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Privatização de Boipeba, BA, por influentes milionários

Privatização de Boipeba, BA, por influentes milionários

A ilha de Boipeba, Bahia, ainda é o que se pode chamar de paraíso. A dificuldade para chegar poupou esta beleza do predatório turismo de massa. Boipeba é separada da ilha de Tinharé por um ‘fiozinho’ d’água, o rio do Inferno, afluente do Cairu. Na extremidade norte de Tinharé fica Morro de São Paulo, desfigurada pelo turismo desordenado. Na extremidade sul, a baía de Camamu, outra lindeza ameaçada pela ocupação humana. Em Boipeba ainda podem ser vistas vilas de extrativistas, quilombolas, e pescadores com seus lindos barcos tradicionais; praias espetaculares na face voltada para o mar onde desovavam tartarugas, e  pousadas que convivem em harmonia com a paisagem. Já, do lado voltado para o continente, um estuário cercado por manguezal. Cobrindo Boipeba, uma porção de Mata Atlântica e restingas. Contudo, a ameaça chegou na forma de um imenso resort que ocupará 20% da área, a Fazenda  Ponta dos Castelhanos.

Aspectos de Cairu, onde fica Boipeva.
Aspectos idílicos do município de de Cairu onde fica Boipeba. Se não agirmos este patrimônio será de 5 ricaços.  Acervo MSF.

Fazenda  Ponta dos Castelhanos, de José Roberto Marinho, Armínio Fraga, Arthur Baer Bahia, Marcelo Pradez Faria Stallone e Antonio Carlos de Freitas Valle

Antes de mais nada, cada vez que vejo a integridade da costa brasileira sendo barbarizada fico deprimido. Nossa capacidade de destruição da beleza cênica, juntamente com a biodiversidade, é inigualável. Por que não dar prosseguimento a uma ocupação não predatória e que, da mesma forma, promove o turismo via pousadas, ou seja, o turismo de baixa intensidade?

O que existe neste País contra o turismo de baixo impacto numa área extremamente sensível como ilhas? Vivemos uma era sombria, a da superpopulação mundial e suas naturais consequências, como o aquecimento global e a perda acelerada de biodiversidade, que nos colocam em risco.

A importância das ilhas mundo afora

Ao mesmo tempo em que estes fenômenos nos ameaçam, cresce no mundo a importância das ilhas e dos povos originários. Por quê as ilhas? Vejamos alguns dados: Segundo o site Island Conservation, existem 465.000 ilhas no mundo. Juntas, elas cobrem 5,3% da área do planeta. Contudo, elas representam a maior concentração de biodiversidade e, ao mesmo tempo, extinções de espécies. Em outras palavras, ‘apenas 5,3% do planeta concentram a maior biodiversidade.’

Os barcos tracionais do Brasil foram tombados pelo IPHAN como patrimônio cultural. Aqui, alguns deles derivados dos saveiros, em Boipeba. Acervo MSF.

Enquanto aumenta a percepção mundial da importâncias das ilhas, os pesquisadores se debruçam sobre elas. Assim, um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences  informa que ‘elas sustentam plantas, animais e sociedades humanas únicas.’

No caso de Boipeba, litoral sul da Bahia, como plantas leia-se restingas e belíssima porção de mata atlântica, além das mangabas (fruto da mangabeira usada para sucos e sorvetes). Como sociedades humanas únicas, as populações extrativistas, quilombolas, e pescadores artesanais que por séculos ocupam a costa brasileira sem contudo destruí-la.

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Em primeiro lugar, espanta e constrange saber que o megaprojeto de Boipeba é de propriedade de pessoas que tiveram a oportunidade de estudar, são riquíssimas, desse modo, capazes de se informar, de discernir o que é certo do errado, e assim por diante.

O projeto que ameaça Boipeba

O megaprojeto que privatiza um quinto da ilha ‘prevê, por parte da Mangaba Cultivo de Coco em sociedade com a FILADELFIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS E PARTICIPACOES LTDA, a construção na Praia dos Castelhanos – ainda intocada – de 69 lotes para residência fixa ou veraneio, condomínio com 32 casas, três pousadas, aeroporto, um pier para 153 embarcações, campo de golf de 18 buracos, além de parques de lazer, estradas e infraestrutura de água e telefonia’, como informou o Estadão ainda em 2014.

