Toninhas em Angra dos Reis, boa nova reforça Unidade de Conservação ameaçada
“A toninha pertence a uma linhagem muito antiga, surgida bem antes da maioria dos golfinhos. Ao contrário das outras espécies que pertencem a esta antiga linhagem que ocorrem em rios, a toninha usa as águas costeiras marinhas. O parente evolutivo mais próximo das toninhas é o boto-cor-de-rosa, que vive nos rios da Amazônia.” Toninhas em Angra dos Reis reforçam Unidade de Conservação ameaçada.
“Acredita-se que todas as espécies pertencentes a esta linhagem antiga ocupavam os ambientes marinho-costeiros e, com o surgimento dos golfinhos modernos, tenham gradualmente modificado seu hábito de vida, ocupando os sistemas fluviais. A toninha vive em nossos mares há cerca de um milhão de anos. Hoje está à beira da extinção e pode ser condenada pela mão do homem, assim como ocorreu recentemente com o Baiji, ou boto-chinês, que habitava a Bacia Hidrográfica Yang Tze, na China.” A explicação da espécie é do Projeto Toninhas.”
Toninhas, cada vez mais raras
São várias as ameaças, entre elas a poluição, a degradação de habitats, e a pesca incidental especialmente com redes de emalhe, mas não apenas. O problema na costa brasileira é que muitos pescadores usam este tipo de rede. E elas não são seletivas. Matam o que chegar perto, inclusive as toninhas.
“Todos sabem há décadas que as redes de emalhe da pesca “artesanal” usadas em menos de 20 metros de profundidade é o que mais mata as toninhas. Mas NINGUÉM quer lutar firmemente pra acabar com essa pesca, criar alternativas, para não melindrar pescadores artesanais nem comprar briga”, foi o que nos disse um ambientalista por dentro do tema.
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O que se sabe é que elas vivem entre a costa argentina, e uruguaia e, em direção ao norte, seguem até a altura do Espírito Santo. Na Argentina elas são conhecidas como golfinho franciscano, ou do rio da Prata.
Já no Brasil o nome mais popular é toninha, às vezes também são chamadas de ‘golfinho fantasma’, dada a dificuldade de encontrar os animais. Por isso é uma ótima notícia descobrir que elas habitam também a…
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A boa nova: Baía de Angra dos Reis e as toninhas
Matéria de Giovana Girardi publicada em O Estado de S. Paulo em 5 de dezembro causou furor. Foi replicada em vários jornais e TVs em horário nobre. E isso é muito bom! Ambos estão ameaçados. Tanto as toninhas, como a Baía de Angra dos Reis. Os animais, como já dissemos, pela degradação ambiental do bioma marinho, e a pesca incidental.
Angra dos Reis porque a baía tem uma unidade de conservação de proteção integral, a Estação Ecológica dos Tamoios que ocupa apenas 5% da área (9.361,27 hectares) que é de 193 km2.
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O fiscal que cumpriu seu dever foi exonerado depois da posse. E um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, entrou com um Projeto de Lei que pretende suprimir a unidade de conservação.
Como se sabe, elas são criadas via Projetos de Lei. E só podem ser suprimidas pelo Congresso. Até hoje o PL de Flávio Bolsonaro está parado na Câmara. Mas é sempre motivo de preocupação.
A bordo de uma lancha na baía de Angra dos Reis
Entre biólogos e jornalistas, estava a bordo Giovana Girardi, que conta: “Naquele dia 24 de novembro, pela primeira vez para a ciência, um grupo de pesquisadores avistava de modo consistente – com registros fotográficos e observação por mais de uma hora – uma população de toninhas na região de Paraty.”
Isto é extremamente raro. Os pesquisadores brasileiros só tinham registro de um grupo de toninhas vivendo numa baía no litoral de Santa Catarina, na baía da Babitonga. Segundo Giovana Girardi, ‘não havia comprovação de que habitavam também as águas de Paraty. Estima-se 20 mil toninhas no País’.
“Mesmo pesquisadores especializados na espécie (Pontoporia blainvillei) no Brasil relatam ter passado anos estudando o bicho só com corpos encontrados em praias antes de conseguirem ver um vivo nadando – na maior parte das vezes em sobrevoos.”
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Os corpos encontrados na praia geralmente são o resultado da pesca incidental pelas redes de emalhe. Os pescadores artesanais ao verem o bicho morto por sufocamento, já que enrolados em redes não podem vir à tona para respirarem, os jogam ao mar depois que as redes são puxadas.
Lá atrás, em 2014, este site denunciou a morte de toninhas por redes de pescadores artesanais no Espírito Santo. Mas o assunto não ganhou as manchetes como agora. Existe um certo tabu entre ‘pesquisadores’ e certos ‘ambientalistas’ em denunciar a morte incidental resultante das artes de pesca, especialmente se for em razão da pesca artesanal.
O grupo de Toninhas em Angra dos Reis
Giovana Girardi: “O encontro, resultado de longa investigação e uma pitada de sorte, ocorreu em uma área marcada por polêmicas. A baía onde as toninhas foram avistadas tem uma pequena parte da sua área protegida pela Estação Ecológica (Esec) de Tamoios, que o presidente Jair Bolsonaro tem planos de extinguir para criar o que ele chama de “Cancún brasileira”, referência à cidade mexicana que é um dos principais polos turísticos do Caribe.”
“Ali ao lado de onde avistávamos toninhas ficam as usinas de Angra 1 e 2. As ilhas, ilhotas, lajes, rochedo que ocorrem na Baía de Ilha Grande, assim como o entorno marinho, no raio de um quilômetro, são protegidos.”
