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Lagoa Mundaú, cartão postal de Maceió, e nova tragédia da mineração

Lagoa Mundaú, cartão postal de Maceió, e  nova tragédia da mineração

As lagoas costeiras do Brasil são um importante ecossistema, e chamarizes do turismo onde quer que estejam localizadas. Assim acontece na Região dos Lagos, RJ, em Laguna, SC, no Lago Guaíba, RS, e na Lagoa Mundaú, cujo Estado recebeu o nome em razão da quantidade destas formações: Alagoas. Elas são a interface entre a zona costeira, águas marinhas, e as águas interiores. Variam pela forma, processos ecológicos, e a conectividade com o mar. Sua formação se deve aos movimentos de progressão e regressão do nível do mar. Em geral estão muito mal tratadas pelo poder público. Infelizmente, a legislação ambiental ‘não pegou’ no litoral. Assim, a maioria delas hoje está bastante poluída, cercadas pelas cidades que cresceram a sua volta. Ainda assim, desempenham um importante papel no rol dos ecossistemas marinhos. Agora, mais uma vez em razão da mineração, a Lagoa Mundaú, cartão postal de Maceió, está ameaçada.

Protesto contra mineração na lagoa Mundaú em 1986.
Já em 1986 populares protestavam contra a mineração na Lagoa Mundaú. Imagem, Acervo da Tribuna de Alagoas – 1986.

Problemas da mineração no Brasil

O blog PET, da Universidade Federal da Bahia, definiu bem a atividade: ‘A mineração propicia o acesso de indústrias às matérias-primas para a criação de bens de consumo que são utilizados profissional e cotidianamente, o que classifica esta atividade econômica atualmente como uma das mais importantes no Brasil e no mundo’.

O PET também foi certeiro ao comentar a contrapartida: ‘a prática mineradora pode gerar graves impactos ambientais, por vezes irreversíveis – um gerador de consequências muitas vezes de longa duração capazes de atingir não apenas indivíduos que trabalham diretamente com a atividade, mas também biomas e pessoas que residem próximas ao local explorado’.

No passado geológico as lagoas de Maceió eram calhas de rios. Com o rebaixamento do mar acabaram isoladas. Acervo MSF.

Antes de prosseguir, não nos esqueçamos de dois dos maiores acidentes ecológicos do País, ambos  provocados pela atividade: A tragédia em Brumadinho, em 2019, é o maior  acidente do mundo, entre mineradoras, em número de mortes, 270; e o desastre da barragem do Fundão, em 2015, em Mariana, matou 19 pessoas, destruiu vários distritos, e ainda matou um curso d’água, o rio Doce. Estes dois acidentes demonstram o quão certeiras foram as avaliações do PET, ou seja, impactos ambientais, por vezes irreversíveis; e consequências de longa duração.

Por quê tantos acidentes com mineradoras?

Por quê tantos acidentes com mineradoras? Mais uma vez recorremos à feliz explicação do PET: A facilidade na realização do procedimento de forma equivocada se dá por vezes pela existência de minas ilegais, mas, principalmente, pela falta de fiscalização em determinados locais, sendo possível utilizar este último como uma das justificativas para a ocorrência de tantos desastres ambientais causados por mineradoras no Brasil. De acordo com o diretor da RTA Ambiental, Vanderlei Oliveira, ex-secretário de meio ambiente de Cubatão (SP), “Não há uma fiscalização efetiva do poder público para evitar esses acidentes. A mineração é uma atividade que muda muito ao longo da vida útil do projeto e, por isso, necessita de vigilância periódica”.

Embora essencial, os impactos da mineração são mundiais. Segundo o insuspeito MIT – Massachusetts Institute of Technology – no trabalho Riscos Ambientais da Mineração, “A mineração é um processo inerentemente invasivo que pode causar danos à paisagem em uma área muito maior do que o próprio local de mineração. Os efeitos destes danos podem continuar anos após o encerramento de uma mina, incluindo a adição de gases com efeito de estufa, a morte da flora e da fauna e a erosão da terra e do habitat.”

