Grande Barreira de Corais: parte considerável está morta. Ela jamais será a mesma
Desde que o aquecimento global se tornou uma ameaça mais premente, muito se fala sobre a morte da Grande Barreira de Corais, que definha ano após ano. Os problemas no maior ecossistema de corais do mundo, entretanto, começaram bem antes de o termo ficar muito conhecido. Quando “aquecimento global” não tinha a dimensão que tem hoje. Foi em 1998 que a Grande Barreira de Corais, na região Nordeste da Austrália, começou a ganhar as manchetes por causa da enorme degradação de seus cerca de 3.000 recifes. A Grande Barreira sofre o mais grave branqueamento em cinco anos
De lá para cá, já foram mais quatro grandes eventos de branqueamento em massa de corais: em 2002, 2016, 2017 e agora em 2020. E este último é o que apresenta maior número de áreas com branqueamento considerado “grave”, quando comparado aos anteriores.
Branqueamento matou 30% dos corais, em 2016
A pesquisa que poderá constatar uma nova perda massiva de corais está em andamento. O estudo terminará entre outubro e novembro de 2020, quando avançará para a investigação subaquática. Ela não está sendo realizada agora por causa da pandemia do novo coronavírus. Mas o monitoramento aéreo realizado nas duas últimas semanas de março em 1.036 recifes mostra que este evento pode ser pior que o de 2016. Ano em que 30% dos corais da Grande Barreira morreram após ser constatado o branqueamento que afetou, principalmente, os recifes da região norte do ecossistema. Em 2017, a parte central foi a mais atingida.
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Branqueamento chega à área sul da Barreira
No entanto, o espaçamento entre os eventos que destroem o ecossistema está ficando cada vez mais curto. Este é um dos fatores que mais preocupam os especialistas e as autoridades agora, além da já extensa perda de corais. Preocupa também a constatação de que o branqueamento foi mais crítico nas áreas sul da Grande Barreira de Corais, no início de 2020. Até então, os corais dessa região vinham se mantendo relativamente saudáveis, com poucos casos de branqueamento.
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Levantamentos aéreos
A Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Recifes de Corais (GBRMPA, na sigla em inglês) diz que os levantamentos aéreos indicam variabilidade em toda a escala da Grande Barreira. O GBRMPA é vinculado ao governo australiano. Mas os novos dados somente serão divulgados depois que as análises e mapeamentos estiverem completos. Trabalho que está sendo realizado pelo Centro de Excelência do Conselho de Pesquisa Australiano para Estudos de Recifes de Coral da James Cook University.
Branqueamento generalizado
No entanto, o GBRMPA diz que já foi constatado branqueamento generalizado de moderado a grave em grande parte do ecossistema desta vez. O GBRMPA também afirma que o branqueamento considerado grave foi mais difundido em 2020 que nos anos anteriores. “Existem recifes que branquearam severamente pela primeira vez em 2020 e outros recifes que branquearam severamente em 2016, 2017 e 2020”, disse David Wachenfeld, cientista-chefe da Autoridade de Parques Marítimos da Grande Barreira de Recifes Corais, em vídeo publicado no site.
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Terry Hughes afirmou ao jornal The New York Times, que “é a primeira vez que vemos recifes gravemente descorados ao longo de toda a extensão do recife, em particular os recifes costeiros.” Hughes é professor e diretor do Centro de Excelência para Estudos de Recifes de Corais da James Cook University. O especialista fez o sobrevoo recente e faz parte da equipe que acompanha e analisa o fenômeno desde 2016.
A causa dos frequentes branqueamentos de corais na Grande Barreira é a mesma que tem destruído recifes mundo afora, incluindo no Brasil: o aumento da temperatura das águas dos oceanos. Em 2019, Mar Sem Fim mostrou também branqueamento generalizado de recifes de corais no litoral brasileiro. Em algumas espécies, a mortalidade alcançou 90%.
Como o aquecimento global mata os corais
As águas mais quentes dos mares devem-se ao aquecimento global. Que, por sua vez, é consequência direta do aumento das emissões de gases de efeito estufa lançados na atmosfera. Muito sensíveis, os corais estão vivendo sob frequente estresse das águas mais quentes do entorno, lembra Hughes. Como absorvem 93% do calor retido pelos gases de efeito estufa enviados para atmosfera, os oceanos estão se aquecendo 40% mais rápido, em média, do que os cientistas estimaram há seis anos, informa The New York Times.
Os oceanos também absorvem boa parte do CO2 lançado na atmosfera. Em função desses gases, há um aumento da radiação solar. Ela eleva as temperaturas e incide mais fortemente nas águas dos mares. As microalgas simbiontes que vivem dentro dos corais, e dão vida e cor a eles, são sensíveis a esses fatores. Especialmente porque também se alimentam de CO2 e se intoxicam com o excesso do nutriente.
Por causa desse excesso – que também causa a acidificação das águas (o que colabora ainda mais para o branqueamento dos corais) – e dos oceanos mais quentes, as microalgas acabam se desprendendo dos recifes. Estes são a estrutura calcária criada pelos próprios corais para suportá-los e que, naturalmente, é branca. Quanto mais branqueados estiverem os corais, menos microalgas têm. E menos vida também.
