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Gerenciamento da pesca mundial na era pós-COVID-19

Gerenciamento da pesca mundial na era pós-COVID-19

Uma desaceleração global do setor de pesca comercial é uma má notícia para quem ganha a vida a partir do mar. Os pescadores sem dúvida sofrerão. No entanto, para as populações sitiadas de peixes do mundo – e os cientistas que tentam revivê-las – essa pausa não planejada da pesca apresenta uma oportunidade de pesquisa, que poderia demonstrar uma maneira melhor e mais sustentável no gerenciamento da pesca mundial na era pós-COVID-19.

A frota inglesa está no porto. Imagem, The Guardian.

Será que pelo menos esta boa notícia poderá ser atribuída à pandemia que ameaça o mundo? É o que pensam alguns cientistas.

Alguns dos muitos problemas da pesca mundial

Este site tem dado amplo espaço à discussão. A pesca em escala mundial tem o seu lado bom, e ruim. O bom é a geração de empregos e renda. Segundo o site do Banco Mundial, “Bilhões de pessoas em todo o mundo – especialmente os mais pobres do mundo – contam com oceanos saudáveis ​​como fonte de empregos e alimentos, ressaltando a necessidade urgente de usar, gerenciar e proteger esse recurso natural de maneira sustentável. Segundo a OCDE, os oceanos contribuem com US$ 1,5 trilhão por ano em valor agregado à economia em geral.”

Entre os países cuja economia mais depende da pesca estão países ricos, como os Estados Unidos, e outros nem tanto, como o Peru e o Chile, por exemplo. O grande problema da pesca, como ressaltou o Banco Mundial é ‘gerenciar e proteger esse recurso natural de maneira sustentável’. E sobre isso temos uma coleção de fracassos. O primeiro deles é a fiscalização. Como fiscalizar cerca de 70% da superfície do planeta? Por mais que a tecnologia ajude, ainda estamos muito longe disso. O grande problema dos oceanos é que eles pertencem à humanidade, ou seja, a todos os países com saída para o mar.

Os maiores países pesqueiros de acordo com www.statista.com/.

Seria preciso um amplo acordo internacional que quase sempre é tentado, mas quase nunca é alcançado e respeitado. A China, por exemplo, é o país preponderante na pesca mundial. No entanto, é o mais atacado quando o assunto é quebrar as regras hoje existentes sobre a pesca. Um dos mais notáveis pesquisadores sobre o tema, Enric Sala, denuncia a China como responsável pela expansão predadora dos mares do planeta, mandando seus enormes navios pescarem até mesmo em santuários marinhos internacionais com o arquipélago de Galápagos, e muitos outros.

As frotas mundiais de pesca

Por outro lado, a frota mundial de pesca cresce assustadoramente. Estudo publicado na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências,  descobriu que a frota pesqueira mundial cresceu de 1,7 milhão de embarcações em 1950 para 3,7 milhões em 2015. Ou seja, em 65 anos, a frota pesqueira mundial dobrou de tamanho. Isso para não falar nos fenômenos climáticos que destroem os mais importantes ecossistemas marinhos, como a Grande Barreira de Corais, para ficar apenas neste.

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Subsídios à pesca mundial

Para acelerar a lista dos enormes problemas da pesca em escala mundial, basta lembrar que trata-se da atividade que mais subsídios recebe. Somados, os subsídios à pesca atingem US$ 35 bilhões de dólares por ano, prova cabal que a atividade não é sustentável. Enquanto as nações não se entendem sobre os limites dos subsídios, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês), alerta que cerca de 60% dos estoques de peixe avaliados estão totalmente esgotados e 30% estão sobre-explorados. Pior: recente relatório de biodiversidade da ONU afirma que a sobrepesca é uma ameaça maior para os oceanos do mundo.

Gerenciamento da pesca mundial na era pós-COVID-19

“Com barcos presos no porto, por causa do COVID-19, os peixes vão se recuperar?”Assim começa matéria do www.smithsonianmag.com. E prossegue: “A pandemia deixou muitos incapazes de deixar o porto, criando uma janela para as áreas de pesca se recuperarem de anos de sobrepesca.” O Smithosonian Institute explica que “Na Croácia, os barcos de pesca balançam apáticos nas docas, enquanto 80% do peixe do país permanecem por vender.”