Uma das praias intocadas de Boipeba. Acervo MSF.

Em outras palavras, um espaço de lazer para os ricos e muito ricos, como informa o jornal. São eles que jogam golf, e não têm paciência para se deslocarem em barcos. Os empresários querem construir estradas na ilha!! Quer absurdo maior? Pois existe.

Ninguém sabe como, mas o projeto de José Roberto Marinho, Armínio Fraga, Arthur Baer Bahia, Marcelo Pradez Faria Stallone, e Antônio Carlos de Freitas Valle, todos podres de ricos, foi aprovado pelo Inema, apesar dos protestos dos cerca de 6 mil moradores de Boipeba. Só para se ter uma ideia, Armínio foi ex-presidente do Banco Central. Enquanto isso, seu sócio, Tom Freitas Valle, foi um dos proprietários do Banco Matrix, já José Roberto Marinho é acionista do maior grupo de comunicações do País.

INEMA aprovou extirpar mata atlântica

Em 2016, a revista Isto É Dinheiro publicou matéria informando que ‘Só em 1995, o banco lucrou R$ 43,3 milhões de reais, uma impressionante rentabilidade de 44% do patrimônio líquido.’

Sim, o INEMA aprovou extirpar mata atlântica, restingas e mangues, para plantar grama para os bacanas jogarem golf! Da mesma forma, é inaceitável que a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) tenha fundamentado a decisão do INEMA que permite desmatamento de mata atlântica em terras da União para que uma minúscula parcela afortunada da sociedade possa ter momentos de lazer.

E tudo isto acontece numa Área de Preservação Ambiental, a APA das ilhas Tinharé e Boipeba, ou seja uma unidade de conservação, envolvendo a extirpação de Mata Atlântica, mangues, e restingas, consideradas Áreas de Preservação Permanente. Só mesmo sendo muito, mas muuuito rico, para passar por cima da legislação impunemente.

Deputado Hilton Coelho (PSOL) questiona o megaempreendimento

Segundo o portal da prefeitura, em 10 de março, 2023 ‘O deputado Hilton Coelho (PSOL) apresentou na Assembleia Legislativa da Bahia, Projeto de Decreto Legislativo que susta a Portaria nº 28.063 do Inema, que autoriza supressão de vegetação nativa, licença de instalação e autorização para manejo de fauna, válidos pelo prazo de cinco anos, à Mangaba Cultivo de Coco Ltda. para implantação de empreendimento turístico-imobiliário Ponta dos Castelhanos.’

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A pacata Boipeba resistirá? Acervo MSF.

Coelho foi certeiro. Entrevistado, disse que “tem o dever de se posicionar em defesa dos interesses maiores da população e impedir este atentado… A portaria do Inema permite a supressão vegetal… de empreendimento de luxo sobre terras da União em território pertencente a pescadores e quilombolas nativos. Estes, por sua vez, aguardam a conclusão da regularização fundiária por meio da Superintendência do Patrimônio da União (SPU). Um absurdo se privilegiar o grande Capital…”

Os brinquedos dos ricos inconsequentes em Terras Públicas

Ainda segundo o portal da prefeitura, além de 69 lotes para residências fixas, haverá ‘duas pousadas com 3.500 m² cada, mais de 82 casas, parque de lazer, píer e infraestrutura náutica, aeródromo e área de implantação de um campo de golfe de 3.700.000 m².’

‘O loteamento que vem, desde 2011, tentando usurpar Terra Pública, impactará a existência de manguezais, restingas, apicuns, mata nativa e terrenos de Marinha, todos protegidos pela legislação federal, por sua importância para a sobrevivência e reprodução de inúmeras espécies de peixes e crustáceos”.’

Segundo o deputado Hilton Coelho (PSOL), ‘O registro deste empreendimento sobre propriedade da União apresenta cadastro de Registro Imobiliário Patrimonial irregular, pois realizado sem a anuência obrigatória da SPU e demais procedimentos legais.’