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Legislação frouxa

O Mar Sem Fim aponta mais um motivo para os frequentes acidentes, além da falta de fiscalização: legislação frouxa. Vejamos: após os acidentes causados pela Vale, criaram-se novas regras para aprender com essas experiências trágicas. No entanto, o projeto de lei aprovado pelo Congresso não incluiu uma mudança crucial esperada na nova Política Nacional de Segurança de Barragens. Ele não exigiu que agências reguladoras analisassem previamente os planos de emergência das empresas.  Em outras palavras, os acidentes de Mariana e Brumadinho não nos ensinaram.

Lagoa (laguna) Mundaú

Para começar, a lagoa Mundaú fica no litoral onde, como dissemos, a legislação ambiental ‘não pegou’. Tudo que é proibido é feito às claras, sem praticamente qualquer fiscalização. Assim, em 10 de dezembro de 2023 a mina de sal-gema (matéria-prima para produção de PVC) Nº 18, da Braskem, na lagoa Mundaú, se rompeu apesar dos avisos dos moradores dos bairros afetados sobre tremores de terra e rachaduras em residências desde 2018.

Favelas no entorno da lagoa Mundaú em 2006. Há muitos anos as lagoas de Maceió estão poluídas, quanto mais próximo da capital, pior. Acervo MSF.

Essa tragédia, conforme previsto pelo blog PET e pelo MIT, teve uma dimensão épica: o desastre da Braskem afetou cerca de 60 mil pessoas, resultando na desocupação de 14 mil imóveis. A Braskem opera na região desde 1976, explorando 35 minas ao redor da lagoa. No entanto, desde 2018, apenas 4 dessas minas estão ativas.

Os motivos da tragédia

O engenheiro civil geotécnico Abel Galindo identificou três fatores que causaram o afundamento do solo na região afetada pela Braskem. Segundo o Outras Palavras, ele explica que o primeiro fator é o tamanho das minas de sal-gema, que estão a mil metros de profundidade. O diâmetro técnico seguro para cada mina deveria ser de 55 a 60 metros no máximo, mas muitas minas têm diâmetros de 80, 90, 100 e até 150 metros, segundo o professor de Engenharia e Geologia da Universidade Federal de Alagoas.

O segundo fator é a distância entre as minas. Deveria haver no mínimo 140 metros entre o centro de uma mina e outra, norma que também não foi seguida.

Local da mina 18 na lagoa Mundaú.

Por fim, a empresa operou por um longo período sem conhecimento sobre a resistência das rochas acima da camada de sal-gema. Existe uma camada de cerca de 200 metros de espessura acima do sal-gema, que é muito frágil. Se essa camada fosse mais resistente, cavernas maiores poderiam ser sustentadas, mas não é o caso. Estudos sobre as qualidades de resistência das rochas foram realizados apenas em 1992, segundo Abel.

Salgema Indústrias Químicas S/A

O Consultor Jurídico destaca outras falhas no episódio das minas de sal-gema da Braskem, enfatizando a responsabilidade humana claramente identificada. A atividade de mineração e extração de sal-gema na região da Lagoa Mundaú começou em 1976 pela Salgema Indústrias Químicas S/A. Em 1996, a empresa mudou o nome para Trikem, e em 2002, após fusões, passou a ser a Braskem.

De 1976 a 2019, por mais de 40 anos, a Braskem explorou 35 minas de sal-gema com autorização e suposta fiscalização de órgãos públicos, incluindo os ambientais do Estado de Alagoas, o Ibama e a Agência Nacional de Mineração. Essa exploração tornou a empresa a maior produtora de PVC da América.

