Reserva Extrativista Cassurubá, Bahia, e a andada do Uçá
Reserva Extrativista Cassurubá: entenda
Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
CARACTERÍSTICAS:
BIOMA: Marinho Costeiro
Municípios: Caravelas, Alcobaça e Nova Viçosa, sul da Bahia.
ÁREA: 100.767,56 hectares
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 05 de junho de 2009
Tipo: uso sustentável
Plano de Manejo: não há.
Reserva Extrativista Cassurubá
De Abrolhos navegamos para Caravelas, distante 30 milhas, onde há um porto que pode abrigar um barco do porte do Mar Sem Fim . Ele foi construído para escoar toras de eucalipto pela Aracruz Celulose, posteriormente vendida para a Fibria, do Grupo Votorantim.
Aproveito para denunciar, mais uma vez (já o fiz diversas vezes, desde a primeira série da Cultura) o corte da Mata Atlântica do litoral da Bahia. Ela vem paulatinamente perdendo espaço para o eucalipto. Um total absurdo!
- A Fibria leva as toras de Caravelas (e Belmonte), o para o Espírito Santo em enormes barcaças. Por causa disto o canal tem que ser constantemente dragado, o que gera reclamação do povo da Resex.
Enquanto o Mar Sem Fim ficou fundeado defronte ao molhe, conhecemos mais esta Resex acompanhados, ora pelo chefe Marcelo Lopes, ora por Anders Schmidt, do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste – CEPENE / ICMBio, que trabalha na Resex.
Falta pessoal na Reserva Extrativista Cassurubá
No primeiro dia embarcamos na lancha da UC. Sim! Esta Unidade de Conservação tem uma lancha de tamanho médio com motor de popa, uma canoa de alumínio, e uma baiteira. Além de uma perua 4×4.
Quanto ao pessoal, a Reserva Extrativista Cassurubá segue na pobreza normal do ICMBio: apenas dois analistas ambientais. Saímos com Marcelo, e o piloto Lixinha que é analista da Resex.
O chefe da UC, historiador por formação, acaba de assumir esta Unidade de Conservação. É a primeira vez que dirige uma UC marinha. Se lhe falta experiência na área, pelo menos ele diz que “adora ir a campo”, o que já é um ótimo começo.
Como expliquei em textos anteriores, parte dos chefes das UCs federais marinhas já visitadas passam mais tempo em seus gabinetes refrigerados do que observando ou fiscalizando o que acontece nas respectivas Unidades.
Reunião do Conselho da Reserva Extrativista Cassurubá
Marcelo estava preocupado com a reunião do Conselho que aconteceria dali a poucos dias. Queria conhecer as comunidades que ficam dentro da UC, e fazer os convites para a reunião pessoalmente.
Subimos o rio Caravelas até Perobas, a primeira comunidade visitada. Infelizmente não havia ninguém na hora de nossa chegada.
Barra Velha, comunidade com 45 famílias
Depois navegamos para Barra Velha, uma beleza de lugar. Barra Velha é uma estreita faixa de terra cercada, de um lado pelo mar, do outro por canais cobertos de mangue. Ela é outra das comunidades, com 45 famílias, que ficam no interior da resex.
Conversamos no bar do pescador com um dos líderes locais, Lasmar Vieira da Silva. Sua família mora por ali há cinco gerações. Enquanto ele se lamentava, outros pescadores se aproximaram e nos cercaram para ouvir o bate-papo.
As reclamações de sempre
Lasmar afirma que barcos de pesca de Nova Viçosa não respeitam a faixa de mar de 500 metros praia afora, liberada para a pesca apenas aos membros da Resex. Quando são pegos com a mão na massa alegam que não sabiam que estavam dentro da faixa proibida. Eles não teriam como medir a distância certa. A desculpa irrita profundamente o povo de Barra Velha.
