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Navios oceanográficos parados no porto por falta de verba

Navios oceanográficos brasileiros parados no porto por falta de verba

Desde o início deste site há 19 anos, destacamos o que consideramos como descaso do poder público em relação ao mar e a zona costeira. Ao nosso ver,  dede a redemocratização, apenas Michel Temer deu atenção ao mar; os demais presidentes focaram na Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e, em menor escala, Cerrado e Caatinga. O bioma marinho parece inexistente ou fora da responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. Até Marina Silva se mostra ausente. Enquanto isso, infrações ambientais ocorrem abertamente no litoral devido à falta de fiscalização. Agora, um grupo de cientistas levanta outro problema:  os navios oceanográficos, ferramenta indispensável para a pesquisa e formação de novos profissionais, estão parados por falta de verbas.
navio oceanográfico Alph Crucis.
O navio oceanográfico Alph Crucis (nome da estrela que representa São Paulo na bandeira do Brasil), é a principal embarcação de pesquisa oceanográfica do País, e pertence a USP. A embarcação custou RS 23 milhões, mas está  parada no porto faz um ano.

‘Ausência de dotação orçamentária por parte do Ministério da Educação – MEC’

‘Os integrantes do Conselho Gestor Nacional dos Laboratórios de Ensino Flutuantes (leia-se navios de pesquisa), colegiado que tem por finalidade propor diretrizes gerais para uso, operação, financiamento e conservação dos Laboratórios  de Ensino Flutuantes, vêm manifestar sua preocupação com a ausência de dotação orçamentária por parte do Ministério da Educação – MEC para custeio das atividades de formação embarcada dos estudantes de cursos de graduação e programas de pós-graduação de Ciências do Mar em 2024’.

Isso significa, dizem os autores, ‘que estão colocando em sério risco a continuidade de uma política pública voltada para a qualificação de profissionais em uma das áreas de maior interesse estratégico para o País’.

Estágios são fundamentais

Assim como os estudantes de medicina precisam ter 40 horas semanais de trabalho prático nos dois últimos anos da graduação para conseguir o diploma, os estudantes de diferentes modalidades de graduação como Engenharia de Pesca e Aquicultura, Biologia Marinha, Oceanografia e Ciência e Tecnologia do Mar, Grandes Áreas de Ciências Exatas e da Terra, Biologia, Engenharias e Ciências Agrárias devem cumprir ao menos 100 horas de embarque, segundo diretrizes do MEC.  Em outras palavras, 100 horas de trabalho em algum navio de pesquisa ou em outros ‘Laboratórios de Ensino Flutuantes’ antes de finalmente se graduarem.

Contudo, ao mesmo tempo em que o MEC exige, com razão o estágio, o ministério não repassa recursos de custeio suficientes. Pior é que o desleixo acontece em plena Década dos Oceanos, um esforço mundial da ONU para que todos os países deem mais atenção ao maior ecossistema do planeta sem o qual não haveria vida.

“Prezado Reitor, não se faz Oceanografia sem embarcação!”

O entre aspas, acima, é porque se trata do título de outra carta de protesto, desta vez de Natasha Travenisk Hoff,  dirigida ao reitor da USP. Natasha é oceanógrafa, mestre e doutora em Oceanografia, na área de concentração Oceanografia Biológica, pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), com período sanduíche em Portugal, no CIIMAR (Universidade do Porto).

Ela tem razão. Oceanografia sem barcos seria o mesmo que comer arroz e feijão sem arroz.

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Segundo Natasha, o Brasil conta hoje com 14 cursos de Bacharelado em Oceanografia e Oceanologia…’Assim, ouso dizer que gerir o curso de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) não está entre os objetivos da atual gestão da Reitoria da USP… e sabe quem são os principais prejudicados pelos absurdos que vêm ocorrendo? Os alunos de graduação e pós-graduação, que chegam de diversos estados do Brasil em busca de um dos melhores cursos de Bacharelado e Pós-Graduação em Oceanografia do país’.

A palavra de Paulo Sumida, diretor do IO-USP

Sobre os navios da USP, o Alpha Crucis e outro menor, é mera coincidência que também estejam parados. O Alpha Crucis já fez importantes pesquisas no Atlântico Sul.

Contudo, ele está no porto há um ano em razão da ‘dispensa da tripulação que gerou muita confusão e o envolvimento do sindicato’, segundo explicou Sumida. O diretor do IO-USP falou que a universidade não tem como contratar marinheiros. Ele espera selecionar a empresa que cuidará desta parte, através de edital, até agosto de 2024. Em seguida, os navios voltarão ao mar.

Pesquisadores da USP já fizeram importantes descobertas. Em 2018, uma equipe do IO-USP a bordo do Alpha Crucis  mapeou os topos da Elevação do Rio Grande, quando encontraram uma jazida de metais de terras raras, indispensável para a tecnologia atual A Elevação é a maior cadeia submersa da margem continental brasileira e fica ao largo do Rio Grande do Sul. No passado, há cerca de 40 milhões de anos, era um arquipélago que acabou submerso.

A Elevação tem cerca de 480.000 km2. É uma área grande, equivale a três vezes a do estado do Rio de Janeiro.  A profundidade varia de 600 a 5.000 metros. É uma região rica em cobalto, níquel, molibdênio, nióbio, platina, titânio, telúrio e outros elementos.

A riqueza da vida marinha é outro predicado. Paulo Sumida disse, à, época à National Geographic“Você desce com o submersível totalmente apagado, aí pisca a luz e todos os organismos começam a piscar (bioluminescência). Parece que você se transporta para o espaço e está vendo as estrelas”, observa Sumida, que estuda a Elevação do Rio Grande desde 2013.