Este site está habituado a denunciar projetos insustentáveis que destoem a paisagem, a biodiversidade, e criam conflitos sociais, acima de tudo. Mas, este, dos senhores Marinho, Fraga & amigos, ultrapassa todos eles, aproximando-se de um escândalo. O que justifica dar de presente a milionários terras Públicas para que eles construam mais um projeto para os muito ricos? Para este site, a única explicação é o deboche, ou seja, um escárnio com os moradores e a opinião pública.

Praia da Barra, Boipeba, Acervo MSF.

Quem é favorável ao projeto além de seus donos?

Por outros lado, quem é favorável ao projeto além de seus donos? O prefeito de Cairu, e muitos dos vereadores. O prefeito, pela nova arrecadação de IPTU que conseguirá; os vereadores, porque o projeto dará emprego a 150 pessoas!

Incautos. Normalmente, este tipo de resort emprega pessoas na construção civil. Ponto final. Para receber os hospedes grã-finos, um nativo não serve, poucos aprenderão a comportar-se à altura, nenhum deles saberá fazer um Dry martini. Ou seja, depois de erguidos os prédios, vão para a rua. Assim tem sido em quase todos os resorts da costa Nordeste.

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Enquanto isso acontece, tudo o que os nativos podem fazer é um abaixo-assinado nas redes sociais que você pode assinar neste link. Até o momento, cerca de 70 mil pessoas já assinaram, inclusive este site. Convenhamos, é muito pouco para o poder financeiro de milionários tão notórios e influentes.

Qual a compensação ambiental dos multimilionários José Roberto Marinho, Armínio Fraga, Arthur Baer Bahia, Marcelo Pradez Faria Stallone e Antonio Carlos de Freitas Valle?

A compensação é a ‘enorme soma’ de R$ R$183.375,00, e à “Implementação de Programa de Educação Ambiental e Elaboração de Projeto Socioambiental” conforme informa o site averdade.org.br. 

Deboche é pouco, escárnio, tampouco descreve o ‘presente de graça’. Este é o Brasil onde uns são melhores que outros, apesar da Constituição insitir no contrário!

Atenção MPF – BA, ou vocês brecam esta aberração, ou perderão a moral

Restam apenas duas coisas. Que você, cidadão, compartilhe este post em suas redes sociais, ou use trechos dele, de modo a envergonhar os inconsequentes; ou, então, a ação do Ministério Público da Bahia que, por acaso, já se manifestou.

Segundo o texto do abaixo-assinado, ‘Em 2019, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou nas recomendações 01 e 02/2019 do processo 1.14.001.000322/2014-10, que “não existe fundamento legal para o Inema realizar o licenciamento ambiental de um empreendimento sem a concordância do proprietário do imóvel em que será instalado, especialmente em se tratando de imóvel da União, insuscetível de usucapião ou desapropriação”.’

Ainda segundo o MPF, ‘o empreendimento irá descaracterizar o modo de vida das comunidades tradicionais, privando-lhes o acesso aos locais que utilizam por gerações para a pesca e o extrativismo.’

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Já o o presidente da associação de moradores Raimundo Esmeraldino, declarou ao site O Eco: “Nunca plantaram um pé de coco (referindo-se à empresa de Armínio e Marinho, Mangaba Cultivo de Coco), nem de mangaba, nada. Pelo contrário, querem tirar os pés da mangaba que são parte de nossa renda e alimentação”.

Se não existe fundamento legal, que seja parado imediatamente! Não é possível que este paraíso seja entregue de graça para milionários o ‘travestirem’ numa Trancoso qualquer, onde a especulação imobiliária transformou a antiga vila de pescadores em caricaturas de bairros chics de paulistas e cariocas.

O outro lado

Assim que este post ficou pronto, em 14 de março, entramos em contato com Armínio Fraga para que ele pudesse dar a sua versão. Fraga nos passou para Marcelo Stalonne, e este, para uma assessoria de imprensa que enviou a nota abaixo:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A empresa Mangaba Cultivo de Coco vem esclarecer os principais pontos do projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos, localizada na Ilha de Boipeba, município de Cairu, Bahia.

