Lagoa Mundaú, cartão postal de Maceió, e nova tragédia da mineração
As lagoas costeiras do Brasil são um importante ecossistema, e chamarizes do turismo onde quer que estejam localizadas. Assim acontece na Região dos Lagos, RJ, em Laguna, SC, no Lago Guaíba, RS, e na Lagoa Mundaú, cujo Estado recebeu o nome em razão da quantidade destas formações: Alagoas. Elas são a interface entre a zona costeira, águas marinhas, e as águas interiores. Variam pela forma, processos ecológicos, e a conectividade com o mar. Sua formação se deve aos movimentos de progressão e regressão do nível do mar. Em geral estão muito mal tratadas pelo poder público. Infelizmente, a legislação ambiental ‘não pegou’ no litoral. Assim, a maioria delas hoje está bastante poluída, cercadas pelas cidades que cresceram a sua volta. Ainda assim, desempenham um importante papel no rol dos ecossistemas marinhos. Agora, mais uma vez em razão da mineração, a Lagoa Mundaú, cartão postal de Maceió, está ameaçada.
Problemas da mineração no Brasil
O blog PET, da Universidade Federal da Bahia, definiu bem a atividade: ‘A mineração propicia o acesso de indústrias às matérias-primas para a criação de bens de consumo que são utilizados profissional e cotidianamente, o que classifica esta atividade econômica atualmente como uma das mais importantes no Brasil e no mundo’.
O PET também foi certeiro ao comentar a contrapartida: ‘a prática mineradora pode gerar graves impactos ambientais, por vezes irreversíveis – um gerador de consequências muitas vezes de longa duração capazes de atingir não apenas indivíduos que trabalham diretamente com a atividade, mas também biomas e pessoas que residem próximas ao local explorado’.
Antes de prosseguir, não nos esqueçamos de dois dos maiores acidentes ecológicos do País, ambos provocados pela atividade: A tragédia em Brumadinho, em 2019, é o maior acidente do mundo, entre mineradoras, em número de mortes, 270; e o desastre da barragem do Fundão, em 2015, em Mariana, matou 19 pessoas, destruiu vários distritos, e ainda matou um curso d’água, o rio Doce. Estes dois acidentes demonstram o quão certeiras foram as avaliações do PET, ou seja, impactos ambientais, por vezes irreversíveis; e consequências de longa duração.
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Por quê tantos acidentes com mineradoras? Mais uma vez recorremos à feliz explicação do PET: A facilidade na realização do procedimento de forma equivocada se dá por vezes pela existência de minas ilegais, mas, principalmente, pela falta de fiscalização em determinados locais, sendo possível utilizar este último como uma das justificativas para a ocorrência de tantos desastres ambientais causados por mineradoras no Brasil. De acordo com o diretor da RTA Ambiental, Vanderlei Oliveira, ex-secretário de meio ambiente de Cubatão (SP), “Não há uma fiscalização efetiva do poder público para evitar esses acidentes. A mineração é uma atividade que muda muito ao longo da vida útil do projeto e, por isso, necessita de vigilância periódica”.
Embora essencial, os impactos da mineração são mundiais. Segundo o insuspeito MIT – Massachusetts Institute of Technology – no trabalho Riscos Ambientais da Mineração, “A mineração é um processo inerentemente invasivo que pode causar danos à paisagem em uma área muito maior do que o próprio local de mineração. Os efeitos destes danos podem continuar anos após o encerramento de uma mina, incluindo a adição de gases com efeito de estufa, a morte da flora e da fauna e a erosão da terra e do habitat.”
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Legislação frouxa
Lagoa (laguna) Mundaú
Para começar, a lagoa Mundaú fica no litoral onde, como dissemos, a legislação ambiental ‘não pegou’. Tudo que é proibido é feito às claras, sem praticamente qualquer fiscalização. Assim, em 10 de dezembro de 2023 a mina de sal-gema (matéria-prima para produção de PVC) Nº 18, da Braskem, na lagoa Mundaú, se rompeu apesar dos avisos dos moradores dos bairros afetados sobre tremores de terra e rachaduras em residências desde 2018.
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Os motivos da tragédia
O segundo fator é a distância entre as minas. Deveria haver no mínimo 140 metros entre o centro de uma mina e outra, norma que também não foi seguida.
Por fim, a empresa operou por um longo período sem conhecimento sobre a resistência das rochas acima da camada de sal-gema. Existe uma camada de cerca de 200 metros de espessura acima do sal-gema, que é muito frágil. Se essa camada fosse mais resistente, cavernas maiores poderiam ser sustentadas, mas não é o caso. Estudos sobre as qualidades de resistência das rochas foram realizados apenas em 1992, segundo Abel.
Salgema Indústrias Químicas S/A
O Consultor Jurídico destaca outras falhas no episódio das minas de sal-gema da Braskem, enfatizando a responsabilidade humana claramente identificada. A atividade de mineração e extração de sal-gema na região da Lagoa Mundaú começou em 1976 pela Salgema Indústrias Químicas S/A. Em 1996, a empresa mudou o nome para Trikem, e em 2002, após fusões, passou a ser a Braskem.
