Código Florestal e a Zona Costeira
Os jornais, TVs, e revistas semanais, não cansam de publicar matérias sobre reservas legais, anistia para quem desmatou (que anistia se as multas nunca são cobradas?), mudanças em relação à ocupação de encostas de morros ou margens de rios. Me recuso a gastar tinta neste torneio de blá-blá-blá. Prefiro comentar o Código Florestal e a Zona Costeira.
Mais patética que esta, só a cobertura que estas empresas fizeram do vazamento de petróleo da Texaco- Chevron. É duro reconhecer, especialmente para alguém como este escriba, acionista de uma delas. Mas não houve excecões, infelizmente. Foi uma das piores gafes da imprensa brasileira nos últimos anos. Me lembrou Arnaldo Antunes em seu antológico verso, …”e todas as pessoas que falam para me consolar, parecem um bocado de bocas abrindo e fechando sem ninguém pra dublar” (Meu coração).
Apenas mais uma prova do que venho dizendo faz tempo: os mares não dão manchetes. A não ser no verão, e para as marcas de cerveja consumidas nas praias.
Minha questão é a zona costeira, também atingida pelas reformas do Código Florestal que vai à votação nesta terça- feira, dia 6/12.
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Mais uma vez chamo a atenção para os manguezais (que a grande imprensa expressamente ignora), ameaçados de perder sua proteção legal. Até agora eles eram considerados Áreas de Proteção Permanente, as APPs, pelos serviços que prestam ao meio ambiente. E sua ocupação, proibida.
Parêntesis: proibir alguma coisa, no Brasil, é risível. Depende do tipo que afronta a lei. Se for pé rapado, dá cana. Se não, nada acontece.
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É por isto que, mesmo com a legislação vigente, nossos mangues, e de resto o meio ambiente, têm sido depredados desde a promulgação da lei em 1965.
Já expliquei em outros artigos os serviços prestados pelos manguezais: proteção à linha da costa agindo como antepara às ressacas, aos ventos, e as correntes que assolam o litoral.
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Inúmeros peixes, moluscos e crustáceos dependem deles para se reproduzir. Suas raízes aéreas retém nutrientes o que os tornam um parque de engorda para a vida marinha. E elas, quando submersas pela maré, filtram e melhoram a qualidade da água. Ponto importante a favor de sua manutenção num país que não dá a mínima para o saneamento básico. O IBGE mostra: só 20% de todo o esgoto produzido pelos brasileiros recebe algum tipo de tratamento (a maior causa de poluição dos Oceanos, no mundo, é o despejo de esgoto não tratado).
Os mangues amenizam a caradura de nossos governantes que não investem em saneamento
Suas copas são habitat de aves marinhas e migratórias. E a fotossíntese de suas folhas produzem parte do oxigênio que respiramos enquanto seqüestram dióxido de carbono (gás causador do efeito estufa) da atmosfera, suavizando o aquecimento global.
Mesmo assim, por causa do lobbie dos carcinicultores, persiste a ameaça.
Anos 60 em diante: o que aconteceu aos mangues
Nos anos 60, 70, e 80, do século passado, sem as informações ambientais que temos hoje, os manguezais do sul e sudeste (no Brasil os mangues começam no Amapá e chegam até Laguna, Santa Catarina) foram estirpados pela especulação imobiliária, e grandes obras de infraestrutura.
De Laguna, SC, até Salvador, quase todas as nossas baías e estuários eram cercados por mangues. Eram. O crescimento desordenado das cidades, a especulação imobiliária, refinarias e portos deram cabo de parte significativa deles.
Babitonga, SC, portos de São Francisco e Itapoá…
Se não, vejamos: baía de Babitonga, SC, portos de São Francisco e Itapoá. Baía de Paranaguá, PR, portos de Paranaguá e Antonina. Santos, cujo estuário está morto pela poluição causada não só pelo maior porto da America do Sul, como pelo parque industrial, e a falta de ordenamento costeiro.
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O Rio não foge à regra. A baía de Angra dos Reis tem, além de porto, milhares de casas de veraneio, hotéis, condomínios, marinas e iate clubes criados pelo rolo compressor da especulação imobiliária que aterrou mangues para sustentar estas obras. Aconteceu depois que o poder público abriu as portas ao rasgar manguezais para a construção da BR 101 nos anos 70.
Ao lado da baía de Angra fica a de Sepetiba
Ao lado da baía de Angra fica a de Sepetiba, onde se instalou, sobre manguezais, o porto de Itaguaí (novos portos estão sendo construídos na área). Em Sepetida os mangues também perderam espaço para empresas como o Projeto Ingá (vide Expedições, Costa Brasileira, fotos do diário de bordo 23, Restinga da Marambaia), do ex-senador da República (PA) Domingos Godinho Barreto que não se contentou em rapar parte deles. A empresa, hoje interditada, jogou toneladas de metais pesados nos mangues e na baía, entre cádmio, chumbo e zinco.