‘O pessoal de Nova Viçosa é gente perigosa’
O pescador estava preocupado. Segundo ele o pessoal de Nova Viçosa é “gente perigosa”. “Andam armados, muitos são fugitivos da justiça”, e completou: “15 dias atrás mataram o tio dele”, apontando com o dedo para um pescador ao nosso lado. “É verdade” confirmou o amigo, “e meu tio era paralítico”. Lixinha intervém e propõe cercar a área com boias, mas nem assim os pescadores se acalmam.
Lasmar conta que as redes da comunidade tinham malha de 30 centímetros. Mais tarde, por sugestão da UC, passaram a usar as de 35 centímetros, uma malha maior (para evitar trazer peixes e crustáceos muito pequenos, ainda fora do período de reprodução). Mas os pescadores das cidades do entorno, diz revoltado, continuam usando as menores. E mostrou o resultado:
Consequência da dragagem da barra
Outra reclamação, comum a todos os habitantes de Barra Velha, é o acúmulo de lama na área da praia. Consequência da constante dragagem do canal de entrada.
Marcelo explica: o Ibama exigiu como compensação que a empresa pagasse os custos do projeto de educação ambiental. Além de comprar e instalar a única fábrica de gelo de Caravelas.
Ainda assim não convence os pescadores. Para eles a empresa deveria ser obrigada a jogar a lama em qualquer outro local, desde que em terra e não no mar como vem acontecendo.
Seguindo para Nova Viçosa
Nos despedimos e seguimos para Nova Viçosa. O trajeto é maravilhoso. Ao mangue misturam-se partes da Mata Atlântica. Uma formação diferente da que estamos acostumados a ver no sudeste, onde canais como estes têm em suas margens apenas a vegetação de manguezal. E ainda cruzamos com grupos de botos-cinza.
Pesquisa sobre hábitos do caranguejo Uçá
No dia seguinte conhecemos a pesquisa conduzida por sete instituições brasileiras, integrantes da Rede de Monitoramento de Andadas Reprodutivas de Caranguejos – REMAR, coordenada por Anders Schmidt (UFSB) e Karen Diele (Edinburgh Napier University).
Segundo Anders, o IBAMA adota o defeso na época da “andada”, quando os crustáceos saem da toca para reproduzir. E não se sabe exatamente quando acontece o fenômeno. Sabe-se que é logo após a lua cheia ou nova. Mas nem sempre ocorre após ambos os períodos. O motivo desta alternância entre luas é o que o grupo de pesquisadores se propôs a descobrir. Com este conhecimento será possível prever datas certas para defesos do caranguejo-uçá. E contribuir para o uso sustentável deste importante recurso pesqueiro.
Monitoramento do uçá deve durar até 2019
O monitoramento, que deve durar até 2019, envolve amostragens simultâneas em manguezais de norte a sul do Brasil. Enquanto isto, em torno da lua cheia e da lua nova, Anders e seu companheiro Zezinho (José de Jesus – Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste – CEPENE / ICMBio), saem para o manguezal de Caravelas.
Com uma linha de cem metros Zezinho se embrenha entre os intrincados galhos e raízes até que estique. Feito isto, ele conta quantos caranguejos consegue enxergar. Depois mede a temperatura ambiente, e da água.
Nosso cinegrafista, João Nunes, sofreu um bocado nesta etapa…
João teve que ser ajudado por Anders para escalar o paredão de lama…
O manguezal de Caravelas é muito rico. Suas raízes aéreas estão lotadas de ostras. Nunca vi nesta quantidade.
Veja que espetáculo a formação do manguezal.
Questionando as Resex
Perguntei a Anders como ele avalia as Resex, tão combatidas pela corrente ambiental mais “xiita” (sem demérito para eles). Vivo me questionando sobre elas.
Segundo a visão de alguns ambientalistas, se a área merece ser uma Unidade de Conservação por sua riqueza e biodiversidade, ninguém teria o direito de explora-la.