De 1976 a 2019, por mais de 40 anos, a Braskem explorou 35 minas de sal-gema com autorização e suposta fiscalização de órgãos públicos, incluindo os ambientais do Estado de Alagoas, o Ibama e a Agência Nacional de Mineração. Essa exploração tornou a empresa a maior produtora de PVC da América.
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Desde 2020, a Braskem enfrentou mais de 20 autuações ambientais por diversas infrações, como danos ambientais, omissão de informações e descumprimento de licenças ambientais. A responsabilidade da empresa se estende às esferas administrativa, devido às infrações; cível, pelos danos ambientais e prejuízos materiais e morais à população; e criminal, pelos crimes ambientais cometidos.
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) jamais apresentado pela Braskem
No final do artigo, o Consultor Jurídico responsabiliza outras entidades além da Braskem. Afirma que a tragédia resultou não apenas dos danos e crimes ambientais da empresa, mas também da omissão dos órgãos públicos. Eles autorizaram a mineração da maneira como foi feita por mais de 40 anos e falharam na fiscalização adequada da atividade da empresa.
O criticado e mal falado (por muitos empresários) Estudo de Impacto Ambiental
Ou seja, confirma mais uma vez o que disse o blog PET sobre a falta de fiscalização além de apontar a omissão do Estado quanto ao Estudo de Impacto Ambiental. Curiosamente, o tão mal falado e criticado por muitos empresários, Estudo de Impacto Ambiental, também foi decisivo nos dois acidentes da Vale. Em fevereiro de 2019 o professor José Goldenberg, ex-ministro do Meio Ambiente apontou no artigo Licenciamento e desastres ambientais, publicado pelo Estadão:
Os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho põem na ordem do dia, com alta prioridade, o problema do licenciamento ambiental. Isso significa uma séria inversão de prioridades do governo federal…Licenciar uma barragem como a de Brumadinho, permitindo que abaixo dela fossem instalados uma pousada e um refeitório da Vale, ultrapassa as raias do absurdo na sua irresponsabilidade. E poderia ter sido evitado por uma simples medida administrativa.
Ou seja, uma hora o EIA não é entregue por uma empresa gigantesca, como a Braskem, que tem todas as condições para fazê-lo bem-feito. Outra hora o EIA é feito ‘nas coxas’ por outra empresa monumental, a Vale. E o poder público não age. Deu no que deu.
Protestos de moradores desde 1986
Muito antes dos terremotos de 2018, os moradores da região já reclamavam, como informa o Brasil De Fato: A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Regina Dulce Barbosa Lins, relembra uma manifestação da qual participou contra a expansão da extração de sal-gema ainda em 1986.
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Regina coordena o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da região metropolitana de Maceió. Ela falou ao Brasil De Fato: “Eu encontrei uma charge do jornalista Ênio Lins, de 1985, que mostrava as minas. Era a única coisa, porque naquele momento, qual era a questão? Era a poluição e a possibilidade de explosão da mina de sal-gema. Qual era a grande questão? Era a localização da mina, naquele santuário ecológico, que era a base do complexo estuarino lagunar Mundaú-Manguaba, e vizinho a uma comunidade pesqueira e de artesanato, que era o Pontal da Barra.”
Possibilidade de poluição irreversível, motivo de protestos de 1986
“Naquele momento, toda a mobilização era uma mobilização que discutia a possibilidade de poluição irreversível de todo esse complexo natural. A manifestação era isso: contra a possibilidade de expansão de um complexo industrial que já se sabia podia ser extremamente poluente.”
Por outro lado, o jornal O Globo, em matéria de Malu Gaspar (5/1/12/23) informa que ‘a Defesa Civil de Maceió tinha conhecimento de que a movimentação do solo na região do bairro do Mutange vinha aumentando desde o fim de setembro, mais de dois meses antes de tornar a informação pública no último dia 29 (de novembro)’.
‘O afundamento, que já chegou a 1,8 metro em menos de uma semana, também chegou ao conhecimento da petroquímica em novembro, mas a companhia se negou a tomar providências imediatas. Um documento sigiloso obtido pela equipe da coluna, o ofício 774 da Defesa Civil, com data de 13 de outubro, mostra que o órgão já havia constatado que uma região no entorno da mina 18, na orla da Lagoa de Mundaú, estava se mexendo muito antes da informação se tornar pública’.
Os prejuízos ambientais e sociais do “maior desastre urbano do País”, um ‘mérito’ da Braskem
Os prejuízos sociais dessa tragédia são imensos, com 60 mil pessoas forçadas a deixar suas casas e 14 mil imóveis abandonados nos bairros Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. O fechamento de empresas e comércios locais levou ao aumento do desemprego. A área afetada compreende 20% do território de Maceió, evidenciando a dimensão épica dessa tragédia anunciada.
Já do ponto de vista ecológico, ainda não é possível dimensionar todos os problemas. Mas são muitos, e graves. Por exemplo, o sururu (Mytella charruana), molusco bivalve que é utilizado na culinária alagoana, pode ser extinto. O sururu é um Patrimônio Imaterial de Alagoas.