Ao contrário do que vem sendo divulgado, o projeto prevê construções em menos de 2% da área total e supressão vegetal em apenas 0,17% (com sua devida compensação determinada pela Lei 11.428 de 2006) de 1.651 hectares adquiridos pelo grupo em 2009, o que garante a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba.

A autorização e licença de instalação concedidas pelo Inema, através da Portaria 28.063 de 07 de março de 2023, preveem a implementação de um condomínio residencial rural com 69 lotes, sendo dois deles destinados para a comunidade de Cova da Onça para construção de um centro de cultura e capacitação, campo de futebol, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos. Preveem também a construção de duas pousadas com 25 quartos cada, ao contrário de um resort de luxo como foi noticiado, de um atracadouro flutuante para pequenas e médias embarcações e a recuperação da pista de pouso já existente, tudo isso cumprindo rigorosamente 59 condicionantes socioambientais. Ressalte-se que o projeto autorizado pelo Inema não prevê a construção de campo de golfe.

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Plano gestão de resíduos sólidos

Entre as condicionantes, estão o plano gestão de resíduos sólidos, gestão urbana e melhorias no saneamento básico da comunidade de São Sebastião (Cova da Onça), capacitação da mão de obra local, manutenção dos caminhos tradicionais para o Rio Catu, para os portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador e livre acesso para as atividades extrativistas, respeitando o limite do manguezal.

O projeto foi submetido à manifestação de diversos órgãos, como o próprio Inema, o IPHAN, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Cultural Palmares (FCP), por exemplo.

Plano de Manejo APA Tinharé-Boipeba

Desde 2008, a Fazenda Ponta dos Castelhanos, que tem como sócio gestor Marcelo Pradez de Faria Stallone, vem cumprindo à risca diversos compromissos, entre os quais o Plano de Manejo APA Tinharé-Boipeba.

Além disso, sob orientação do Projeto Tamar, a Mangaba tem se responsabilizado pelo serviço de monitoramento e proteção dos ninhos de tartarugas marinhas, já que a Praia dos Castelhanos constitui uma área de desova. O serviço consiste em patrulhar diariamente a praia, promovendo sua limpeza e, nos períodos de desova, identificar, sinalizar e proteger os ninhos e registrar informações.

Importante destacar que, como demonstração do apoio da comunidade local ao projeto, em 2019, os habitantes de São Sebastião (Cova da Onça) encaminharam a autoridades municipais, estaduais e federais abaixo-assinado a favor da iniciativa, refletindo o entendimento daqueles que habitam, trabalham e estudam no território, já que se trata de uma importante e bem-vinda alternativa social, ambiental e econômica para o desenvolvimento sustentável da região.

Por fim, com o intuito de fortalecer ainda mais a relação com a comunidade local e outros atores envolvidos no processo, e garantir a transparência de todas as etapas, a Mangaba Cultivo de Coco vai instituir um comitê de relacionamento comunitário. A ideia é sensibilizar e mobilizar a participação, com vistas à compreensão popular das principais propostas do projeto. Além disso, será enfatizada a construção coletiva de um processo de escuta com o trade turístico, órgãos públicos municipais e outros agentes envolvidos.

As dúvidas do Mar Sem Fim

Antes de mais nada, sempre respeitamos e admiramos o espírito público do economista Armínio Fraga. Por outro lado, quando dirigíamos a Rádio Eldorado conhecemos José Roberto Marinho. Discreto, dedicado à antiga CBN cujo nome à época esqueço, e humilde. E pesquisamos sobre os outros.

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Um, é ex-banqueiro; outro, Arthur Fraga Baer Bahia, é economista e sobrinho de Armínio que, recentemente, ocupou as manchetes econômicas depois que cerca de 500 milhões de reais de seu patrimônio viraram pó. O derradeiro, é empresário.

Em comum entre eles, a riqueza exceto o sobrinho de Armínio que ficou ‘pobre’.  De qualquer forma, todos são privilegiados, puderam estudar, progredir na escala social, etc. Sabem, portanto, distinguir o certo do errado, o público, do privado, e assim por diante.

