne foram levados por uma grande onda navegando entre as ilhas Geórgia do Sul e as Falklands/Malvinas. Experientes navegantes, dedicaram suas vidas a percorrer os oceanos. Viagem da Kika, ilha dos Estados até Itajaí, relato nº 15.
De Ushuaia para Itajaí
Partimos de Ushuaia em meados de março a fim de fazer a manutenção do Antarctic em Itajaí, Santa Catarina. Nossa tripulação era Anne-Flore, Lenno e Frans (pai de Lenno). Pedimos autorização na Prefectura Naval para aportar nas Falklands/Malvinas pois a Argentina reivindica a soberania do arquipélago.
Fizemos uma escala na Ilha dos Estados, no extremo leste da Terra do Fogo. Separada da Península Mitre pelo Estreito de Le Maire, a ilha foi avistada por Jacob Le Maire e Willem Schouten em 1615, quando tentavam encontrar uma ligação para navegar entre o Oceano Atlântico e o Pacífico. Pensavam que a ilha era parte da Terra Australis Incognita, um continente imaginário com origem na Grécia antiga que aparecia nos mapas europeus entre os séculos XV e XVIII.
Jules Verne e a novela Le phare du bout du monde
Caminhar pela ilha dos Estados é difícil, as áreas planas são encharcadas devido à humidade, os arbustos espinhosos e as montanhas escarpadas. O relevo acidentado é a última manifestação da Cordilheira dos Andes antes de afundar no mar.
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Viagem da Kika, ilha dos Estados até Itajaí: rumo a Porto Stanley
Seguimos viagem rumo a Port Stanley, capital das Falklands/Malvinas, uma navegação de 300 milhas aproximadamente. Eu havia visitado Stanley com meus pais quando criança, minha lembrança era de um vilarejo muito inglês distante do resto do mundo com o vento mais forte que eu já havia experimentado. O pastor protestante na época nos levou passear em sua Defender para observar pinguins e pássaros através de um terreno sem estrada.
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Quarenta anos depois a cidade cresceu, enriqueceu, se modernizou e continua bem inglesa. Depois da guerra contra a Argentina em 1982 a Grã-Bretanha investiu em infraestrutura e delimitou uma zona marítima para a pesca, que passou a ser a principal atividade econômica. Ao nos aproximar nos surpreendemos com a intensa luz emitida pelos barcos pesqueiros de lula, parecem cidades.
O arquipélago das Falklands/Malvinas
O arquipélago não tem árvores, apenas uma vegetação resistente ao vento composta por arbustos. Existem cinco espécies diferentes de pinguins e algumas das mais extensas colônias de albatroz do planeta. Várias espécies de aves terrestres e peixes são endêmicos. As ilhas são frequentadas por mamíferos marinhos como elefante-marinho, lobo-marinho-sul-americano e diversos tipos de baleias.
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Viagem da Kika, ilha dos Estados até Itajaí: Jérôme Poncet
Partimos para visitar Jérôme Poncet em Beaver, onde se instalou com sua família na década de 80. Respeitável navegador e explorador, com fama de durão e difícil, pessoalmente me inspirou grande simpatia. Além disso, cozinha divinamente.
Sua biografia é admirável, junto com Gérard Janichon realizaram uma volta ao mundo de 50.000 milhas no início dos anos 70 a bordo do Damien, o livro que resultou desta viagem se tornou uma referência. Com Sally invernaram na Península Antártica em 1978 a bordo do Damien II, onde caminharam em torno de 500 km sobre o gelo para explorar a remota Baía Marguerite.
Rumo a Itajaí
Zarpamos rumo a Itajaí para uma travessia de 1.600 milhas. Tivemos vento intenso direção leste e nos aproximamos da costa argentina na Península Valdés. A partir de Quequen, já na Provincia de Buenos Aires, seguimos navegando rente ao litoral avistando balneários e driblando barcos pesqueiros que se aproximavam curiosos. Atravessamos o Rio de la Plata e seguimos próximos da costa do Uruguai até o Brasil.
Porto de Rio Grande
Ancoramos para dormir do lado de fora do porto de Rio Grande e seguimos velejando até Laguna, onde decidimos nos abrigar para esperar passar o vento contra. O amável Comodoro do Yate Clube nos convidou para atracar no píer flutuante e usufruir da infraestrutura do clube.
Dentro da baía de Laguna os pescadores com suas canoas trabalham em parceria com os botos que cercam os peixes em sintonia com as marés. Infelizmente a Marinha nos obrigou a fazer a entrada oficial no Brasil lá mesmo e tivemos que alugar um carro para ir até Florianópolis a fim de obter os selos da Polícia e Receita Federal.
Em Itajaí tiramos o barco da água na Marina Itajaí, onde nos encontramos com outros veleiros vindos da Península Antártica para fazer manutenção depois da temporada.
Conheça o relato anterior da viagem da Kika na Península Antártica