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Desde 2020, a Braskem enfrentou mais de 20 autuações ambientais por diversas infrações, como danos ambientais, omissão de informações e descumprimento de licenças ambientais. A responsabilidade da empresa se estende às esferas administrativa, devido às infrações; cível, pelos danos ambientais e prejuízos materiais e morais à população; e criminal, pelos crimes ambientais cometidos.

Estudo de Impacto Ambiental (EIA) jamais apresentado pela Braskem

O Consultor Jurídico aponta que, segundo estudiosos, entre as principais falhas técnicas da Braskem estão a mineração em área sem estudo geológico detalhado sobre falhas geológicas e a ausência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que nunca foi apresentado. Outro problema grave foi o diâmetro excessivo das minas: enquanto o tamanho técnico seguro seria de 60 metros, em Maceió algumas minas alcançaram 140 metros.

No final do artigo, o Consultor Jurídico responsabiliza outras entidades além da Braskem. Afirma que a tragédia resultou não apenas dos danos e crimes ambientais da empresa, mas também da omissão dos órgãos públicos. Eles autorizaram a mineração da maneira como foi feita por mais de 40 anos e falharam na fiscalização adequada da atividade da empresa.

O criticado e mal falado (por muitos empresários) Estudo de Impacto Ambiental

Ou seja, confirma mais uma vez o que disse o blog PET sobre a falta de fiscalização além de apontar a omissão do Estado quanto ao Estudo de Impacto Ambiental. Curiosamente, o tão mal falado e criticado por muitos empresários, Estudo de Impacto Ambiental, também foi decisivo nos dois acidentes da Vale. Em fevereiro de 2019 o professor José Goldenberg, ex-ministro do Meio Ambiente apontou no artigo Licenciamento e desastres ambientais, publicado pelo Estadão:

Os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho põem na ordem do dia, com alta prioridade, o problema do licenciamento ambiental. Isso significa uma séria inversão de prioridades do governo federal…Licenciar uma barragem como a de Brumadinho, permitindo que abaixo dela fossem instalados uma pousada e um refeitório da Vale, ultrapassa as raias do absurdo na sua irresponsabilidade. E poderia ter sido evitado por uma simples medida administrativa.

Ou seja, uma hora o EIA não é entregue por uma empresa gigantesca, como a Braskem, que tem todas as condições para fazê-lo bem-feito. Outra hora o EIA é feito ‘nas coxas’ por outra empresa monumental, a Vale. E o poder público não age. Deu no que deu.

Protestos de moradores desde 1986

Muito antes dos terremotos de 2018, os moradores da região já reclamavam, como informa o Brasil De Fato: A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Regina Dulce Barbosa Lins, relembra uma manifestação da qual participou contra a expansão da extração de sal-gema ainda em 1986.

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Regina coordena o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da região metropolitana de Maceió. Ela falou ao Brasil De Fato: “Eu encontrei uma charge do jornalista Ênio Lins, de 1985, que mostrava as minas. Era a única coisa, porque naquele momento, qual era a questão? Era a poluição e a possibilidade de explosão da mina de sal-gema. Qual era a grande questão? Era a localização da mina, naquele santuário ecológico, que era a base do complexo estuarino lagunar Mundaú-Manguaba, e vizinho a uma comunidade pesqueira e de artesanato, que era o Pontal da Barra.”

Possibilidade de poluição irreversível, motivo de protestos de 1986

“Naquele momento, toda a mobilização era uma mobilização que discutia a possibilidade de poluição irreversível de todo esse complexo natural. A manifestação era isso: contra a possibilidade de expansão de um complexo industrial que já se sabia podia ser extremamente poluente.”

Por outro lado, o jornal O Globo, em matéria de Malu Gaspar (5/1/12/23) informa que ‘a Defesa Civil de Maceió tinha conhecimento de que a movimentação do solo na região do bairro do Mutange vinha aumentando desde o fim de setembro, mais de dois meses antes de tornar a informação pública no último dia 29 (de novembro)’.