MEC liberou recursos em 2013

Na carta aberta, os cientistas dizem que ‘sensível à demanda, o MEC liberou, em 2013, recursos financeiros para a construção de quatro LEF, ficando a Universidade Federal do Rio Grande – FURG encarregada de executar o processo, em razão da sua experiência na área, com um custo final de R$ 58.651.069,27 (valor não atualizado)’. 

Dotados com os mais modernos equipamentos necessários às atividades embarcadas, dizem os cientistas, os LEF foram entregues em julho de 2017 (CM I), junho de 2018 (CM II), janeiro de 2020 (CM III) e novembro de 2020 (CM IV), respectivamente para as Universidades Federais de Rio Grande – FURG, do Maranhão – UFMA, Fluminense – UFF e de Pernambuco – UFPE. As quatro instituições são responsáveis por promover os embarques nas respectivas áreas de abrangência (Sul, Norte, Sudeste e Nordeste). A previsão de capacitação para cada ano é de 2.500 estudantes de 61 cursos de graduação e de 36 programas de pós-graduação’. 

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Os navios de pesquisa estão parados

‘O custeio dos LEF inclui, entre outros, a folha de pagamento da tripulação (terceirizada) e a compra de material de consumo (rancho, óleos lubrificantes e outros). Além da manutenção preventiva e aquisição e reposição de equipamentos’. 

Acontece que, sem os recursos que o MEC deveria repassar os embarques foram suspensos desde setembro de 2023 e assim permanecem até hoje. É isso que preocupa os pesquisadores.

‘Cabe destacar que a suspensão dos embarques não deixa de onerar as instituições que detêm a sua posse (FURG, UFMA, UFF e UFPE). Isso acontece porque é indispensável a realização de procedimentos básicos para garantir a sua guarda – para evitar danos e furtos – e preservação – para movimentar motores e equipamentos científicos -, o que requer a presença a bordo de uma tripulação mínima e fornecimento de energia elétrica e água, entre outros insumos’.

A carta esclarece que o custo de um dia de mar, com  atividades de ensino, é de cerca de R$ 25.000,00. Já a permanência atracada dos navios alcança a metade deste valor.

Pela primeira vez o orçamento de custeio está zerado

Os autores sublinham que ‘é incompreensível que justamente na vigência do mandato de um governo que sustenta que a educação é investimento e não despesa, pela primeira vez seja zerado o orçamento de custeio para esta finalidade’.  

E alertam: ‘Além dos problemas expostos, está sob risco um investimento já realizado de cerca de R$ 100 milhões (construção e custeio até 2023), em face da rápida deterioração de diversos equipamentos que estão a bordo, assim como casco e motores, por ausência de manutenção’.

Apelos ao MEC  e um chamado de atenção da sociedade

Ao mesmo tempo em que apelam ao MEC para que reveja sua posição, os autores finalizam chamando a atenção da sociedade: ‘Por esta razão, os integrantes do CGN/LEF se dirigem à comunidade acadêmica ligada à área das Ciências do Mar, assim como à sociedade brasileira, para informar sobre o comprometimento da formação dos estudantes e de manutenção dos navios de pesquisa, que decorrerão da não destinação de recursos financeiros para esta finalidade’.

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Assim como para grande parcela da população, parece que nossos gestores políticos também associam litoral e mar a espaço de lazer. Antes de mais nada, é urgente mudar esta mentalidade arcaica.

A palavra do Professor Abilio Soares Gomes, da UFF, e do Conselho Gestor Nacional dos Laboratórios de Ensino Flutuantes

Licenciado em Ciências Biológicas e Bacharel em Biologia Marinha. Mestre em Zoologia e Doutor em Oceanografia Biológica. Atualmente Abílio é Professor Titular da Universidade Federal Fluminense, atuando em pesquisas sobre Ecologia de Sedimentos Marinhos e ensino de Ecologia Marinha. O Mar Sem Fim conversou com o professor.

Soares Gomes confirmou que é a primeira vez que o MEC recusa os recursos de custeio dos quatro navios. Para ele, ‘havia grande expectativa que o governo Lula liberasse a recomposição já que foi no governo Dilma que os Laboratórios de Ensino Flutuantes foram criados’. Disse ainda que o Conselho Gestor participou de negociações junto com MEC, contudo, ‘não há perspectivas de mudança em prazo curto’.

Decepção na Década dos Oceanos

Para Abílio Soares Gomes, ‘é uma decepção muito grande que isto aconteça na Década dos Oceanos, os navios têm uma importância tremenda. Sempre votei no PT mas não posso deixar de criticar’.

O professor comentou que o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas, criado em 2023 como associação civil vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, tem um orçamento de 10 milhões por ano, mas 70% do valor é para custeio de pessoal.

O que causou estranheza, é o fato de que ‘o pedido de recomposição da verba de custeio já é antigo. Então, fomos surpreendidos pelo governo que destinou 5,5 bilhões de reais para as universidades via PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. E apenas 280 milhões para custeio, valor que deve ser dividido por pouco mais de 60 universidades. Isso significa que cada uma vai receber cerca de 4 milhões de reais, ou seja, continuamos na penúria.

‘Os quatro navios parados são um patrimônio nacional com valor de mais de 30 milhões. É preciso zelar por eles. O que está acontecendo’, diz, ‘é um desperdício de dinheiro público’.

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