“Se existe extração, que seja feita com um mínimo de impacto”
Inteligente e culto, Anders “não acredita no mito do bom selvagem”, como respondeu. “Mas se existe extração, que seja feita com um mínimo de impacto”, defende.
De meu lado continuo resistente às resex. Mas ainda falta conhecer outras para que eu possa tomar uma decisão e apoiar um lado ou outro. Na próxima etapa de gravação na Bahia temos mais duas pra visitar: Corumbau e Canavieiras.
Enquanto participávamos da medição registrei os nativos catando os siris. O sol estava de rachar.
No mesmo momento o pobre cinegrafista era refeição para mosquitos de todos os tipos…
Comunidade de Macacos, na Reserva Extrativista Cassurubá
Também visitamos a comunidade de Macacos, antigo quilombo, dentro da área da resex.
A pobreza é grande na comunidade.
“Não pego nada, acabou o peixe”
Para encerrar, visitamos o sítio Fábrica, onde mora o pescador, seu Eliseu. Muito simpático e falante, ele contou que tem oito “panos de rede” (como se referem às redes de pesca), mas nem se dá ao trabalho de arma-las. “Não pego nada, acabou o peixe”, diz resignado.
Será excesso de exploração? Será que é por isso que a comunidade ambientalista mais pura, mais “xiita” considera que não se deve explorar áreas transformadas em Unidades de Conservação? Desconfio que sim…
No sítio Fábrica flagrei “a maior canoa baiana do extremo sul da Bahia”, como diz orgulhoso. Notem o tamanho da bicha, feita em um único tronco. A Mata Atlântica do passado recente tinha estas árvores aos montes.
SERVIÇOS
As Resex são abertas ao público. Este tipo de Unidade de Conservação é de “uso sustentável (será mesmo? Tenho minhas dúvidas), e pode ser visitada por quem quer que seja.
Para isto basta seguir até Caravelas, pacata cidadezinha no sul da Bahia, com estrada asfaltada a partir de Porto Seguro ao norte, ou Teixeira de Freitas ao sul, e escolher alguma pousada. Há pelo menos meia dúzia à disposição do cliente.
Alugar um barco de pescador para visitar o mangue, e as comunidades, não é caro, e ainda gera renda aos pescadores que não têm mais o que pescar…
Mais informações: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR7 – Porto Seguro
TELEFONE: (73) 3297-2258 / 3297-2260/VOIP (61) 3103-9877
Assista ao documentário que produzimos durante a visita à Resex Cassurubá
Ótima reportagem. Só faltou falar sobre o dano ambiental que a dragagem da barra de Caravelas e do canal das balsas causam à região. Como o descarte do material de dragagem é feito sem critério a lama acaba atingindo toda a região.
Sobre a Resex, a ideia foi ótima mas existem alguns poréns na execução:
1 – Na sua criação não foi destinada verba para indenização aos proprietários rurais da região e até hoje existem muitas fazendas na região. Se querem fazer a coisa que o façam seguindo a lei para não haver problemas no futuro;
2 – Não existe um programa de capacitação para os moradores da região que garanta que eles dependam cada vez menos do extrativismo;
3 – Enquanto não pagarem a indenização aos produtores rurais da região (e existem vários com as terras legalizadas na ilha e que pagam impostos sobre esta terra) não será possível a extinção da criação de animais de grande porte na área da resex, e como é sabido, tanto a agricultura quanto a pecuária causam impactos negativos sobre o meio ambiente.
Alguns vão se perguntar como eu sei disso. Todo ano, durante as minhas férias eu passo pelo menos duas semanas em Nova Viçosa para pescar e por isto ando e navego bastante pela região e acabei fazendo algumas amizades dentro da ilha.
Outro ponto. O nome da reserva é Cassurubá mas a maior ilha da reserva se chama, ou pelo menos se chamava, ilha da Cassumba.