Um estudo sobre a flora da Ilha de Alcatrazes
Segundo a Fapesp, que financia a pesquisa, ‘ambientes insulares são laboratórios naturais para compreender como os fatores ecológicos afetam o estabelecimento das espécies. O isolamento, os limites bem definidos e a área conhecida permitem que as ilhas configurem o ambiente ideal para compreensão de que forma processos como: os filtros ambientais, competição, dispersão e a especiação modulam a estrutura, composição e a diversidade de espécies das comunidades’. Quem estuda as plantas da Ilha de Alcatrazes é Gabriel Pavan Sabino que estudou biologia na UNESP, e que agora faz doutorado na UNICAMP. Pavan, cujo trabalho chama-se ‘Flora Exilada: Padrões de Diversidade em Comunidades de Plantas Insulares’, estuda tópicos da Ecologia e Taxonomia vegeta, já descreveu uma bromélia endêmica.
A nova espécie, Tillandsia alcatrazensis, foi descrita em artigo científico e encontrada na ilha principal do arquipélago. Como se sabe, Alcatrazes ficou fechada ao público por mais de 20 anos pela Marinha do Brasil que treinava pontaria de canhões. Agora, depois que Alcatrazes tornou-se unidade de conservação, os estudos começaram.
Projeto começou em 2022
O projeto que conta com apoio do ICMBio, responsável por cuidar das unidades de conservação federais como é o caso de Alcatrazes, começou em 2022. De lá para cá, Gabriel Pavan Sabino já fez 14 expedições, sempre em meses alternados. Isso é importante para conhecer a fenologia, a floração das diferentes plantas. A cada vez Sabino fica cerca de cinco dias acampado em Alcatrazes.
Perguntei por que exatamente Alcatrazes e não outra ilha qualquer. ‘Isto começou porque meu orientador, Fábio Pinheiro, estudava uma espécie de orquídea que ocorre na restinga desde o norte de Ubatuba até Pelotas, no Rio Grande do Sul, e ela também ocorre em Alcatrazes’.
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Pavan disse que coletou todas as espécies de plantas vasculares da ilha. A ideia é fazer comparações com a vegetação de outras ilhas, assim como as ‘ilhas do continente’, ou seja, plantas que ficam isoladas em terra, por isso, diz ele, ‘há uma grande diferença genética entre as populações de mesma espécie do continente’.
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Assim, acabamos por descobrir duas espécies novas, duas bromélias, uma já descrita, e a outra está em revisão. ‘Esta segunda recebeu o nome de Tillandsia uiraretama, que é como os Tupinambás chamavam Alcatrazes, segundo relatos de viajantes desde o século 16’.
Restaurações ambientais frente às mudanças climáticas.
Pavan disse que antes do projeto começar ele assistia os programas da série Mar Sem Fim, e citou um deles, quando levei o biólogo Fausto Pires de Campos que falou muito sobre a importância da conservação.
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Município de Ubatuba acusado pelo MP-SP por omissãoVerticalização em Ilha Comprida sofre revés do MP-SPBaía da Traição, PB, nova vítima da erosão costeiraPara Pavan, ‘em nenhum lugar da costa a gente consegue encontrar estes paredões lotados de bromélias, é uma beleza cênica que não se vê em outro lugar. E, mesmo assistindo o Mar Sem Fim, a beleza da flora local me surpreendeu’.
Pavan e sua equipe fazem um estudo estrutural da floresta, além da vegetação rupícola (aquela que vive sobre as rochas), ‘a gente também resgata informações florestais na ilha. Certamente a ilha é um ambiente que está exposto a ventos muito fortes. Conhecê-las é muito bom para fazermos restaurações ambientais frente às mudanças climáticas. A comunidade arbórea da ilha pode sugerir uma boa estrutura para restaurações ambientais. É comum encontrarmos árvores caídas, mas ainda assim elas permanecem vivas. Isso demonstra milhares de anos de seleção tanto das espécies, como da resiliência delas’.
A Mata Atlântica das ilhas e a do continente
Pavan explicou que, como esperado, a biodiversidade da mata atlântica em ilhas é bem menor que a terrestre. ‘Nós separamos um hectare de vegetação da ilha e contamos 39 espécies, enquanto no continente, facilmente encontramos 200 ou 300 espécies’.
Isso demonstra que estas 39 espécies conseguiram prosperar num ambiente tão hostil. ‘Quando a ilha ainda era parte do continente, antes da última glaciação, havia muito mais espécies, mas elas foram se eliminando ao longo dos anos até sobrar estas remanescentes’.
‘Mas apesar do número de espécies da ilha ser bem menor que no continente, nós observamos que a diversidade filogenética (história evolutiva de uma espécie ou de um grupo de espécies) é tão grande ou até maior que no continente. Das 39 espécies, encontramos 29 famílias, aproximadamente 70% das famílias só têm uma espécie o que mostra que a diversidade de linhagens é bem grande’.
As espécies invasivas na ilha de Alcatrazes
Infelizmente, como acontece em todas as ilhas, há muitas espécies exóticas, ou invasivas. No caso de Alcatrazes a que mais preocupa Pavan é o capim gordura, ‘porque nestes ambientes de vegetação aberta o capim gordura se dá muito bem, e ele pode competir de forma desigual com as nativas’.
Pavan comentou que desde a década de 1910 muitas espécies foram levadas para a ilha principal em razão de um faroleiro que morava lá com a família; ainda há ruínas da antiga casa. ‘Assim, até hoje encontramos por lá roças de banana, de mandioca, cana-de-açúcar, etc’.
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‘Muito mais tarde, na década de 90, pescadores desciam na ilha principal para coletar guano que era utilizado como fertilizante. Por causa disso, ou seja, desta longa interferência humana, houve uma explosão populacional de uma trepadeira justamente no local do maior ninhal de fragatas. A trepadeira Seguieria americana que, apesar de nativa, causa tantos problemas como uma espécie exótica. Elas alteram tanto a copa das árvores, usadas pelas fragatas, que elas estão se mudando para o sul’.
Surpresa: o lixo encontrado
Gabriel Pavan lembra do incêndio ocorrido pelos tiros da Marinha do Brasil em 2004, na face nordeste da Ilha, ou no Saco do Funil para quem a conhece, quando 20 hectares pegaram fogo. ‘Até hoje esta face está muito degradada, há samambaias típicas de ambientes que pegaram fogo, é outra planta nativa mas, favorecida pelo incêndio, ela causa esta super dominância, além do capim gordura’.
Além disso, diz ele, ‘há uma parte do Saco do Funil que é um lixão’, ele atribui ao pessoal da Marinha. ‘Há entulho, restos de encanamentos, latas de cerveja, etc. É tanto lixo que eu sugeri um mutirão para retirarmos estes dejetos’.
O Mar Sem Fim vai continuar acompanhando e mostrando ao público as novas descobertas.
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