PEC sobre terrenos de marinha, a maior ameaça ao litoral do Brasil
Recentemente comentamos o perigo que corre o litoral de São Paulo em razão de medida do Consema que liberou o licenciamento ambiental para todos os municípios paulistas. Ocorre que o maior interesse dos gestores municipais é o aumento de renda através, entre outros, do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano. Convenhamos, isto nem sempre combina com a preservação ambiental. Sem falar da erosão acirrada em razão do aumento do nível do mar e eventos extremos. Agora, todo o litoral corre o mesmo risco depois que a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda à Constituição, de Arnaldo Jordy (Cidadania), que aprovou o repasse a Estados e municípios dos terrenos de marinha hoje em poder da União.
Zona costeira brasileira corre sério perigo
Muitas vezes, os prefeitos têm suas campanhas patrocinadas pela indústria da construção civil, ou do turismo. Além disso, muitos dos atuais alcaides do litoral são proprietários de empresas de construção.
Muito bem, uma vez eleitos, eles ‘pagam conta’ abrindo as porteiras. Em outras palavras, facilitam e aceitam todos tipo de construção como à beira-mar, topos e encostas de morros, em dunas ou Área de Preservação Permanente, etc. Foi o que aconteceu em Florianópolis, com o prefeito Topázio Neto (PSD), Ou Caraguatatuba, do prefeito Aguilar Júnior (MDB), ele mesmo é proprietário de empresa de construção civil. Ou no Ceará e Bahia.
No post sobre as medidas do Consema, comentamos as reclamações de empresários sobre o excesso de burocracia, e custos altos, do Licenciamento Ambiental. A crítica procede. Contudo, onde não há excesso de burocracia no Brasil?
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Nove ex-ministros condenaram a ‘Autodeclaração’
Os ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero encabeçaram a ala dos que protestaram e alertaram para o perigo de tal medida.
Entre as entidades contrárias merecem destaque a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA). Também condenaram a Associação Nacional dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ascema Nacional); e outras.
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Em fevereiro de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à Constituição que repassa a Estados e municípios a propriedade, sem ônus, dos terrenos de marinha que hoje pertencem à União.
Terrenos de marinha, entenda
De acordo com o site jusbrasil, em artigo de Matheus Barcelos Martins, “os ‘terrenos de marinha’ são imóveis de propriedade da União – em alguns casos, a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios – medidos a partir da linha do preamar médio de 1831 até 33 metros para o continente ou para o interior das ilhas costeiras com sede de município. Além das áreas ao longo da costa, também se consideram terrenos de marinha as margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés.”
De acordo com o governo, existem cerca de 500 mil imóveis no País classificados como em terrenos de marinha. O governo federal terá dois anos para efetivar as transferências.
Permanecem em poder da União os locais não ocupados, as Unidades de Conservação – que são pouquíssimas – e concessões portuárias e de patrimônio histórico.
Agora diga, leitor, faz sentido alterar a Constituição para algo tão fútil e extremamente perigoso para o meio ambiente marinho? Vamos pensar um pouco, a quem interessa esta mudança na Lei Maior, à maioria da população, ou poucos privilegiados?
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Privatização de praias será legalizada
De acordo com o site #colabora, ‘o deputado Nilo Tatto (PT/SP), fundador e ex-coordenador do Instituto Socioambiental’, declarou que “É a privatização do litoral com direito à devastação ambiental. O fim dos terrenos de marinha favorece somente à especulação imobiliária’. E mais: “Vai premiar quem ocupou irregularmente áreas de preservação. Não podemos transferir patrimônio público para favorecer a especulação imobiliária, que está por trás dessa PEC. É uma nova ameaça a áreas de manguezais e restingas.”
(Ok, concordamos que a família Tatto não tem lá reputação suficiente para censurar o que eles mesmos fizeram, e ainda fazem em suas zonas de influência. Ou seja, na zona sul de São Paulo, onde os Tatto acumularam um patrimônio imobiliário avaliado em pelo menos R$ 25 milhões). Porém, há outros que igualmente contestaram esta ideia.
O #colabora ouviu a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR): “Essas áreas são aliadas estratégicos não apenas para a adaptação às mudanças climáticas, mas também para a redução da vulnerabilidade da zona costeira frente aos eventos externos e ao aumento do nível do mar.”
A cobrança de foros e laudêmio
O texto aprovado na Câmara, e agora no Senado, proíbe ainda a cobrança de foros e laudêmio dos ocupantes. Atualmente, quem usa terrenos de marinha paga taxas à União.
Cassinos no litoral?
De acordo com matéria da CNN, o Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) classificou de absurda a venda das áreas de marinha. “Querem construir cassinos nas praias. São ilhas, restingas, manguezais e praias que poderão ser vendidas”.
A CNN lembra que ‘os deputados também estão em vias de analisar o projeto de lei que regulariza os jogos de azar no Brasil. O texto do relator, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), prevê que a União deverá transferir o domínio pleno desses terrenos de forma gratuita para estados e municípios ou habitantes de baixa renda (vila de pescadores, por exemplo). Moreira afirmou que as duas propostas não têm nenhuma relação’.
A revista Veja, uma das exceções da grande mídia que cobriu o assunto, mostrou que ‘Durante a discussão da proposta, alguns deputados se posicionaram contra a PEC, com o argumento de que a medida vai favorecer a especulação imobiliária, retirando os mais pobres das áreas consideradas nobres e agravando o desequilíbrio ambiental’.
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Temeridade litorânea
A Folha de S. Paulo fez como a Veja, e foi feliz ao resumir no editorial Temeridade litorânea a “açodada votação” que “envolve interesses e riscos ainda não inteiramente dimensionados.”
Entre eles, destaca a Folha, “a possibilidade de que os ocupantes sem a documentação formalizada sejam beneficiados favorece a grilagem.”
E conclui: “Além disso, não se entende como será viabilizado o prazo de dois anos para o pagamento, o que pode resultar em insegurança jurídica e perdas financeiras. Também é sabido que estados e municípios são mais porosos à especulação imobiliária. É evidente, por fim, que pode haver danos na área ambiental.”
O Mar Sem Fim não tem dúvida do ônus ambiental. Mesmo com os terrenos de marinha em poder da União os danos aos ecossistemas marinhos já são mais que evidentes. A decadência do litoral é fato.
Ao abdicar, em nome dos municípios, da responsabilidade pelo Licenciamento Ambiental em São Paulo; e os terrenos de marinha serem doados aos Estados e municípios, o controle já frágil desta área sensível onde começa 90% da cadeia de vida marinha, desaparecerá.
Último movimento, audiência pública em 27 de junho
Tivemos um sopro de esperança ao sabermos que o projeto provocou polêmica no Senado. Isto é ótimo. No vídeo abaixo, você verá que pelo menos um senador é contrário, Rogério Carvalho (PT-SE). Além disso, outro alento foi ler o post do GloboNews na rede “X”.
A apresentação do post diz o seguinte: “Possibilidade de “privatização” de praias fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, frear uma PEC que prevê a transferência de terrenos da Marinha para estados e municípios, ou até mesmo para particulares. Ambientalistas criticam a proposta.”
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Vamos torcer. Uma coisa, no entanto, é certa. Se a PEC passar a fisionomia do litoral brasileiro será semelhante a de Balneário Camboriú, SC. Ou seja, um paredão de concreto desde o Chuí até São Luis do Maranhão. Por sorte, deste trecho até o Oiapoque a orla é coberta por um intrincado manguezal.
Imagem de abertura: Acervo MSF.