Primeira dúvida

A primeira pergunta é por quê dar a estas pessoas de graça, nenhuma delas com carreira no turismo, um quinto de uma ilha, ou seja, terras públicas? Se fossem empresários dedicados ao turismo, com milhares de empregos gerados, e trajetória irrepreensível no setor, poderia entender. Não é o caso.

O Campo de Golf

Segundo, apesar de dizerem na Nota de Esclarecimento que não haverá campo de golf, a Folha de S. Paulo (15/3), confirma, sim, haveria um campo de golf.

No questionário que enviei à Armínio Fraga, repassado até chegar à assessoria de imprensa, eu questionava o ridículo  valor da compensação ambiental: R$183.375,00. Até eu poderia pagar esta merreca. Pergunta que não quer calar: 20% de uma ilha paradisíaca, vale menos que 200 mil reais? Não acredito, muito menos, aceito.

Mas, sobre isso, a Nota de Esclarecimento falhou. Passou, digamos, ao largo.  Não tenho dúvidas que o serviço de coleta de lixo e saneamento será bem feito. As elites de Pindorama  não suportam o cheiro fétido da pobreza que, entretanto, faz parte do cotidiano de 100 milhões de brasileiros.

Estudo de Impacto Ambiental – EIA do Empreendimento Turístico e o campo de Golf

Terceira questão, o Estudo de Impacto Ambiental – EIA do Empreendimento Turístico confirma que a área do projeto ‘faz parte da APA ilha de Tinharé e Boipeba. Em seguida, diz o documento, “O empreendimento terá baixa ocupação e privacidade, harmonizando-se com a paisagem e o patrimônio natural insular, além de promover uma inserção regional positiva, gerando emprego e renda na comunidade de São Sebastião.’

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Harmonizando-se com a paisagem? Gerando 150 empregos numa ilha com seis mil moradores? Em seguida, o documento cita o que os empresários pretendem uma ‘área para implantação de duas pousadas com 3.500 m² e mais 25 casas assistidas e operadas por cada unidade hoteleira, totalizando 50 casas’; píer e infraestrutura náutica; aeródromo; e, preste atenção, ‘área com espaço para implantação de campo de golfe.’

Ao final da lista de desejos, reafirma o documento, “O projeto detalhado do campo de golfe será submetido em etapa posterior ao INEMA e a Prefeitura para licenciamento. Os futuros compradores submeterão os projetos das casas e das pousadas individualmente à Prefeitura de Cairu, para efeito de licenciamento.”

Êbaa, penso que assim reagiu o prefeito de Cairu, afinal, para cada irregularidade há um preço. Não afirmo que isto acontecerá em Boipeba, contudo, afirmo que assim tem sido tem todo o litoral do País. Em outras palavras, nossas podres elites pagam propinas para serem diferenciadas de outros brasileiros.

Ou não?

Mais uma vez, alguém faltou com a verdade sobre o campo de golf que, inevitavelmente, banalizará uma ilha até agora pouco ocupada. Em vez de pés de mangaba, coqueiros, restinga ou mata atlântica, grama. E grama bem lisa para não atrapalhar as jogadas dos ‘bacanas’.

O documento da INEMA se trai

Desde 2005 escrevo sobre o açodamento dos Estados nordestinos em facilitar seja de que forma for até mesmo desrespeitando as leis de uso e ocupação do solo, desde que tragam recursos aos Estados. Quem acompanha o Mar Sem Fim sabe disso. Pois não é que o documento do INEMA confirma?

Página três, terceiro parágrafo sob o sob título “Justificativas”.

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“A escolha recaiu sobre o litoral da Bahia, tanto por questões geográficas, pois é o centro do litoral brasileiro, como por questões estratégicas comerciais, uma vez que, atualmente, Salvador já é a segunda porta de entrada de turistas no País. Além disso, os locais anteriormente inspecionados não dispunham nem das qualidades ambientais e nem de critérios legais norteadores do processo de ocupação proporcionados pela figura da Área de Proteção Ambiental.”