“Esses golfinhos começaram a chamar a atenção de pesquisadores no sul do Rio no início dos anos 2000. Na época, já se tinha ideia de que o animal se distribuía do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo, mas o conhecimento vinha de um modo dramático. Pesquisadores encontravam os bichos mortos na praia, mas só em ocasiões muito específicas conseguiam vê-los na natureza.”
“Naquela época, sabia-se que havia uma população bem estabelecida em Ubatuba, na divisa de São Paulo e Rio, e se imaginou que os bichos que apareciam em Paraty vinham de lá. Com o início de um projeto de monitoramento de praias entre SC e RJ, como compensação da Petrobrás pela exploração na Bacia de Santos, mais relatos de animais encalhados foram surgindo, especialmente no período de primavera e verão.”
Tecnologia ajuda pesquisadores a encontrar as toninhas
Giovana Girardi comenta o uso da tecnologia para descobrir as toninhas.”…dessa vez a equipe já estava com o hidrofone – um microfone sensível que se coloca na água – a bordo e o colocou no mar, conseguindo captar a vocalização das toninhas. O som não é audível para humanos, mas posteriormente em análise no computador é possível visualizar a frequência.”
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“O trabalho retomou no fim de novembro, quando os pesquisadores foram acompanhados pela reportagem. Era o primeiro dia… Não demos só sorte. A aposta do grupo foi certeira. As toninhas foram finalmente fotografadas e acompanhadas por mais de uma hora, no que os pesquisadores chamam de avistagem comportamental, inédita até então.”
O oceanógrafo José Lailson Brito Junior, coordenador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e responsável pelas pesquisas, que fazem parte do Projeto Conservação das Toninhas comentou: “Com essas avistagens, a gente passa a ver a toninha de outra forma.”
“Elas estão lá o tempo todo. Realmente usam a região e isso é um achado sensacional. O que vimos antes não eram animais que só estavam de passagem, que se dispersaram do grupo de Ubatuba ou que entraram na baía em busca de comida. Isso abre um campo para a gente acreditar que elas podem estar em outros locais. Precisamos de um olhar refinado para entender a real distribuição.”
As toninhas de Ubatuba
Esta é outra parte de nosso litoral onde os pesquisadores já sabem que as toninhas frequentam. Segundo Giovana Girardi, “nas águas claras e calmas de Ubatuba, a equipe do biólogo Daniel Danilewicz, coordenador do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), tem conseguido observar as toninhas como nunca antes pela ciência com o uso de drones e com sobrevoo de helicópteros e aviões.”
“O pesquisador foi pioneiro no desenvolvimento de uma linha de pesquisa pelo ar (mais uma vez graças à tecnologia) para romper a barreira da dificuldade de avistar as toninhas a partir de embarcações. O método, que em geral é o mais usado para cetáceos, não serve, em geral, para toninhas.”
‘O desafio gigante’ mitigar as perdas dos apetrechos de pesca
Primeiro, é preciso reconhecer que o problema existe e acontece também na costa brasileira, o que nem sempre acontece. Mas na matéria de Giovana Girardi ele é reconhecido.
Daniel Danilewicz colocou o dedo na ferida: “O pescador não quer matar o animal, ele não usa a toninha para nada, não come, não faz isca. E em teoria ele também está usando redes legais para pegar o peixe que toda a sociedade come.”
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“Está trabalhando, fazendo uma atividade legal na maioria das vezes, e cai um animal que ele não quer pegar. Mas é um mamífero que vai se extinguir, que não tem rapidez de reprodução. Como trabalhar isso é um desafio gigante.”
A jornalista explica as dificuldades: “A saída mais simples, mas também com mais custos sociais, é proibir a pesca com rede em algumas regiões onde as populações são muito pequenas. Outra é tentar desenvolver alguma tecnologia com as redes para afugentar as toninhas, mas não os peixes.”
Girardi destaca outra declaração de Daniel Danilewicz: “Mas onde for mais urgente, onde tem muito pouca toninha, talvez seja necessário não ter pesca. Porque o problema não é só a toninha. Ela é a bandeira, mas é também problema da tartaruga, do boto-cinza, da arraia, é do tubarão, e de muitas espécies de peixes. Se a toninha estiver saudável, todo esse ambiente também vai estar. Até para a pesca vai ser melhor”
Pesca: sustentável ou insustentável?
Este é outro tema tabu entre ‘pesquisadores’ e ‘ambientalistas’ (as aspas significam nem todos, uma parte). E mais uma vez o pesquisador foi certeiro:
“Do jeito que está sendo feita hoje no Sul e no Sudeste do Brasil, a pesca não é sustentável. A quantidade de peixes está diminuindo e os pescadores estão usando redes cada vez maiores para pegar a mesma quantidade ou menos do que pegava há cinco, dez anos. O ideal seria diminuir tudo aos poucos, para ter um ganho a médio e longo prazo.”
O Mar Sem Fim não se cansa de dizer que a pesca no Brasil e no mundo é uma esculhambação. Aqui, sequer temos estatísticas de pesca. Somos um dos três únicos países, ao lado de Mianmar e Indonésia, a não contar com elas e já faz muito tempo, antes ainda da atual gestão ambiental. Como gerenciar a pesca sem elas?
É impossível. O primeiro passo, na direção em que propõe com razão Daniel Danilewicz, é retomarmos as estatísticas.
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O segundo, seria começarem os estudos para a proibição da pesca em certos locais, via a criação de novas unidades de conservação de proteção integral, hoje parte ínfima das UCs do bioma marinho, menos de 5%.
E o terceiro, estudar e propor alternativas às destrutivas redes de emalhe, redes de arrasto, e tantas outras formas predatórias de pesca.
Imagem de abertura: GEMARS
Fonte: https://www.estadao.com.br/infograficos/brasil,golfinho-ameacado-e-descoberto-em-paraty,1139423.