‘O afundamento, que já chegou a 1,8 metro em menos de uma semana, também chegou ao conhecimento da petroquímica em novembro, mas a companhia se negou a tomar providências imediatas. Um documento sigiloso obtido pela equipe da coluna, o ofício 774 da Defesa Civil, com data de 13 de outubro, mostra que o órgão já havia constatado que uma região no entorno da mina 18, na orla da Lagoa de Mundaú, estava se mexendo muito antes da informação se tornar pública’.

Os prejuízos ambientais e sociais do “maior desastre urbano do País”,  um ‘mérito’ da Braskem

Os prejuízos sociais dessa tragédia são imensos, com 60 mil pessoas forçadas a deixar suas casas e 14 mil imóveis abandonados nos bairros Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. O fechamento de empresas e comércios locais levou ao aumento do desemprego. A área afetada compreende 20% do território de Maceió, evidenciando a dimensão épica dessa tragédia anunciada.

Já do ponto de vista ecológico, ainda não é possível dimensionar todos os problemas. Mas são muitos, e graves. Por exemplo, o sururu (Mytella charruana), molusco bivalve que é utilizado na culinária alagoana,  pode ser extinto. O sururu é um Patrimônio Imaterial de Alagoas.

Molusco e mangues da laguna Mundaú ameaçados

A Laguna Mundaú, aberta para o mar, já sofria com poluição severa e agora enfrenta ameaças adicionais à vida aquática. A bióloga Mônica Dorigo constatou, em 2019, a redução da produção de moluscos desde os anos 70. Essa situação piorou com o colapso de uma mina de sal-gema e o subsequente vazamento de salmoura, afetando a salinidade e a qualidade da água, colocando em risco a sobrevivência dos moluscos.

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Em 2022, Maria Aparecida da Silva, presidente da Fepeal, comunicou ao portal Cada Minuto que 11 mil pessoas dependem da laguna para sobrevivência. A situação é grave para os pescadores devido à escassez de espécies de peixes comuns. As áreas de afundamento no manguezal são pouco conhecidas e restritas à pesca.

Aumento de sal desestabiliza o ecossistema

Nídia Fabré, bióloga e professora na Universidade Federal de Alagoas, explicou ao G1 que o aumento de sal na Laguna Mundaú desestabiliza o ecossistema, ameaçando espécies nativas como o sururu. A biodiversidade local, que inclui peixes, caranguejos e moluscos, depende do equilíbrio entre água doce e salgada.

O desastre da mina da Braskem não afeta apenas o sururu, mas também outras espécies. Durante o verão, peixes marinhos adaptados à água salobra migram para a lagoa, onde ocorre uma dinâmica sazonal importante para espécies de valor comercial como a carapeba.

Consequências para a Braskem

O Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas multou a Braskem, empresa com 8.000 funcionários e clientes em mais de 70 países, uma das maiores do mundo, em R$ 72 milhões de reais. Além disso, a bolsa de valores B3 anunciou a exclusão da Braskem de seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Este índice monitora o desempenho de empresas comprometidas com questões ambientais, sociais e de governança corporativa.

Em 30 de novembro, a Braskem recebeu uma notificação sobre uma ação civil no valor de R$ 1 bilhão de reais por danos potenciais em Maceió. O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPF-AL) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram a ação.

A tragédia teve ampla cobertura internacional. Segundo a Bloomberg, ‘o processo da semana passada não só ameaça o balanço da Braskem, mas também pode inviabilizar os planos do problemático conglomerado industrial Novonor SA (antiga Odebrecht) de vender sua participação de 38,3% na produtora petroquímica para a Abu Dhabi National Oil Co., conhecida como Adnoc’.

Para encerrar,  um relatório da Universidade Federal de Alagoas revelou que a água da Lagoa Mundaú não sofreu alterações. Os pesquisadores coletaram amostras antes e depois do afundamento da mina 18. A composição da água nas duas fases está dentro do padrão.

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