“Na França, as regras de segurança projetadas para impedir a propagação do COVID-19, juntamente com a demanda reduzida por causa do desemprego e dos restaurantes fechados, forçaram as frotas a permanecer no porto. O fechamento das fronteiras impede os pescadores gregos de colocar seus peixes no mercado. Dados e observações de satélite indicam que a atividade caiu até 80% na China e na África Ocidental.”

E acrescentamos, na Espanha, que tem a maior frota da União Europeia, metade dos navios está no porto.

Moratórias para certas espécies

O Smithosonian Institute  diz que “Muitos cientistas pediram no passado moratórias de certas espécies para permitir que seus números se recuperem. Por exemplo, Daniel Pauly, um influente biólogo marinho e professor da Universidade da Colúmbia Britânica, já havia defendido uma moratória global da pesca em alto-mar fora da zona econômica exclusiva de um país para permitir que as populações voltassem a crescer. “Vamos parar e deixar as ações se recuperarem”, ele disse antes da pandemia. “Isso levará a uma pesca mais econômica, porque não teremos que procurar peixes em todo o lugar”. E conclui: “A disseminação do COVID-19 forçou essa parada no mundo.”

Outro site que abriu espaço para o tema foi o BLOOMBERG, que destacou: “Carlos Duarte, presidente do Centro de Pesquisa do Mar Vermelho, na Arábia Saudita, declarou: Os estudos após a primeira e a segunda guerra mundial mostraram uma recuperação espetacular. Esperamos que essa temporada fechada não intencional entre fevereiro e junho ou julho acelere a recuperação dos estoques de peixes e nos permita alcançar objetivos de conservação mais rapidamente.”

Pesca mundial e ‘desaceleração de pelo menos um ano’

“A questão agora é quais efeitos, se houver, uma desaceleração terá sobre as populações de peixes. Uma desaceleração que dura alguns meses não teria  impacto duradouro. No entanto, se a demanda por peixe cair devido a uma recessão mais ampla, as operações poderão demorar mais para reiniciar. Uma desaceleração de pelo menos um ano permitiria que a maioria dos peixes passasse por seu ciclo de desova – e isso pode ser suficiente para algumas espécies florescerem.”

Rainer Froese, do Centro de Pesquisa Oceânica GEOMAR Helmholtz, na Alemanha diz que “A maioria dos estoques europeus de peixes  quase dobrará sua biomassa dentro de um ano sem pesca. Portanto, a redução na captura causada pelo coronavírus levará a um aumento na biomassa dos peixes ”

Mas, enquanto alguns pesquisadores procuram sinais positivos da Covid-19, outros, nem tanto. Bradley Soule, analista-chefe da organização sem fins lucrativos Ocean Mind, diz que “O fechamento da pandemia apresenta perigos específicos para a sobrepesca. Grandes barcos de pesca que podem processar e congelar peixes ficam no mar. Enquanto isso, as patrulhas que os monitoram foram reduzidas.”

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O futuro dirá

A pandemia que nos assola é violenta e cruel. Ataca de forma mais evidente as populações menos favorecidas. Mas mata aos milhares, sejam pobres, ou ricos. Depois que ela se for, restará uma economia mundial em ruínas. Oxalá, em seu rastro tétrico, esteja a compreensão de que precisamos de um meio ambiente saudável para uma população mundial igualmente sadia. Não foram poucos os cientistas, e órgãos internacionais como a ONU, a alertarem que habitats degradados podem incentivar processos evolutivos (de doenças zoonóticas) mais rápidos‘. E um novo gerenciamento da pesca mundial.

Imagem de abertura: A frota inglesa parada, The Guardian

Fontes: https://www.worldbank.org/en/topic/oceans-fisheries-and-coastal-economies; https://www.statista.com/statistics/240225/leading-fishing-nations-worldwide-2008/; https://www.smithsonianmag.com/science-nature/fish-stop-covid-19-180974623/; https://www.japantimes.co.jp/news/2020/04/18/world/science-health-world/fishing-coronavirus-marine-life/#.XqcuW5NKjjA.

Planos para o litoral engavetados no Ministério de Meio Ambiente

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