Dizer que que Estados como o Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Rio Grande Norte e Ceará não têm unidades de conservação como APAS não condiz com a verdade, pra não dizer outra inverdade.

Contudo, o documento insiste na fantasia: “Com tais objetivos (encontrar APAS), ocorreu um longo período de prospecção com visitas aos mais diferentes locais, iniciando-se em Paraty, no Rio de Janeiro, passando pelo litoral capixaba, sergipano e potiguar até Jericoacoara, no Ceará.”

Jeri,  é um parque nacional marinho apesar de esculhambado, desde 2002. Sem falar nas inúmeras UCs do Rio, Espírito Santo, Sergipe e Rio Grande do Norte.

A escolha de Boipeba segundo o INEMA

O quarto parágrafo da página três é, contudo, um dos mais estranhos: “Um terceiro motivo para a opção por esta alternativa, enfatize-se, é o fato da fazenda encontrar-se no interior de uma Área de Proteção Ambiental, que é vizinha a outras, o que oferece maiores garantias de permanência do equilíbrio dos sistemas ambientais no local…” Em seguida, o documento enumera as vantagens da área escolhida, ‘passeios náuticos em praias virgens’, e enfatiza que ‘proibirá o ‘o uso de jet ski’.

Pobre Bolsonaro, se ele for pra esta Cacún que tanto queria não poderá mostrar seus dotes de piloto. Por fim, e ainda na mesma página, diz o documento, …”um quinto fato de favorecimento é a proximidade da localização do povoado de São Sebastião, com cerca de 700 habitantes, cercado pelas terras da fazenda, o que será uma condição facilitadora quando da contratação de empregados fixos e temporários, além de oferecer aos proprietários e demais usuários do Empreendimento a convivência com a rica cultura local.”

Note o cercados pelas terras da fazenda. Por isso mesmo, estes desvalidos protestaram.

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Discriminados em suas terras ancestrais

Saiba, leitor, que os cercados pelas terras da fazenda são alguns dos que reclamam do empreendimento porque serão, cedo ou tarde, discriminados em suas terras ancestrais.

Desculpem, senhores empresários, mas em mais de 20 anos percorrendo o litoral nunca antes vi tanta fantasia, favorecimento a quem nunca atuou no ramo turístico mas apenas em oportunidades de ganhos financeiros. Nada tenho contra ganhos financeiros, mas tudo contra a banalização da costa brasileira, sistematicamente maltratada e banalizada pelos mais ricos.

Basta ver fotos de Ilhabela, Ubatuba, Angra dos Reis, e diversas praias ‘paradisíacas’ do Nordeste. Todas destruídas por mansões em topos e encostas de morros, as estúpidas ‘casas pé na areia, condomínios que banalizam uma paisagem secular, etc.

Minha intransigente posição permanece: turismo ordenado e de baixo impacto sim, traz vantagens à todos, especialmente aos nativos esquecidos pelas políticas públicas. Destruição da paisagem centenária, e consequente biodiversidade, não.

Mesmo que os siderados pilotos de Jet Sky sejam barrados. Um campo de futebol de ‘presente aos nativos’ não modifica, nem sensibiliza, minha opinião.

Atualizado em 16/3/2023, às 13horas

Acabo de receber um texto do INEMA sobre o projeto. Segue abaixo na íntegra:

O INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recurso Hídricos esclarece que o empreendimento Fazenda Ponta dos Castelhanos, situado na Ilha de Boipeba, nas imediações do Povoado de São Sebastião (Cova da Onça), foi licenciado dentro da mais perfeita lisura e transparência nos procedimentos de licenciamentos ambiental adotados pelo instituto, com base na lei, seguindo o código florestal e atendendo a Lei da Mata Atlântica, os marcos legais e as resoluções federais e estaduais. Ao longo de 10 anos de tramitação, foram feitas diversas notificações, no sentido de adequar o projeto e seguir rigorosamente o que determina a lei.

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O projeto também foi discutido em dezenas de reuniões com a comunidade e com ampla participação popular. O processo de licenciamento passou pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) sem ressalvas ou considerações do colegiado, que possui participação da sociedade civil, inclusive de organizações não governamentais com atuação ambiental.