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Recuperação pode levar mais de 15 anos
Baseado no histórico de eventos passados, Wachenfeld explica que a recuperação dos corais na Grande Barreira dependerá da intensidade de branqueamento, que nem sempre significa a morte dos recifes. Os que apresentam descoramentos leves devem se recuperar mais rapidamente e sobreviver sem grandes problemas a este último evento. Especialmente, porque as águas voltaram a ficar mais frias no final de março.
Para os recifes classificados como moderadamente branqueados, a resposta dependerá do histórico de distúrbios que já vêm sofrendo ao longo dos últimos anos. Corais com clareamento intenso, diz ele, provavelmente “apresentarão taxas de mortalidade significativamente mais alta, embora variáveis”.
“O que estamos vendo agora, com o branqueamento de recifes em todo o mundo, é realmente assustador. A maioria não se recupera realmente. Ou, se acontecer, pode levar 15 anos ou mais. Isso que estamos vendo não é uma coisa pequena”, ressaltou Andrea Dutton, ao site Quartz. Dutton é paleoclimatologista da Universidade de Wisconsin-Madison, dos Estados Unidos, e especialista no fenômeno.
Novo branqueamento segue ondas de calor e incêndios
Desde 2019 já era previsível que a Grande Barreira de Corais enfrentasse novas e severas turbulências. O ano de 2019 foi o mais quente para os oceanos já registrado na história. A própria Austrália está mais quente. A temperatura média do país subiu 1°C desde 1910. Em 2019, essa alta foi maior, de 1,52% acima da média, segundo o Bureau of Meteorology (BoM) da Austrália.
O que ocasionou uma das maiores secas do país, entre o final de 2019 e início de 2020. E também os incêndios no mesmo período, que devastaram áreas maiores na Austrália que muitos países. Além de causarem a morte de mais de meio bilhão de animais. As temperaturas das águas no entorno da Grande Barreira estiveram ainda altas no início de 2020, segundo o GBRMPA.
Hughes acredita que as ondas de calor dos últimos anos criaram um efeito cumulativo, alterando drasticamente a composição dos recifes. A Grande Barreira de Corais, afirma Hughes, está numa momento de transição, passando de um ecossistema com “alta diversidade e muitas espécies para um com diversidade menor e com menos espécies”, as mais resistentes.
O que é Grande Barreira de Corais
Maior organismo vivo do planeta, a Grande Barreira de Recifes de Corais tem 348.000 km2, sendo mais de 344.000 deles pertencentes ao Parque Marinho. É maior que a Itália, que tem pouco mais de 301.000 km2. São 2.300 quilômetros de extensão que podem ser vistos do espaço. Seu gigantismo pode ser mais bem avaliado quando comparado ao recife de corais de Belize, no Caribe. Ele é o segundo maior do mundo, com 290 quilômetros. Ou de Ningaloo, na costa noroeste australiana, com 280 quilômetros.
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A Grande Barreira engloba 600 ilhas continentais, 300 ilhotas de coral e cerca de 150 ilhas costeiras. Tem entre 60 e 250 quilômetros de largura e uma profundidade média de 35 metros em suas águas mais próximas da costa. Enquanto nos recifes externos, as encostas continentais se estendem até profundidades acima de 2.000 metros.
Grande Barreira jamais será a mesma
A Grande Barreira existe há mais de 500.000 anos, segundo o site Quartz. Sobreviveu a cinco períodos glaciais e pode “não sobreviver à humanidade”, sendo a atual geração, possivelmente, a última a conhecê-la em sua plenitude. E, depois de mais esse episódio de branqueamento, certamente ela jamais será a mesma.
Declarada Patrimônio da Humanidade, em 1981, pela Unesco, ela é comparada a uma floresta tropical pelos serviços que presta ao meio ambiente e aos seres humanos.
Mar Sem Fim já mostrou a importância dos corais, um dos sistemas naturais mais complexos da Terra. É habitat e berçário de milhares de espécies marinhas. E na Grande Barreira tudo é multiplicado pelo gigantismo da estrutura. Ela representa 10% dos sistemas de corais do mundo, afirma o GBRMPA.
Grande Barreira: habitat e berçário para milhares de espécies
“Embora seja conhecida, principalmente, por seu grande labirinto de recifes coloridos, sua arquitetura complexa também fornece um lar para um grande número de animais e plantas. Alguns deles, como tartarugas e crocodilos, existem desde os tempos pré-históricos e mudaram pouco ao longo dos milênios”, enfatiza o GBRMPA.
O órgão responsável pela administração do Parque Marinho prossegue: “A impressionante variedade de criaturas marinhas (na Grande Barreira) inclui 600 tipos de corais, mais de 100 espécies de águas-vivas, 3.000 variedades de moluscos, 500 espécies de vermes, 1.625 tipos de peixes, 133 variedades de tubarões e raias e mais de 30 espécies de baleias e golfinhos”.