Seguimos ao norte e entramos na Baía de Guanabara
Seguimos ao norte e entramos na Baía de Guanabara, (ex) glória nacional, razão principal de fama da beleza litorânea brasileira. Hoje uma zona morta. Sem oxigênio para que haja vida. Fétida, a baía antes cercada por pujantes manguezais abriga, anote aí, três portos, duas refinarias (Duque de Caxias, da Petrobrás, e outra privada, Grupo Peixoto de Castro), um cemitério de navios que apodrecem se desmantelando em suas águas nojentas, e 9 milhões de moradores espalhados por 16 municípios de seu entorno.
Como “cereja do bolo” há dezenas de favelas com lixões a céu aberto. Toda esta sordidez, em conjunto, despeja 15 mil litros de esgotos in natura por segundo na baía e seus manguezais. Eu disse 15 mil litros de esgoto in natura por segundo, 365 dias por ano!
Código florestal e mudanças: final dos tempos?
“Parece o final dos tempos”, assim se referiu à baía de Guanabara o pescador Ricardo Mantovani, presidente da colônia de pesca artesanal do Posto Seis, em Copacabana, quando estive lá, em Julho de 2006, gravando documentários para a TV Cultura (Expedições, Costa Brasileira, programa 62, Baía de Guanabara)
Chega. Vamos subir. O último estado do Sudeste, Espírito Santo, com 400 quilômetros de litoral tem muitas baías. A maior é a de Vitória ocupada não só pela capital, mas por dois portos: Vitória e Tubarão. A cidade, e os dois portos, tiraram suas áreas adivinhe de qual bioma? Eu é que não vou repetir outra vez.
Este é o quadro nas grandes baías da região Sul (a partir de Laguna), e do Sudeste
Nas baías medias e pequenas, como Laguna(SC), Guaratuba (PR), Trapandé (Sul de SP), Paraty (RJ), o crescimento desordenado das cidades, a proliferação de favelas, chaga nacional, o turismo predatório e a especulação imobiliária também não pouparam os mangues e fizeram dele locais de marinas, iate clubes, condomínios, hotéis, casebres e residências de veraneio.
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Chegamos ao Nordeste. O mesmo, e sinistro destino, tiveram as grandes baías: detonadas para abrigarem portos ou metrópoles. Exemplos notórios: o antigo porto de Sergipe, em Aracajú, baía de Todos os Santos ( dois portos), Suape e Recife (PE), Cabedelo (PA), porto de Natal (RN), Itaqui, baía de São Marcos (MA). O exemplo macabro se repete no Norte. Belém, e seus portos, é apenas mais um exemplo.
Criação de camarão em cativeiro e as mudanças no código florestal
Então o que restou dos manguezais da região Nordeste sofreu outro revés: a criação de camarões em cativeiro.
Nada contra esta prática, não fosse ela, no Brasil, praticada quase exclusivamente em manguezais, áreas públicas, doadas em seu e meu nome(!?), aos amigos do rei: grandes empresários, prefeitos, deputados e senadores. Chequei pessoalmente. Ao contrario da grande imprensa não dou pelota à releases: desde o Piauí, até o Sul da Bahia, são estes os proprietários de fazendas de camarão. Visitei pessoalmente, se não todas, pelo menos 90% delas. Os mesmos “cidadãos especiais” (leia-se políticos) que agora, “em nome dos pequenos agricultores”, legislam em causa própria e mutilam o Código Florestal. Só não vê a grande imprensa entorpecida pelas fontes oficiais e Prêmios Esso.
E chega por hoje. Escrevi demais, como sempre, para esta geração acostumada aos telegramas do tweter.
Pedido ao leitor
Só peço à você, raro e caro leitor que chegou até aqui: assista o programa que gravamos no projeto Mar Sem Fim para a TV Cultura sobre a carcinicultura. E faça seu próprio julgamento (Expedições, Costa Brasileira, programa 26, A Carcicicultura)
Por fim saiba que na terça, dia 6/12, além o novo texto do Código Florestal, de autoria dos relatores Luiz Henrique (PMDB- SC), e Jorge Viana (PT-AC), estarão em votação 50 emendas.
Entre elas uma, fruto de acordo entre Agripino Maia (DEM- RN), e Eunício Oliveira (PMDB- CE), pretende transformar a prática da aqüicultura em “atividade de interesse social” abrindo caminho para legalizar futuros desmatamentos em mangues onde são criados uma espécie exótica (segunda maior causa de perda de biodiversidade no planeta atrás apenas da destruição de ecossistemas), o paneus vannamei, originário do Pacífico, justamente o tipo escolhido aqui na Terrinha.
Zona Costeira e Constituição Federal
Antes que me esqueça saiba que a Zona Costeira, por sua importância ambiental, é reconhecida pela Constituição como Patrimônio Ambiental Brasileiro e, está escrito na Lei Maior, “sua ocupação deve se dar de modo autosustentável”.