‘Supressão de vegetação de 2,92 hactares, o que corresponde a 0,17% da área total da propriedade’

O empreendimento tem uma área com extensão de 1.651 hectares para implantação do condomínio na área de abrangência da APA das Ilhas de Tinharé e Boipeba, sendo que o projeto terá uma supressão de vegetação autorizada em uma área de 2,92 hactares, o que corresponde a 0,17% da área total da propriedade. Vale ressaltar que o empreendimento possui escrituras registradas em cartório e manifestação favorável do Iphan, formalizada no processo de licenciamento.

Importante considerar, ainda, que a supressão vegetal autorizada é de cerca de 2% do total da área, excluindo Áreas de Preservação Permanente – APP e Reserva Legal (RL), sendo um dos empreendimentos de menor taxa de ocupação de todo litoral brasileiro.

‘Cuidados necessários’

Foram adotados todos os cuidados necessários, na exigência de criteriosos estudos e relatórios de impactos ambientais – EIA/RIMA que seguiram todos os ritos técnicos e legais, obedecendo a todas as resoluções quanto a realização das audiências públicas e de diversas reuniões com as comunidades locais, quando foram determinadas uma série de compensações, tais como: garantia de livre acesso ao fluxo das pessoas, inclusive nos locais de cultura extrativista, atracadouros e espaços de lazer, manutenção dos caminhos e rotas utilizados pelas comunidades tradicionais.

E mais, instalação de sistemas e estação de tratamento de resíduos sólidos e esgotamento sanitário; construção de uma série de equipamentos comunitários, como um novo atracadouro na comunidade de Cova da Onça; instalação de um centro de cultura e capacitação de uso público na área do empreendimento; estabelecimento de obrigações de ações sócio-comunitárias nas comunidades do entorno, inclusive com utilização de mão de obra local na implantação e manutenção; respeito absoluto às áreas de preservação de manguezais e corais, garantindo a ocupação controlada e preservação total das riquezas naturais da região.
O INEMA permanece vigilante e reafirma o compromisso com a preservação dos recursos naturais do nosso território.

Comentário final do Mar Sem Fim

Ante esta manifestação, consideramos que o projeto merece o benefício da dúvida apesar da afirmação do deputado Hilton Coelho (PSOL), “O registro deste empreendimento sobre propriedade da União apresenta cadastro de Registro Imobiliário Patrimonial irregular.”

Não foi a única autoridade a se pronunciar, conforme acima registrado. Para o MPF “não existe fundamento legal para o Inema realizar o licenciamento ambiental de um empreendimento sem a concordância do proprietário do imóvel em que será instalado, especialmente em se tratando de imóvel da União, insuscetível de usucapião ou desapropriação.”

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Campo de Golf: sim, ou não?

Finalmente, gerou confusão o ‘diz-que-não-diz’ sobre o campo de golf. Os empresários afirmam em nota que não haverá. O processo do INEMA (clique no link para ver) afirma o contrário: “O projeto detalhado do campo de golfe será submetido em etapa posterior ao INEMA e a Prefeitura para licenciamento. Os futuros compradores submeterão os projetos das casas e das pousadas individualmente à Prefeitura de Cairu, para efeito de licenciamento.”

A questão do Golf, e o valor da área, de apenas R$183.375,00, ainda carecem de explicações mais robustas.

Contudo, a nota do INEMA é clara quanto à área a ser desmatada. Em razão destes argumentos, este site considera que os empreendedores merecem o benefício da dúvida. Não retiramos uma vírgula sequer do texto original para que os leitores possam entender nossos motivos de protesto, e a palavra de cada lado: dos empreendedores e do INEMA.

Como o post já foi publicado na net, e no Portal do Estadão, não temos mais como retirá-lo. Em razão disto, mantivemos o texto original com as devidas explicações.

Tão logo seja possível, visitaremos Boipeba mais uma vez para conversarmos com as comunidades e, desse modo, esclarecer de vez o assunto.

Litoral Norte: pobres morrem de novo, e daí?

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