Muitas das espécies que o Parque abriga, entre as quais também alguns tipos de coral, são protegidas e ameaçadas de extinção.
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Grande Barreira de Corais: importância econômica
Há mais de 60 mil anos, australianos dependem muito da saudabilidade do ecossistema para sobrevivência. Mas com o crescimento do turismo, a Grande Barreira passou a ter relevância ainda maior para a economia australiana. Ela contribui com aproximadamente US$ 5,6 bilhões por ano para a economia e gera mais de 70.000 empregos. Não à toa, o governo australiano está investindo US$ 1,9 bilhão na proteção da Grande Barreira de Corais de um total de US$ 2,7 bilhões previstos para o ecossistema até 2050. O restante está sendo investido pelo governo do estado de Queensland.
Aumentam as ameaças ao ecossistema
Em setembro de 2019, o GBRMPA produziu o Relatório Outlook 2019, exigido por lei a cada cinco anos, que analisa a saúde do ecossistema. Ele mostrou que o número total de ameaças aumentou de 41 em 2014 para 45. As novas ameaças incluíram a perda de conhecimento cultural, especialmente pelos proprietários tradicionais indígenas, e os potenciais impactos negativos da modificação genética que não são bem compreendidos, mas podem ocorrer quando organismos modificados são liberados na natureza. Além das ameaças mais sérias já listadas acima e oriundas do aquecimento global.
Entre as principais ameaças à Grande Barreira, estão ainda as espécies invasivas, como a acanthaster púrpura. Trata-se de uma espécie de estrela-do-mar que devora corais. Mas há muitas outras, como a elevação do nível do mar, poluição nas regiões costeiras, pesca descontrolada, e extração mineral.
Solução pode ser caracol-gigante-do-mar
Um dos problemas da Grande Barreira são as estrelas-do-mar ‘coroa-de-espinhos’ que se proliferam em razão da poluição e de resíduos agrícolas lançados nos oceanos. De acordo com um estudo de 2012 seu impacto é considerável sobre a saúde dos corais. A pesquisa mostra que 42% do dano sofrido pelos corais nos últimos 27 anos deve-se a essa praga. Solução? Achar o inimigo natural das estrelas-do-mar.
Os pesquisadores foram atrás e encontraram o caracol-gigante-do-mar. Segundo o Instituto Australiano de Ciências Marinhas (AIMS), estrelas-do-mar evitam as áreas do Pacífico onde vive o caracol marinho. Autoridades pretendem lançar um plano para o cultivo dessas espécies e, assim, evitar a sua proliferação.
Produção de carvão degrada ecossistema
A grande produção de carvão na Austrália também contribui fortemente para a degradação do ecossistema. O país está entre os maiores produtores e exportadores de carvão mineral do mundo. O combustível fóssil, ressalte-se, está entre os principais emissores de gases de efeito estufa.
Além disso, entre 2012 e 2015, o governo de Queensland, estado que concentra grande parte da Barreira, aprovou o despejo de 3 milhões de metros cúbicos de resíduos nas águas do parque marítimo – uma ação que fez parte do plano de expansão do terminal Abbot Point, na cidade Bowen. A decisão enfureceu os ambientalistas que descrevem o plano como “devastador”.
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Mesmo com a degradação da Grande Barreira, a Austrália sequer cogita em reduzir a produção de carvão. Ao contrário, tem incentivado cada vez mais.
Saiba mais sobre o branqueamento de corais e suas consequências
Imagem de abertura: http://www.criobe.pf/
Fontes: https://g1.globo.com/natureza/noticia/australia-investira-r-13-bilhao-para-salvar-a-grande-barreira-de-corais.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-smart&utm_campaign=share-bar; https://www.nytimes.com/2020/01/13/climate/ocean-temperatures-climate-change.html; https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2020/04/grande-barreira-de-coral-sofre-o-branqueamento-mais-severo-em-5-anos.html; https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2020/04/06/interna_ciencia_saude,842804/grande-barreira-de-coral-da-australia-sofre-seu-pior-branqueamento.shtml; https://qz.com/1834588/andrea-dutton-on-great-barrier-reef-as-humans-have-known-it-ending/?fbclid=IwAR2Xzv6NeX2CDRZLqWSGOwnvPxy8iPkfuHQMOEWlguhz7OXcn-LR3w5aLfY; https://edition.cnn.com/2020/04/07/australia/great-barrier-reef-bleaching-2020-intl-hnk/index.html; https://www.nytimes.com/2020/04/06/world/australia/great-barrier-reefs-bleaching-dying.html?campaign_id=54&emc=edit_clim_20200408&instance_id=17477&nl=climate-fwd%3A®i_id=91955602&segment_id=24329&te=1&user_id=b71b4a33397786aaa2444aad1304ea43; https://www.nytimes.com/2020/03/26/world/australia/bleaching-great-barrier-reef.html?action=click&module=RelatedLinks&pgtype=Article; http://www.gbrmpa.gov.au/the-reef/reef-health.
Saiba por que os corais são o mais importante ecossistema marinho